domingo, 23 de outubro de 2011

País se arma contra nova ofensiva chinesa

São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2011 



Empresários temem que China, cuja economia se desacelera, eleve exportação ao Brasil, em meio à crise nos EUA e na UE

Indústria quer pedir sobretaxas para produtos subsidiados; governo vai reformular instrumentos de defesa

PATRÍCIA CAMPOS MELLO
SÃO PAULO

O governo brasileiro e a indústria preparam novas armas de defesa comercial para combater uma nova ofensiva chinesa.
A economia da China se desacelerou, e a crise se aprofunda em mercados tradicionais das exportações do país, como EUA e União Europeia. Com isso, empresários brasileiros já antecipam uma alta na exportação de produtos asiáticos para o Brasil.
Além de medidas antidumping -tarifa sobre produtos vendidos no Brasil abaixo do preço do mercado de origem-, empresários vão pedir sobretaxas para produtos de indústrias subsidiadas pela China e se preparam para brigar com os chineses também nos EUA.
O Ministério do Desenvolvimento (Mdic) espera um grande aumento no número de queixas contra os chineses e vai reformular no ano que vem dois instrumentos de defesa comercial pouco usados hoje -direitos compensatórios (medidas antissubsídios) e salvaguardas.
No dia 13, o Mdic anunciou a reformulação do antidumping, a medida mais usada. Quer reduzir o tempo médio necessário para essas medidas entrarem em vigor, dos atuais 15 para 10 meses
.
"É a maior preocupação dos empresários que nos procuram: se a China continuar se desacelerando, o Brasil pode se tornar grande alvo de exportações", diz Felipe Hees, diretor do Departamento de Defesa Comercial do Mdic.
"Prevemos aumento das exportações chinesas para o Brasil e precisamos tornar nossas armas mais eficientes, por isso vamos reformular as salvaguardas e as medidas compensatórias e contratar mais funcionários."
Foram contratados 120, que devem começar no ano que vem.

AÇO
Segundo Thomaz Zanotto, diretor de comércio exterior da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e assessor internacional da CSN, os chineses começam a tentar escoar aqui parte dos produtos intermediários, como chapas de aço.
A China cresceu 9,1% no terceiro trimestre de 2011, nível mais baixo em dois anos, e a estimativa é que se desacelere para 8% no quarto trimestre de 2011 e no primeiro trimestre de 2012
.
"Por enquanto, a China absorve sua enorme produção de aço, mas começa aos poucos a exportar para outros países, entre eles o Brasil", afirma Zanotto.
"Se vier um tsunami, não temos muralhas prontas; a legislação de defesa comercial ainda é mal estruturada, lenta, e há um número insuficiente de pessoas."
Outras empresas se preparam para enfrentar os exportadores chineses em solo americano.
Um grupo de empresas brasileiras que exportam calçados e têxteis para os Estados Unidos estuda recorrer à seção 337 da Lei de Comércio americana para brecar importações chinesas de seus concorrentes.
Empresas que tenham investimentos nos EUA e exportem para lá podem recorrer à seção 337 se seus concorrentes estiverem violando leis de propriedade intelectual, copiando design ou desrespeitando patentes.
Quando ganham, as importações do concorrente são bloqueada pela alfândega, não entram nos Estados Unidos
, diz Felipe Berer, sócio do escritório Tauil & Chequer, associado ao Mayer Brown.





Indústria têxtil vai contestar subsídios

Abit estuda pedir ao governo brasileiro a adoção de tarifas sobre importações que tenham subvenção de Pequim

Medida viria a se somar às sobretaxas de antidumping, ação mais comum contra concorrência desleal

Lilian Wu - 22.set.11/France presse
Painéis de energia solar na China; empresários brasileiros temem que asiáticos redirecionem para o Brasil as exportações destinadas aos países desenvolvidos, que estão em crise

DE SÃO PAULO

A Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção) planeja pedir ao governo brasileiro que imponha tarifas sobre importações que venham de empresas chinesas subsidiadas, usando um instrumento chamado de medidas compensatórias.
"Precisamos enfrentar a concorrência desleal da China com todas as ferramentas de que dispomos, combatendo dumping e também subsídios. É importante ampliar nossos instrumentos", diz Fernando Pimentel, diretor-superintendente da Abit.
"Não se trata de xenofobia, só não queremos franquear nosso mercado para concorrentes desleais chineses. Só a depreciação da moeda chinesa já neutraliza as tarifas antidumping que temos conseguido."
A grande maioria das ações das empresas é de antidumping -acusam a China de exportar por um preço inferior ao praticado no mercado doméstico. Mas o governo espera crescimento nos pedidos de medidas compensatórias -tarifas sobre produtos de países que subsidiam suas empresas exportadoras.
O subsídio pode ser tanto por meio de empréstimos a juros reduzidos para indústrias "eleitas" pelo governo, prática muito comum na China, como concessão de terras de graça, por exemplo.
Trata-se de recurso pouquíssimo usado no Brasil -só há uma ação recente, contra importação de filmes PET da Índia
. Neste ano, já foram abertas três investigações sobre subsídios.
Outra arma que está sendo cada vez mais usada são as ações anticircunvenção. Tentando fugir de tarifas antidumping, muitos exportadores chineses montam ou finalizam seus produtos em outros países, principalmente dentro do Mercosul.
Estão sob investigação cobertores fabricados na China que estariam sendo revendidos pelo Paraguai e Uruguai.
Já os pedidos de salvaguardas, que restringem a entrada de produtos estrangeiros no caso de ameaça à indústria nacional, dificilmente são acatados pelo governo.
Entre empresários, há a percepção de que há acordo tácito entre os governos do Brasil e da China de não adotar salvaguardas.
Adriana Dantas, sócia do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão e especializada em comércio internacional, está mapeando subsídios concedidos pelo governo chinês a determinadas indústrias.
Segundo ela, uma opção é tentar combinar antidumping com medidas compensatórias, a fim de criar uma tarifa grande o suficiente para manter a competitividade do produto nacional.
"Os países desenvolvidos, que sempre foram os grandes importadores de produtos chineses, vão permanecer em crise nos próximos anos", afirma Pimentel.
"Com esses mercados se contraindo, a China redireciona suas exportações para cá." (PATRÍCIA CAMPOS MELLO)


Veículo por habitante vai crescer 62%, planeja setor

Até 2020, setor espera atingir 250 unidades para cada 1.000 habitantes

Anfavea estima que indústrias vão investir US$ 21 bilhões até 2015 em ampliações e novas fábricas de carros

VENCESLAU BORLINA FILHO
DE SÃO PAULO

A indústria automotiva brasileira pretende aumentar em 62,3% a taxa de motorização até 2020. A intenção é passar dos atuais 154 para 250 veículos por 1.000 habitantes, de acordo com estimativa da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores).
Para isso, o setor planeja investimentos de US$ 21 bilhões até 2015 em ampliações e em novas fábricas. A produção anual, que neste ano foi projetada em 3,74 milhões de unidades, deve saltar para 6,3 milhões em dez anos.
Considerando o mesmo percentual e a renovação da frota, as montadoras poderão produzir ao menos 37 milhões de novos veículos no período. Ao final do período, o país poderá registrar uma frota de 69 milhões de veículos
.
O aumento da produção considera o crescimento da economia previsto para 2011, estimado em 4% pelo setor, e outros fatores como a oferta de crédito e o aumento de renda da população.
Segundo a Anfavea, 60% das vendas de veículos são feitas por meio de operações de crédito.
Além disso, o crescimento está relacionado aos pacotes lançados pelo governo para incentivar a produção e evitar a demissão de trabalhadores
. A última medida aumentou o IPI para carros importados a partir da segunda quinzena de dezembro.
De acordo com dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a taxa de motorização no Brasil cresceu 30% entre 1998 e 2008 baseada na popularização e no aumento do crédito.
No México, o crescimento verificado foi de 75% no mesmo período. Já a vizinha Argentina tem taxa de motorização maior que a do Brasil
.
Para o presidente mundial da Renault-Nissan, Carlos Ghosn, não há dúvidas de que o Brasil tem potencial para superar a taxa de motorização de países da Europa, como Portugal, atualmente com 495 veículos por 1.000 habitantes.
"O Brasil tem condições de atingir a relação de 500 veículos por 1.000 habitantes. O brasileiro gosta de carro, e o país ainda tem muito a crescer no setor", disse.
Para especialistas consultados pela Folha, a meta é ambiciosa.
"Parece mais um desejo do que algo que seja possível", diz Arthur Barrionuevo, professor e economista da FGV (Fundação Getulio Vargas).
"Não creio que, nem mesmo num prazo razoável de dois ou três anos, o nível de crédito possa se expandir a ponto de viabilizar um aumento substancial da demanda de veículos no Brasil", diz Júlio Manuel Pires, professor de economia da USP
.
Com mais veículos nas ruas, a lógica é que o tráfego se torne cada vez mais complicado, principalmente nas grandes cidades. Porém, para a Anfavea, a culpa não pode ser atribuída somente à indústria automotiva.
Segundo a associação, a questão deve ser analisada e associada a outros fatores, como a qualidade do transporte coletivo, sua eficiência, o adensamento populacional e a condição da infraestrutura viária (ruas e avenidas).

CARGA PESADA
No começo do mês, Ghosn esteve no Brasil para anunciar R$ 3,1 bilhões na construção da primeira fábrica da Nissan no país e a ampliação da unidade da Renault em São José dos Pinhais (PR).
Em entrevista à Folha, o executivo criticou o preço do aço brasileiro, a falta de infraestrutura e a alta carga tributária. "A tributação é muito grande no Brasil. De 40% a 48% do que se paga num carro é tributo", disse.
"A gente compra aço coreano feito com minério brasileiro porque custa bem menos do que o aço brasileiro. Esse é um problema que temos de resolver porque nosso interesse é baixar o preço do carro no Brasil."



Expansão repete boom de 'milagre' e Plano Cruzado

DE SÃO PAULO

A indústria automotiva brasileira já viveu dois momentos parecidos com o que se estima para 2020: o período do milagre econômico, entre 1968 e 1973, e o ano de 1986, que marcou a implantação do Plano Cruzado.
"Nesses dois momentos a economia esteve bastante aquecida, com expansão do crédito e com impactos bastante positivos sobre o setor automobilístico", disse Júlio Manuel Pires, professor de economia da USP.
Para ele, a partir de agora a oferta de crédito ficará restrita
ao comportamento da inflação. "Não creio que esse mesmo ritmo de crescimento do crédito possa se manter sem comprometer a inflação dos preços."
Pires afirma que até 2020 seja mais provável o aumento da oferta de crédito para a área habitacional do que para a automobilística. "Considero mais positivo do ponto de vista social e para o desenvolvimento econômico", disse.
Mesmo assim, ele confirmou que a indústria automotiva brasileira se desenvolveu bastante nos últimos anos, voltada para o atendimento dos mercados interno e externo, principalmente para a América Latina.
"É um setor competitivo internacionalmente no que diz respeito a carros mais populares, mas ainda carece de investimentos para ganhar competitividade no segmento de carros sofisticados", disse.



Montadoras preveem investimento bilionário no país

DE SÃO PAULO

Entre os investimentos da indústria automotiva brasileira, o da GM (General Motors) se destaca. Até 2012, ela deve concluir aportes de R$ 5,4 bilhões e programar novos recursos para os próximos cinco anos.
Já a Fiat, que lidera as vendas de veículos no Brasil, vai investir R$ 3,5 bilhões na nova fábrica que será construída no Estado de Pernambuco. O acionamento da nova linha de fabricação de veículos está previsto para 2014.
No plano da GM, a maior parte dos recursos -R$ 2,65 bilhões- está sendo aplicada na modernização e na ampliação da fábrica em São Caetano do Sul, na região metropolitana de São Paulo.
Segundo a empresa, outro R$ 1,4 bilhão está sendo investido na expansão da fábrica em Gravataí (RS) e no centro tecnológico paulista. Já em Joinvile (SC) a nova fábrica de motores e componentes automotivos vai custar R$ 350 milhões.
O restante dos recursos será dividido em novos laboratórios de testes dos veículos, desenvolvimento de novos modelos e modernização da fábrica de Mogi das Cruzes (SP).

FIAT
A nova fábrica da Fiat em Pernambuco poderá produzir até 250 mil unidades por ano.
Para a empresa, a nova unidade é estratégica a fim de aumentar as vendas de veículos no país.
Segundo dados da Anfavea (associação dos fabricantes de veículos), o mercado brasileiro de automóveis e comerciais leves fechou o ano de 2010 com vendas de 3,3 milhões de veículos. A Fiat participou com 760 mil veículos.
Ao lado da General Motors e da Fiat, também estão no ranking da liderança de vendas as montadoras Volkswagen e Ford.
As empresas não detalharam à Folha os investimentos previstos para os próximos anos. (VBF)



Preço dos carros é empecilho para elevar taxa de motorização

RONALDO DE BREYNE SALVAGNI
ESPECIAL PARA A FOLHA

A taxa de motorização média no Brasil, hoje, é da ordem de 154 veículos por 1.000 habitantes. Na Europa, são mais de 500, e alguns setores acham que deveríamos investir para atingir esse nível.
Porém, por mais que as montadoras e os fornecedores de autopeças se esforcem para isso, existem pelo menos dois fortes empecilhos que independem deles: a renda média do brasileiro e o preço dos carros no Brasil.
A renda média do trabalhador brasileiro é muito menor que a do colega que vive num país europeu.
O automóvel ainda é um sonho de consumo distante para a maioria dos brasileiros. Mesmo a taxa estimada para 2020, de 250 veículos por 1.000 habitantes, já é alta em relação à renda média do brasileiro, considerando o grande motor atual da economia brasileira: a compra a prestações, com longos prazos.
Esses financiamentos de 50 ou 60 meses não existem em países avançados, mas são eles que permitem ao trabalhador que recebe dois ou três salários mínimos comprar seu carrinho.
O segundo empecilho é o alto preço dos carros no Brasil. O preço de um automóvel embute impostos da ordem de 40% do total, enquanto nos Estados Unidos essa carga não passa de 6%, e um pouco mais na Europa.
Assim, um carro de R$ 30 mil comercializado no Brasil pode ser comprado na Europa por menos de R$ 20 mil
. Cabe refletir se é bom para o país chegar aos 250 veículos por habitante tendo em vista o caos atual no trânsito das cidades e grandes metrópoles brasileiras.
Mesmo na Europa, já há movimentos no sentido de reduzir a quantidade de carros, substituindo-os por outros meios de transporte ou veículos coletivos. Lá, as ciclovias funcionam e o transporte coletivo tem qualidade.
Vender mais carros é bom para as montadoras, mas talvez seja melhor investir em estratégias de exportação do que jogar mais veículos para entupir as já sofridas ruas das metrópoles.

RONALDO DE BREYNE SALVAGNI é professor da Escola Politécnica da USP.




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