quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Com queda nas reservas, Argentina busca dólares



Autor(es): Por César Felício | De Buenos Aires
Valor Econômico - 27/10/2011
 

A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, tomou ontem a primeira medida para tentar conter a fuga de capitais do país, constante nos últimos três meses. Por meio de um decreto, a partir de agora as empresas exportadoras de petróleo, gás e derivados e as mineradoras serão obrigadas a converter em peso tudo que conseguirem em divisas. Entre as exportadoras atingidas, estão empresas brasileiras, como a Petrobras. Procurada, a assessoria de imprensa da subsidiária da petroleira não se manifestou.
As exportadoras desses setores eram as únicas desobrigadas de trazer os recursos para a Argentina desde fevereiro de 2003, quando o então presidente, Eduardo Duhalde, criou o benefício como uma forma de incentivar investimentos nas áreas. No caso do setor de óleo e gás, havia uma obrigação de repatriar apenas 30% dos recursos.
Mas os controles de preços no mercado interno e as altas taxações das exportações fizeram com que a medida fosse de eficácia apenas relativa: as vendas de minério ao exterior se desenvolveram e atingiram US$ 4,5 bilhões em 2010, ou 6,6% do total de exportações. Já as vendas de gás, petróleo e derivados ao mercado externo caem de forma contínua desde 2004 e foram de US$ 5,2 bilhões em 2010 (7,6%).
Nas últimas semanas, as reservas internacionais da Argentina desceram do patamar de US$ 52 bilhões, onde estavam desde dezembro, para US$ 48,2 bilhões no início do mês. Um nível semelhante ao do final de 2009. Considerando apenas os fluxos de saída dos recursos, as consultorias privadas avaliam uma evasão entre US$ 19 bilhões e US$ 23 bilhões neste ano. Nas últimas semanas que antecederam o pleito em que Cristina foi reeleita, no último domingo, o Banco Central começou a fazer intervenções diárias da ordem de US$ 150 milhões para frear a cotação do dólar.
Com a medida de ontem, o governo abastece de maneira heterodoxa o mercado com dólares. A ação sobre a demanda por enquanto é simbólica: nos últimos dois dias, o governo argentino montou uma força-tarefa que deu batidas sobre as casas de câmbio do centro de Buenos Aires e no aeroporto internacional de Ezeiza, prendendo dezenas de cambistas e fechando estabelecimentos que não estavam registrando as transações.
"Trata-se de um bom paliativo, mas que não elimina o dado essencial: há uma percepção generalizada de que existe um atraso cambial e de que a disponibilidade de dólares tende a cair", comentou o especialista em comércio exterior da consultoria Abeceb, Mauricio Claveri. Segundo Claveri, neste ano as exportações do setor mineral totalizaram US$ 3,4 bilhões nos primeiros oito meses e as do setor de óleo e gás, US$ 3 bilhões.
O freio no câmbio é a principal ferramenta que o governo dispõe para manter a inflação estabilizada, ainda que em um patamar alto, estimado entre 20% e 25% ao ano por consultorias privados. O dado oficial, manipulado desde 2007, não pode ser considerado como referencial. E a variação do dólar não chega a dois dígitos ao ano. "Esse nível de inflação faz com que uma desvalorização do peso não tenha eficácia nos dados da balança, já que a correção cambial seria imediatamente repassada para os preços internos", disse Claveri.
Segundo o economista, a medida é um sinal de que o governo tentará usar o saldo comercial para aliviar a pressão sobre o dólar e não lançará mão de instrumentos ortodoxos, como a elevação dos juros. "Como a tendência do saldo comercial é declinante, é de se prever o aumento de medidas protecionistas para restringir importações, sobretudo em maquinaria agrícola, autopeças, produtos eletrônicos e químicos, onde os déficits comerciais são maiores", disse.

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