quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Um 'corredor' para proteger a onça-pintada

18/10/2011

Onças-pintadas são animais glamourosos. A majestade da espécie está até impressa nas cédulas de R$ 50, mas pouco se sabe sobre elas. Pesquisadores estimam que existam sete para cada 100 km2 do Pantanal e uma ou duas a cada 100 km2 da Caatinga.

A reportagem é de Daniela Chiaretti e publicada pelo jornal Valor, 18-10-2011.

A onça-pintada só vive onde há água e é um predador importante para o controle de seus ecossistemas. Não deixa, por exemplo, a população de capivaras ou ratos explodir. Assim, protegendo a onça se protege toda a cadeia alimentar.

O impacto que a transposição do rio São Francisco terá sobre esses animais no Nordeste preocupa os cientistas, que propõem a criação de um "corredor" da fauna no Semiárido.

Onças-pintadas ajudam a preservar Caatinga

É bem ali, onde a onça bebe água, que se arma o laço. Em setembro, no auge da seca na Caatinga, foram dez armadilhas na região de Sento Sé, município do norte baiano, às margens do lago de Sobradinho. Cinco pesquisadores, 30 dias, água racionada, nada de luz elétrica, computador ou telefone, e R$ 22 mil de investimento. No fim da expedição, nenhuma onça-pintada ganhou colar com GPS. Mas a frustração dos cientistas dá logo lugar ao planejamento da nova campanha. É nesse compasso que vão perseguindo a criação de uma espécie de "índice-onça de sustentabilidade", que está relacionado com uma das principais, e mais polêmicas, obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a transposição do rio São Francisco.

Tanto interesse nesse gato hiperbólico - é o maior felino das Américas, o terceiro maior do mundo depois do tigre e do leão, e dono da mordida mais potente entre seus parentes - transcende a biologia. Onça-pintada só vive onde tem água e é predador importante, que regula ecossistemas. Não deixa, por exemplo, a população de capivaras, veados ou ratos explodir. No topo da cadeia alimentar, é uma espécie guarda-chuva. "Protegendo a onça-pintada, está se protegendo todas as outras", diz o veterinário Ronaldo Gonçalves Morato, 44 anos, um dos poucos especialistas em onças do país das onças.

Na base do estudo está a proposta de se criar, no coração do Semiárido, um corredor de fauna. A tentativa é construir uma área de proteção que leve em conta o potencial econômico da região. Um dos elementos é o Parque Nacional Boqueirão da Onça, em estudo há dez anos. Teria 800 mil hectares e seria a maior unidade de conservação fora da Amazônia. Mas enquanto o governo não resolve se cria ou não o parque, o valor e a grilagem das terras aumentam. Há também o interesse do Ministério das Minas e Energia, que vê na região um bom potencial eólico.


O governo busca consenso para garantir alguma proteção ao terceiro e mais castigado bioma brasileiro. Menos de 2% da Caatinga é área protegida. Mais de 45% da vegetação foi desmatada e a região sofre desertificação. "Temos a visão de que a Caatinga é pobre e pronto. Mas existem paisagens fantásticas e recursos naturais mal aproveitados", diz Morato. "Explorar a Caatinga com um bom programa turístico, seria bem interessante."

A diversidade biológica é rica, mesmo com escassez de água. Há centenas de espécies de pássaros, répteis e anfíbios. As paisagens são belas e variadas, há pinturas rupestres e frutas que dão doces exóticos. Na seca, a vegetação fica sem folhas, para gastar menos energia. "O pessoal chama esse cenário de mata branca. É só chover que, três dias depois, está tudo verde. É maravilhoso", encanta-se Morato.

O parque, que não sai do papel, tomaria 45% do município de Sento Sé, região bem pouco povoada de gente e talvez bem povoada por onças. A pintada, que se espalhava pela Caatinga nos tempos de Lampião, hoje está restrita a 25% do bioma. Os pesquisadores acreditam que existam cinco grandes populações de onças-pintadas no Semiárido, um ou dois animais a cada 100 km2 - em Cáceres, no Pantanal, a densidade é bem mais alta, média de sete onças a cada 100 km2. As estimativas falam em 300 a 400 animais na Caatinga.

Mapear, com alguma precisão, quantas são, como vivem e por onde andam as onças-pintadas do sertão nordestino é ter um indicador ambiental para saber, depois, o quanto a transposição do São Francisco afetou a região. Se as onças-pintadas continuarem por lá depois da obra, é sinal positivo. O projeto faz parte do Programa de Revitalização da Bacia do São Francisco, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente em parceria com o da Integração Regional. Também conseguiu recursos na BM&F Bovespa. Onças, principalmente as pintadas, são animais glamourosos.

A majestade da espécie-símbolo da fauna brasileira, impressa nas cédulas de R$ 50, é inversamente proporcional ao que se conhece sobre o animal. "Nem sabemos o quanto uma onça-pintada vive", diz Morato. "A cada pergunta que respondemos, surge uma nova." Ele começou a carreira fazendo estágio no zoológico de Sorocaba, em São Paulo, o suficiente para perceber que queria mesmo era estudar animais em vida livre.

Morato trabalha com onças há 20 anos, há seis é o coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap), instituto que estuda uma lista de 26 espécies - de lobos-guará a ariranhas. Só de felinos são oito espécies, entre onças pintadas e pardas, jaguatiricas e gatos-do-mato. Dá para ver da estrada o painel gigante de uma onça-pintada nos vidros da sede do Cenap, em Atibaia. O centro foi criado há 17 anos e é um braço do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Os investimentos no projeto Ecologia e Conservação da Onça-Pintada no Médio São Francisco, ou simplesmente Onças da Caatinga, é de R$ 800 mil em quatro anos. A primeira campanha de captura para colocação do colar foi em 2010, e também não teve êxito. Não é fácil pegar um bicho desses. Os laços de aço são montados perto das áreas que elas costumam frequentar. "A gente identifica os pontos onde as onças passam, e deixamos os laços. Mas às vezes elas andam ao lado do laço e a gente só vê os rastros no dia seguinte. É difícil."

Difícil é pouco. Para um mês de acampamento em setembro, levaram 300 litros de água por pessoa. Não há estradas, carro não chega, as pedras cortam os pneus. Equipamentos e água são levados a pé. Banho, só de caneca.

Quando dá sorte e a onça cai no laço, os pesquisadores lançam o dardo anestésico e começam a medir o animal: peso, tamanho, tamanho da pata, análise dos dentes. É a hora de colocar o colar com telemetria que pesa 800 gramas e tem um GPS instalado em uma caixinha, na parte da frente. Cada animal tem frequência própria. Depois, programam de quanto em quanto tempo o pesquisador receberá as informações por onde anda a onça - de duas em duas horas, por exemplo. Uma vez por semana, os dados são enviados ao e-mail do cientista pela empresa que administra o satélite. O colar pode ser programado para cair do pescoço depois de determinado período, e ser recolhido. "Fica, por exemplo, 400 dias na onça, e aí cai", explica Morato.

"A tecnologia favoreceu muito o nosso trabalho", diz ele. O avanço tecnológico tem seu preço, nada disso é barato. O Cenap usa colares da suíça Televilt, cada um a US$ 3.800. O contrato anual do satélite são outros US$ 1.200 por colar. Hoje existem 40 equipamentos do gênero em onças-pintadas no Brasil. Ao recolher várias informações sobre o comportamento do animal - desde como e para onde se desloca, quais ambientes procura, como se alimenta - os cientistas desenham o tamanho da "área de vida" da onça. "Vou vislumbrando o ambiente que posso sugerir para preservação", explica Morato.

O "Onças na Caatinga" levantou recursos na BVS&A, portal da Bovespa que lista projetos sociais e ambientais. "Quem tiver interesse pode entrar lá, escolher o que acha interessante, e doar", diz Sonia Favaretto, diretora de sustentabilidade da Bolsa. A iniciativa resultou em R$ 150 mil em dois anos. O Cenap trabalhou em parceria com aONG Pró-Carnívoros, que ajuda a viabilizar os projetos de pesquisa.

O papel de regulador ecológico da onça-pintada não é o único. "Com a perda de espécies, perdem-se ambientes, ficamos mais expostos a catástrofes", aponta Morato. A redução de predadores representa aumento das presas e mais pressão sobre a vegetação. "Isso, a longo prazo, diminui o estoque de carbono", lembra. Morato defende que é preciso refletir sobre o valor econômico das onças-pintadas e o apelo turístico que representam.

21/10/2011

A onça-pintada está ameaçada pela exploração dos biomas brasileiros. Entrevista especial com Ronaldo Morato


http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=48561
Estudar as onças-pintadas que habitam o território brasileiro é uma tarefa difícil para os pesquisadores que se dedicam a conhecer mais de perto esses animais e garantir um habitat saudável para a sua reprodução. Além de pesarem de 80 a 130 kg, elas vivem em locais inóspitos e de difícil acesso. Para realizar uma expedição de 30 dias na mata, por exemplo, são necessários cinco dias para transportar equipamentos e água.
O desenvolvimento urbano e rural de regiões que cercam os biomas brasileiros levou pesquisadores à constatação de que a espécie está “criticamente ameaçada de extinção”. A perda e a fragmentação de seu habitat têm feito as onças da Caatinga atacaram rebanhos caprinos e ovinos. A caça às onças-pintadas na Caatinga ocorre “como uma forma de defesa dos proprietários para evitar prejuízos econômicos”, explica Ronaldo Morato à IHU On-Line, em entrevista concedida por e-mail. Ele enfatiza que os proprietários rurais são orientados a evitar conflitos com os animais. “A orientação vai desde mudanças na rotina de manejo dos rebanhos até métodos que impeçam as onças de se aproximar”.
exploração dos biomas brasileiros, especialmente da Caatinga, acontece desordenadamente porque as pessoas pensam que a região é inabitável. “Há uma imensa diversidade de espécies animais e vegetais, muitas das quais ocorrem apenas lá. Não conhecer o que aí existe leva a uma exploração desordenada, principalmente desmatamento para produção de lenha e carvão”, reitera.
Pesquisadores como Morato estão empenhados na criação de um projeto que construirá corredores para proteger as onças-pintadas e a fauna do semiáriodo. “Como as onças precisam de grandes áreas para sobreviver, acreditamos que, ao criarmos condições para a manutenção de uma população viável, estaremos dando suporte a todas as outras espécies que utilizam o mesmo ambiente”, enfatiza.
Ronaldo Gonçalves Morato é graduado em Veterinária pela Universidade Federal de Viçosa e cursou mestrado e doutorado na mesma área pela Universidade de São Paulo - USP. Atualmente é analista ambiental e chefe do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros, do  Instituto Chico Mendes de Biodiversidade.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O senhor trabalha com onças há 20 anos. Como percebe a proliferação desses animais pelo Brasil? Que biomas brasileiros elas habitam?
Ronaldo Morato – A onça-pintada ocorre na Amazônia, Pantanal, Caatinga, Cerrado e Mata-Atlântica. Há especulações de que a população de onças tem aumentado. No entanto, não há estudos que indiquem isso. Recentemente, pesquisadores brasileiros classificaram a onça-pintada como criticamente ameaçada de extinção na Caatinga e Mata-Atlântica, vulnerável no Cerrado e ameaçada na Amazônia e Pantanal. As onças do Pantanal têm porte maior, podem atingir até 130 kg. As da Caatinga são menores. Estimamos que elas não ultrapassem 80 kg.
IHU On-Line – Quais são as razões da possível extinção e ameaça das onças-pintadas?
Ronaldo Morato - De forma geral, as principais ameaças para a onça-pintada são a perda e fragmentação de habitat e a caça. Perda e fragmentação estão muito relacionadas à expansão das atividades econômicas e de implantação de infraestrutura, enquanto a caça se dá por retaliação aos animais que predam rebanhos domésticos.
IHU On-Line – Qual a importância desses animais na manutenção da cadeia alimentar?
Ronaldo Morato – Como animais topo de cadeia alimentar, podem regular a base de presas, impedindo, por exemplo, a explosão de crescimento de outras espécies abaixo da cadeia trófica como capivaras, veados entre outros. Se houver um crescimento exacerbado de herbívoros pode haver um maior consumo de plantas, inclusive arbustivas, diminuindo o sub-bosque. De modo geral isso afetaria até estoques de carbono.
IHU On-Line – O que dificulta o estudo das onças-pintadas no Brasil?
Ronaldo Morato – São animais com baixa densidade e que habitam locais inóspitos. Isso aumenta muito o custo de estudar esses animais e causa muita dificuldade nas condições de trabalho.
IHU On-Line – O senhor participou da expedição com outros pesquisadores que ficaram 30 dias na Caatinga, monitorando as onças-pintadas?
Ronaldo Morato – Infelizmente não pude participar dessa expedição, mas nossa equipe acampou na região por 30 dias para tentar capturar e equipar com rádio colar (sistema GPS-Satélite) pelo menos duas onças-pintadas. No entanto, não obtivemos sucesso de captura. Trabalhar nesse ambiente é extremamente difícil. Temos que levar galões de água para o acampamento, além de todo o equipamento que utilizamos como armadilhas, espingarda, colares e etc. São necessários cinco dias só para levar equipamentos e água. Não há luz elétrica, telefone, chuveiro. Enfim, não há conforto algum.
IHU On-Line – Como a transposição do rio São Francisco pode afetar o habitat natural desses animais?
Ronaldo Morato – Não sabemos ainda, o Programa de Revitalização do Rio São Francisco do Ministério do Meio Ambiente está investindo nisso justamente para saber quais seriam os possíveis impactos e como mitigá-los, se eles existirem.
IHU On-Line – Em que consiste o projeto de criar um corredor para proteger as onças-pintadas e a fauna do Semiárido? Qual é a necessidade desse corredor e como ele ajudará a proteger os animais?
Ronaldo Morato – Como as onças precisam de grandes áreas para sobreviver, acreditamos que, ao criarmos condições para a manutenção de uma população viável, estaremos dando suporte a todas as outras espécies que utilizam o mesmo ambiente. O corredor seria um instrumento que permitiria o fluxo de informações genéticas das espécies ao longo do semiárido sem deixar de levar em consideração as características socioeconômicas da região, ajudando também a preservar valores sociais e culturais do sertão nordestino.
IHU On-Line – Quais são os motivos da caça às onças-pintadas na Caatinga?
Ronaldo Morato – Na Caatinga, as onças podem ser caçadas quando atacam rebanhos caprinos e
Bovinos; trata-se mais como forma de defesa dos proprietários para evitar prejuízos econômicos. Estamos trabalhando essa questão e orientando os proprietários rurais a respeito de como evitar esse tipo de conflito. A orientação vai desde mudanças na rotina de manejo dos rebanhos até métodos que impeçam as onças de se aproximar.
IHU On-Line – Quais são, hoje, os principais problemas ambientais da Caatinga?
Ronaldo Morato – Em meu entender, o principal problema é pensar que a Caatinga não tem nada. Há uma imensa diversidade de espécies animais e vegetais, muitas das quais ocorrem apenas lá. Não conhecer o que aí existe leva a uma exploração desordenada, principalmente desmatamento para produção de lenha e carvão.
IHU On-Line – Como recebeu a notícia de que os deputados aprovaram a lei sobre a proteção da vegetação nativa (PCL-30)? A redução de áreas de preservação poderá afetar o habitat de animais como a onça-pintada?
Ronaldo Morato – Todos os pesquisadores ambientais estão bastante apreensivos. Certamente essa decisão afetará um número incalculável de espécies, não somente a onça-pintada. Por sorte, a matéria ainda deve tramitar no Senado, onde esperamos que seja feita uma revisão minuciosa daquilo que foi aprovado pelos deputados.
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