domingo, 18 de dezembro de 2011

Revolução chinesa conquista a América Latina

Autor(es): Fabiola Zerpa
O Globo - 18/12/2011
 

Exportações para gigante asiático crescem 12 vezes em uma década. China supera sócios tradicionais, como EUA

CARACAS. Da América Latina para a China vão matérias-primas, energia e alimentos. Do país asiático chegam produtos tecnológicos, industrializados, têxteis e projetos de cooperação. Na última década, as exportações do subcontinente para o gigante econômico aumentaram 12 vezes, enquanto as importações cresceram oito vezes, segundo o Sistema Econômico Latino-Americano (Sela). O intercâmbio supera o comércio que muitos países da área tinham com sócios tradicionais, como os Estados Unidos ou nações vizinhas.
O processo é visto por observadores como uma relação semelhante à que o Japão teve com nações próximas entre os anos 60 e 90. O país nipônico impulsionou o crescimento econômico de seus vizinhos (que elevaram a renda per capita entre 15% e 70%) por meio de seu desenvolvimento tecnológico.
- A China se converteu em um sócio estratégico. Há muitas oportunidades de exportação e investimentos nas áreas de mineração, engenharia, agricultura, infraestrutura, ciência e tecnologia - diz Alicia Bárcena, secretária-executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
A China já ultrapassou os EUA como sócio principal do Brasil, assim como do Chile, em matéria de importações. Na Venezuela, também superou Colômbia e Brasil como aliado comercial. O caso de México é especial porque, ainda que seja um competidor da China para produtos de exportação para EUA e Canadá, o comércio bilateral cresceu 2.000% entre 1990 e 2010. Em outras nações, o avanço é evidente: no Uruguai aumentou 40% entre 2010 e os 11 primeiros meses deste ano, enquanto o Equador vende 54% de seu petróleo ao gigante asiático.
Alta demanda de
produtos primários
A importância da China para a região se concentra em sua alta demanda de produtos primários. Para manter seu nível de crescimento - 8% ao ano há uma década - precisa de alimentos, energia e matérias-primas. E a América Latina é a fornecedora. Já os países latino-americanos se beneficiaram da demanda chinesa por ter elevado os preços de suas matérias-primas no mercado internacional. Analistas econômicos indicam que o crescente intercâmbio produziu um efeito de proteção sobre a região e ajudou a resguardá-la durante a crise financeira nos EUA e na Europa.
A Argentina se tornou para a China uma fonte de alimentos de longo prazo. E está investindo em terras. Um exemplo é o acordo entre duas províncias - a argentina Rio Negro e a chinesa Heilongjiang - e a empresa de alimentos Beida Yuang. O objetivo é alugar de proprietários particulares até 200 mil hectares para garantir a plantação de milho, trigo, soja e leite aos habitantes de Heilongjiang durante 20 anos. Em troca, a empresa se comprometeu a investir US$1,45 bilhão para irrigar tais terras.
A China também planeja comprar terras no Peru. No Uruguai, o único latino-americano que exporta gado em pé para o mercado chinês, os asiáticos também querem comprar terras.
O Chile também é um provedor relevante de alimentos para a China. Em 2010, 81% dos pedaços de truta congelada importados pela China provinham do país sul-americano que também é líder nas importações chinesas de cerejas (75%), ameixas (74%), maçãs (70%), morangos congelados (58%), uvas (51%) e vinho a granel (35%).
Venezuela, Equador, Argentina e Brasil são fornecedores-chave de petróleo. O caso mais evidente é o de Caracas, que intensificou o intercâmbio energético com Pequim desde 2007, quando criaram o Fundo de Cooperação China-Venezuela. O instrumento é fonte de financiamento de obras de infraestrutura pública, a partir de um empréstimo de US$4 bilhões desembolsado pelo Banco de Desenvolvimento da China (BDC), cuja amortização foi atrelada ao fornecimento de 100 mil barris diários de combustível pela Petróleos de Venezuela (PDVSA).
A China também se converteu na principal financiadora do Equador, após a crise de 2009, que levou à queda nos preços do petróleo. Para se recuperar, Quito assinou com Pequim um primeiro crédito de US$1 bilhão. Atualmente, a dívida é de US$6,7 bilhões, quase 12% do PIB, razão pela qual o Equador envia à China 54% de sua produção, nove milhões de barris mensais.
No Brasil, energia e mineração representam 90% dos investimentos chineses. O negócio mais importante de 2010 foi a aquisição de 40% da Repsol-Brasil pela Sinopec, estatal chinesa de petróleo e gás, por US$7,1 bilhões. Segundo a Câmara de Comércio Brasil-China, este ano os chineses se converteram nos maiores investidores estrangeiros no país, com US$30 bilhões.
A relação com a China tem custos e benefícios. Chihon Ley, diretor de Programas na Ásia do Centro de Educação Executiva da Universidade Adolfo Ibáñez, no Chile, destaca que no âmbito comercial importadores e consumidores foram beneficiados por um fácil acesso a produtos chineses a preços convenientes e que dificilmente produtores locais poderiam oferecer. O ponto negativo é que fabricantes locais desses produtos tiveram que mudar de atividade ou fechar.
Relação centro-periferia pode voltar à região
Sobre sua faceta de exportadora de matéria-prima, o especialista destaca que a América Latina vai se beneficiar de sua relação com a China por 15 a 20 anos - a duração do ciclo virtuoso da demanda sustentada chinesa por esses produtos. O que também tem um custo:
- Os latino-americanos enfrentam o risco de voltar a uma fase primária de produção, focados em artigos sem valor agregado, e de se transformarem em economias extrativas. A América Latina já esteve submetida a uma dinâmica centro-periferia com os EUA. Corremos o risco de repetir essa dinâmica com a China.
(*) O jornal "El Nacional" faz parte do Grupo de Diarios América (GDA), assim como O GLOBO

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