Autor(es): Bruno Rosa e Henrique Gomes Batista
O Globo - 18/12/2011
BNDES destina R$40 bi para turbinar apenas seis empresas
Endividamento elevado, prejuízo, corte de custos, demissões e pouco avanço no mercado externo. Esse é o retrato de um seleto grupo de empresas apoiadas financeiramente pelo BNDES, nos últimos cinco anos, por terem sido eleitas pelo governo para se transformarem em multinacionais verde-amarelas. Para apenas seis companhias - os frigoríficos JBS e Marfrig, a Oi, a BRF Brasil Foods, a Fibria e a Ambev - o banco destinou R$40,8 bilhões nesse período, incluindo participação acionária e financiamentos diversos. Esse valor é comparável, por exemplo, com o total estimado para o financiamento habitacional de 2011 em todo o país, que, de acordo com o último balanço do PAC, pode chegar a R$44 bilhões. Especialistas questionam os resultados dessas companhias e até a escolha dos setores que receberam apoio do governo.
O setor que mais recebeu recursos foi o de frigoríficos: R$15,64 bilhões, tanto em financiamentos como em compra de participação acionária. Com a ajuda do BNDES, Marfrig e JBS conseguiram adquirir ativos no exterior em ritmo acelerado. Resultado: estão superendividados, em R$21,5 bilhões, sendo obrigados a fechar fábricas e demitir funcionários para ajustar as operações. A Oi, que comprou a Brasil Telecom (BrT) e soma R$10,8 bilhões em operações com o banco estatal de fomento, segue cortando custos enquanto tenta avançar em seu processo de simplificação acionária.
O Marfrig, por exemplo, registrou prejuízo de R$540 milhões no terceiro trimestre deste ano, valor 687,2% maior em relação ao mesmo período de 2010. Com pelo menos 11 aquisições entre 2008 e 2010, a empresa viu seu endividamento chegar a R$7,869 bilhões no fim de setembro, bem acima dos R$6,385 bilhões no fim de junho. O JBS, que teve prejuízo de R$67,5 milhões no mesmo período - depois das perdas de R$180,8 milhões no terceiro trimestre de 2010 -, só vê o endividamento aumentar: subiu de R$12,164 bilhões em junho para R$13,654 bi em setembro.
- Para as empresas, é vantajoso pegar dinheiro do BNDES. O ponto central é a transparência. Apesar do projeto do governo de criar superpotências, parece que todo o dinheiro vem sendo liberado apenas para atender aos interesses dos grupos nacionais - diz Cândido Grzybowski, diretor-geral do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).
Após apoio oficial, venda a estrangeiro
E o cenário de ajustes ainda é longo. Segundo Alcides Torres, analista de mercado da consultoria Scot Agroconsult, na melhor das hipóteses, os frigoríficos só irão conseguir arrumar suas operações em cinco anos, após o apoio do banco estatal. Agora, correm nos ajustes. O Marfrig teve de reduzir seus investimentos. O JBS interrompeu a atividade em frigoríficos no país, para economizar. Em seu próprio relatório, a companhia diz que 2011 foi um período de pôr a casa em ordem.
- Ou seja, estão demitindo. As empresas compradas no exterior, pelas companhias brasileiras, eram, em grande parte, mal administradas e pouco lucrativas. Por outro lado, esse é um setor de baixa margem de lucro, por isso essas empresas precisam ser grandes. Mas o retorno é só a longo prazo. Hoje, elas não estão distribuindo dividendos - analisa Alcides.
O cientista político João Roberto Lopes, coordenador do Instituto Mais Democracia, chama a atenção para o argumento usado pelo governo de proteger o capital nacional ao liberar financiamento barato para os grandes grupos nacionais. Ele cita o caso da Ambev, criada com a união entre Brahma e Antarctica, e depois vendida para os belgas da InterBrew, que, posteriormente, comprou a americana Anheuser-Busch, dona da Budweiser.
Incentivos não ampliam inovação
A Oi é outro exemplo de empresa que aumentou de tamanho ao comprar a BrT com o empurrão do BNDES, em 2008. A empresa, que luta para cortar custos, não conseguiu avançar com força no mercado internacional - um dos principais objetivos anunciados na ocasião em que a supertele nacional foi criada. Hoje, o grupo criou apenas subsidiária na Colômbia e no Paraguai. No terceiro trimestre do ano, viu seu lucro cair 20%, para R$426 milhões.
- Agora, vemos essa associação entre a Oi e a Portugal Telecom. Não há garantia de proteção ao capital nacional. Essa ideia é uma armadilha. O problema é que o banco não estabelece contrapartidas, permanecendo uma relação privilegiada para as empresas - afirma o coordenador Lopes.
Crescer no exterior não é tarefa simples. A BRF Brasil Foods (resultado da união de Sadia e Perdigão), por exemplo, viu suas exportações no ano de carne in natura caírem 5%, e as de carne processada, 11%. Theotônio dos Santos, presidente da Cátedra da Unesco e da Universidade das Nações Unidas, em Tóquio, lembra que o apoio do Estado a empresas acontece em todo o mundo. Mas ressalta que no Brasil o avanço das empresas nacionais é prejudicado pela falta de incentivos ao investimento em inovação tecnológica:
- Com Europa e EUA em ritmo lento, vemos China e Índia avançando.
Lopes, do Mais Democracia, também questiona os setores escolhidos:
- São setores com baixa geração de emprego e não afetam muitos segmentos da economia. Por que não atuar de forma desconcentrada, apoiando empresas de alimentos e energia elétrica? Por que não apoiar setores como têxtil e moveleiro? Subsidiar não é ruim. O ruim é subsidiar companhias que podem captar recursos no mercado.
Resultado da compra da Aracruz Celulose pela Votorantim, a Fibria, por sua vez, amarga perda de 50% no seu valor de mercado na Bovespa este ano (a Bolsa caiu 19%). A queda, explicou o analista Carlos Eduardo Daltozo, do Banco do Brasil Investimentos, é maior que o recuo dos preços da celulose de fibra curta, de 21% em 2011.
- A empresa tem sido penalizada pela sua alavancagem excessiva, feita para investir em um megaprojeto de celulose - disse.
Procuradas, as seis empresas citadas não se pronunciaram.
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