sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O Brasil em 2005-2009


Autor(es): Armando Castelar Pinheiro
Valor Econômico - 02/12/2011
 

No Brasil, até o passado é incerto. A frase é atribuída ao ex-ministro Pedro Malan, que costumava citá-la para se referir à dificuldade de gerir a política fiscal quando novas e elevadas despesas são criadas por decisões judiciais relativas a acontecimentos no passado distante. Essa frase vai ganhar uma nova conotação nos próximos anos, com o fim do sigilo eterno de documentos oficiais e com a criação da Comissão da Verdade, que devem jogar novas luzes sobre nossa história e, quem sabe, "mudá-la" em alguns pontos relevantes.
Mas aqui quero ater-me a outra dimensão em que nos últimos anos nosso passado também se tornou mais incerto: o das estatísticas oficiais. Isso ocorre a partir de um esforço, louvável, do IBGE de melhorar e ampliar as informações disponíveis sobre a nossa realidade, com mais pesquisas e maior interação com outros geradores de dados. Registre-se que esse processo começou nos anos 1990, desde quando convergiram as classificações utilizadas pelos vários órgãos. Ele também é fruto do Plano Real, pois antes a inflação elevada corroía o conteúdo informacional dos dados.
Em novembro, o IBGE nos brindou com novas informações para o período 2005-09. Além disso, introduziu pela primeira vez uma matriz de fluxos e estoques financeiros cobrindo de 2004 a 2009, que mostra, para cada setor institucional, quanto foi adquirido liquidamente de cada ativo financeiro e como evoluiu a riqueza financeira neles investida.
Se o consumo mantiver a expansão dos últimos anos, as famílias devem absorver financiamento de outros setores
Concentrando no primeiro grupo de números, em que medida eles mudam nossa interpretação do que ocorreu nesse período? Em relação a 2009, a principal mudança foi reduzir a queda do investimento - -6,7%, contra -10,3% antes estimada -, principal explicação para a redução de 0,3 ponto percentual na contração do Produto Interno Bruto (PIB). Com isso, as taxas de investimento e poupança em 2009 ficaram 1,2 ponto percentual acima do calculado anteriormente. Qualitativamente, porém, não mudou o fato de que o nível de atividade foi sustentado integralmente pelo aumento do consumo, em especial das famílias, que subiu 4,4% no ano, contra uma queda de 0,3% no PIB. O resultado foi uma redução de 2,9% do PIB na taxa de poupança.
Esse não foi um resultado pontual: em 2005-08 o crescimento médio anual do consumo das famílias superou em 0,8 ponto percentual o do PIB; incluindo 2009, essa diferença sobe para 1,5 ponto percentual. A expansão do crédito ao consumidor - em média, de 22% acima da inflação - explica em parte esse resultado. Mas os dados recém divulgados pelo IBGE também mostram que a renda disponível bruta aumentou 5,3% ao ano nesse período, aí incluídas as transferências sociais em espécie, que subiram em média 7,6% ao ano.
Os novos dados confirmam que a taxa de poupança das famílias caiu em 0,8% do PIB no quinquênio 2005-09. Como as famílias elevaram sua taxa de investimento em 0,3% do PIB nesse período, a sua capacidade de financiamento chegou a 2009 praticamente zerada. Se o consumo privado e a construção residencial mantiverem a expansão acelerada dos últimos anos, as famílias devem passar a absorver capacidade de financiamento de outros setores institucionais, ou aumentar a dependência do financiamento externo.
Tanto o aumento do emprego como o dos rendimentos médios contribuiram para a forte alta da renda disponível bruta nesse período. A administração pública, o comércio e a construção responderam por 47,3% da alta na massa de salários, contra uma participação de 40,3% no total de salários em 2004. A indústria de transformação, por outro lado, respondeu por 16,9% do aumento, contra uma participação inicial de 19,9%.
O crescimento médio anual da força de trabalho em 2005-09 foi de 1,8%, menos do que o indicado antes pela Pesquisa Mensal do Emprego para as regiões metropolitanas (2,2% ao ano), mas ainda assim uma taxa significativa. O contraste entre setores é grande: a agropecuária teve uma substantiva queda no emprego (redução de 2,1 milhões de trabalhadores, contra uma alta agregada de 8,4 milhões). Todos os demais setores importantes tiveram ganhos. Construção, comunicações, serviços prestados às empresas e administração pública responderam por 41,4% do aumento do emprego não agropecuário, contra uma participação em 2004 de 29,4%.
No todo, esses números indicam que o aumento do emprego e da massa salarial se deu nos setores não comercializáveis, confirmando que há em curso uma importante mudança estrutural da economia. Ainda que esse seja no sentido esperado, dado o aumento da renda per capita, a sua velocidade parece muito elevada.
Ainda que a revisão estatística de nossa história tenha vindo para melhorar a qualidade das informações, ela tem gerado alguns problemas. O mais relevante é que nossas séries históricas estão segmentadas por períodos: em especial, parte de nossas Contas Nacionais só retroage de forma consistente até 1995. Pode-se emendar esses dados em outros anteriores, mas o ideal é que o IBGE fizesse isso e disponibilizasse séries retroagindo pelo menos até 1950 para todos os agregados das Contas Nacionais.

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