sábado, 22 de outubro de 2011

Evo Morales desiste de estrada em reserva indígena


Autor(es): Janaina Lage
O Globo - 22/10/2011
 

Decisão ocorre após marcha de protesto e eleição de juízes com maioria de votos brancos e nulos

LA PAZ e RIO. Após mais de dois meses de uma marcha indígena de protesto, o presidente da Bolívia, Evo Morales, anunciou ontem que o polêmico projeto de construção de uma estrada entre Villa Tunari e San Ignacio de Moxos não cruzará mais a reserva indígena Tipnis (Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure). A decisão encerra uma batalha política com os índios da região amazônica, que fazem parte da base de apoio do presidente. Em entrevista, Morales disse que vetará a lei que autoriza a rota, aprovada pelo Legislativo na semana passada, e informou que orientará sua bancada a incorporar a proposta dos índios em protesto.
- Ao ser declarado território intangível, os assentamentos (humanos) são ilegais e, portanto, passíveis de despejo pela força pública. A rota também não passará por Tipnis, portanto o assunto está resolvido. Para mim, isso se chama governar obedecendo ao povo - disse Morales, enquanto era adiado o diálogo com os indígenas, que chegaram na última quarta-feira a La Paz após uma caminhada de 600 quilômetros em defesa do parque.
O presidente não esclareceu quais serão as consequências para o projeto. A obra, dividida em três etapas, é realizada pela brasileira OAS e conta com financiamento à exportação de serviços do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) de US$332 milhões. Até agora, os recursos não foram liberados. Somente o segundo trecho da estrada passaria pela reserva. Com a mudança, a construtora terá de apresentar um novo projeto ao banco, o que pode alterar o cronograma. No fim do mês passado, a construtora havia dito que mudanças no traçado representariam forte alta de custos.
Desde a chegada a La Paz, um grupo de índios acampou em uma praça em frente ao palácio presidencial à espera de uma reunião com Morales. O conflito afetou a popularidade do presidente e rachou sua base de apoio. Inicialmente, Morales subestimou o alcance dos protestos, acusando os organizadores de ligação com opositores de direita, com os EUA e com organizações ambientais.
Segundo revés para o presidente boliviano
Ontem, Morales almoçou com representantes indígenas e com quatro ministros. Os índios pretendem manter a vigília na Praça Murillo até que suas solicitações sejam atendidas e que o Legislativo torne a área do parque intangível, o que significa que nenhuma outra estrada poderia passar pela região.
- A construção da estrada feria os direitos fundamentais dos povos indígenas, como o de livre determinação. Não foi feita uma consulta aos povos indígenas, mas a marcha de mais de dois meses é a expressão dessa rejeição. O desenvolvimento tem sido quase igual à morte ou ao desaparecimento dos povos indígenas - disse Carlos Candori, do Centro de Estudos Multidisciplinar Aimará.
Os meses de protestos contra o governo elevaram a tensão no país e afetaram a credibilidade do governo. A decisão de ceder aos protestos indígenas representa o segundo revés para o presidente em menos de dez dias. No último domingo, a maioria da população (cerca de 60%) votou em branco ou nulo em uma eleição para escolher os 56 principais magistrados do país. A escolha direta dos juízes faz parte de um pacote de reformas aprovadas por Morales, mas o novo formato de seleção, que incluía uma pré-seleção dos candidatos pela Assembleia Plurinacional, controlada pelo partido do governo, motivou protestos. A eleição acabou se tornando uma avaliação do próprio governo depois que a oposição orientou a população a votar nulo ou em branco.
- A decisão é aparentemente uma derrota para Morales, a estrada custará alguns milhões a mais, mas com a mudança ele acaba com os protestos dos índios, que vinham obtendo a solidariedade de diversos segmentos da sociedade. E mesmo com a maior parte dos votos brancos e nulos, dará posse a um Tribunal Constitucional de aliados, o que auxilia seus futuros projetos políticos - disse o cientista político Carlos Cordero, da Universidad Mayor de San Andrés.
As últimas polêmicas mostram que o presidente, que já foi considerado invencível, se tornou mais vulnerável.
Com agências internacionais

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