domingo, 21 de novembro de 2010

artigos de Zé Dirceu, jan-nov/2010

(artigo publicado no Blog do Noblat em 01 de outubro de 2010)

O PSDB partiu para as eleições com o discurso de que o atual governo de centro-esquerda só foi bem sucedido porque se aproveitou das mudanças introduzidas no país por Fernando Henrique Cardoso. “Eu fiz as reformas. Lula surfou a onda”, sintetizou o ex-presidente. Para os tucanos, o Brasil continuaria se desenvolvendo independentemente de o PT continuar no governo nos próximos quatro anos.

Ao negar a importância da política de desenvolvimento de Lula, o PSDB confirma que continua o mesmo partido do neoliberalismo e das privatizações. As diferenças entre o projeto tucano e o implantado por Lula são nítidas. FHC apostou nos recursos externos como base para o desenvolvimento, o que aniquilou a capacidade soberana de o Brasil crescer. As condições para isso foram retomadas por Lula por meio do fortalecimento do mercado interno e do Estado, que adotou políticas de distribuição de renda e de estímulo à atividade produtiva, medidas que garantiram os novos investimentos públicos e privados e a superação da mais grave crise mundial desde 1929.

A permanência das políticas do Governo Lula —representada pela eleição de Dilma Rousseff— será fundamental para enfrentarmos os desafios que se impõem ao país. A vitória da candidata petista significa manter o atual projeto nacionalista, desenvolvimentista e redistribucionista e permitirá, a partir de 1° de janeiro de 2011, seu aprofundamento. Neste novo ciclo de quatro anos, nossa prioridade deve ser impulsionar a Educação e a CT&I (ciência, tecnologia e inovação). Sem saltos nessas áreas, a atual fase de crescimento econômico será enfraquecida.

A Educação —do ensino infantil à pós-graduação— é a base do desenvolvimento econômico e social de qualquer nação. Ela garante uma população pronta para o exercício da cidadania e para a conquista de postos de emprego qualificados. No atual governo, o orçamento do Ministério da Educação saltou de R$ 20 bilhões para R$ 60 bilhões. Com o Fundeb (fundo da educação básica), o governo passou a destinar dez vezes mais recursos para o ensino escolar. Agora, o eventual governo Dilma precisara elevar para 7% do PIB os gastos no setor.

O país precisará, nos próximos anos, erradicar definitivamente o analfabetismo e continuar investindo em educação pública de qualidade para adolescentes e crianças. Isso depende de fazermos avançar o ensino em tempo integral em escolas com infraestrutura de qualidade, professores capacitados e banda larga. Dar continuidade à implantação dos Institutos Federais Tecnológicos, capacitando nossa juventude para o mercado de trabalho. Enquanto na outra ponta, precisamos continuar incluindo os jovens no ensino superior —passo inicialmente dado com o ProUni— e seguir expandindo as universidades públicas —foram construídas 14 novas.

A Educação é um dos pilares das iniciativas em CT&I. Conforme Dilma Rousseff evidenciou desde o início desta campanha, o Brasil é líder nas pesquisas na área energética (petróleo e gás) e projeta-se como a principal nação do mundo quando se fala em fontes limpas e renováveis —hidrelétricas, eólicas, solar, biomassa e álcool. Porém, precisaremos intensificar os investimentos em outros setores estratégicos: produção farmacêutica, tecnologia da informação e comunicação, nanotecnologia, biotecnologia e complexo de defesa. Em outras áreas precisamos ter a atuação fortalecida, caso da agropecuária e das indústrias automobilística, aeronáutica, naval e de plástico.

O mundo atual passa pela transição para a economia do baixo carbono. Os países que liderarem o desenvolvimento das tecnologias sustentáveis ocuparão, num futuro cada vez mais próximo, um lugar de destaque no mercado internacional. Para que isso ocorra, precisamos caminhar para que 2% do PIB sejam investidos em CT&I. Esses recursos permitirão mais bolsas de estudos do CNPq e da Capes, criação de parcerias público-privadas, novas unidades de referência em pesquisa e centros vocacionais tecnológicos.

As reiteradas críticas ao aporte de recursos do Tesouro ao BNDES, assim como o terrorismo midiático que precedeu a mais do que vitoriosa capitalização da Petrobras, servem para evidenciar que uma oposição amplificada pelos grandes meios de comunicação resistirá à continuidade das atuais políticas.

A vitória de Dilma sedimenta as bases não só para os investimentos em infraestrutura, econômicos e sociais, saneamento, transporte, habitação, a exploração do pré-sal e a erradicação da miséria. O novo governo do PT permitirá saltos em educação e desenvolvimento tecnológico, decisivos para colocar o Brasil entre as cinco maiores nações do mundo. Com isso, o Estado brasileiro incorporará cada vez mais mecanismos sintonizados com a nova concepção desenvolvimentista que passamos a vivenciar com o Governo Lula. Os novos ventos sopram a nosso favor.

Para manter a política ambiental
(artigo publicado no Blog do Noblat em 29 de outubro de 2010)

Não é de hoje que a proteção ao meio ambiente virou prioridade na agenda global de políticas públicas. No Brasil, esse processo remonta a pelo menos duas décadas, com a luta de Chico Mendes em defesa da Amazônia e com a realização da Eco-92, no Rio de Janeiro, primeiro grande encontro mundial em que se discutiu as mudanças climáticas.

Infelizmente, embora as preocupações e problemas ambientais tenham crescido desde então, ações mais concretas e bem-sucedidas só ganharam a relevância que merecem sob o Governo Lula.

Uma parcela dos 20 milhões de votos conquistados por Marina Silva no primeiro turno vem de pessoas preocupadas com a causa ambiental, o que mostra que o tema ganha, cada vez mais, a atenção do brasileiro. E o segundo turno possibilitou conhecermos mais profundamente os grandes avanços que o país viveu nos últimos oito anos.

A redução histórica de quase 70% no desmatamento da Amazônia desde 2004 só se viabilizou graças a políticas federais como o fortalecimento da fiscalização do Ibama e da Polícia Federal ao corte ilegal de madeira e as ações coordenadas de incentivo ao manejo sustentável da floresta.

Tais políticas foram conduzidas com firmeza e competência pelos ministros Marina Silva e Carlos Minc, numa mostra de que os frutos que começamos a colher fazem parte, de fato, de uma política de governo que deve continuar.

Na COP-15, a Conferência do Clima realizada no ano passado em Copenhague, o Brasil exerceu papel de liderança na busca por um acordo global para a redução das emissões de poluentes. Apresentamos metas concretas e ousadas para o corte na emissão de gases do efeito estufa (entre 36% e 39%), além da redução de 80% no desmatamento da Amazônia até 2020. No final do encontro, o presidente Lula saiu aplaudido pela comunidade internacional, e o Brasil, ainda mais respeitado.

A intransigência dos países ricos, em especial dos EUA, acabou adiando o acordo para a COP-16, que vai ocorrer na Cidade do México, em dezembro deste ano. Mas o Brasil já começou a fazer a sua parte para cumprir o compromisso assumido.

Há cerca de um mês, começou a decolar uma das iniciativas mais promissoras na estratégia de conciliar a preservação da biodiversidade na Amazônia com as atividades extrativistas que geram emprego e renda para os moradores da região.

Na Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia, foi derrubada a primeira árvore no âmbito do regime de concessões florestais. Nesse modelo, as madeireiras ganham o direito de explorar uma determinada área por 40 anos, com o compromisso de desenvolverem um manejo de baixo impacto, ou seja, extraindo uma quantidade de árvores que permita a regeneração da floresta. Em troca, essas empresas pagam royalties ao governo.

O projeto de lei do programa foi aprovado em 2006, mas devido a entraves legais só pôde ser colocado em prática agora. As duas primeiras áreas de Floresta Nacional colocadas no programa somam 145 mil hectares de mata. O Serviço Florestal já colocou mais 275 mil hectares em edital neste ano. A ideia é chegar ao ano que vem com 1 milhão de hectares licitados.

Outra iniciativa fundamental para garantir a preservação da Amazônia Legal é a implantação do macrozoneamento ecológico-econômico. Um estudo que envolveu 14 Ministérios, sob coordenação do Ministério do Meio Ambiente, dividiu o bioma em dez áreas estratégicas, definindo um plano de desenvolvimento econômico para cada uma delas.

Com esse plano, será possível definir de forma mais clara a fronteira agropecuária e privilegiar a vocação econômica de cada região. Não é razoável, por exemplo, que a expansão da criação de gado avance sobre o sul do Pará, quando existem terras suficientes para a atividade nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. No Maranhão e no centro-oeste do Pará, o foco serão as atividades de mineração; e, em Rondônia, a construção de grandes empreendimentos logísticos (hidrelétricas, gasodutos e estradas) consolida a região como pólo de integração com o Pacífico.

Essa divisão permitirá que a região norte dos Estados do Amazonas e Pará —além de Acre, Amapá e Roraima— continuem conservando a maior reserva florestal do planeta, uma das fontes de garantia para que tenhamos na sustentabilidade uma das chaves de um país desenvolvido econômica e socialmente.

Para manter e melhorar essas políticas ambientais, só há um caminho: votar pela continuidade do Governo Lula; votar em Dilma Rousseff.

Hora de comparar projetos
(artigo publicado no Blog do Noblat em 08 de outubro de 2010)

As fileiras tucanas estão exultantes com o segundo turno para as eleições presidenciais: a sobrevida de José Serra na disputa foi vista como uma grande vitória para o partido. Mas essa é uma leitura enviesada e bastante questionável.

Inicialmente, porque as grandes vitoriosas no primeiro turno das eleições foram as duas candidatas mulheres: Dilma Rousseff, que confirmou o que já era esperado e somou 47,6 milhões de votos, quase vencendo no primeiro turno; e Marina Silva, uma candidata que partiu do zero e alcançou notáveis 19% dos votos.

Mas a pauta do segundo turno estará voltada à comparação das propostas de Dilma e Serra e também do que fizeram o Governo Lula e a gestão Fernando Henrique Cardoso. Esse confronto se dará em um contexto em que Dilma obteve 14 milhões de votos a mais que Serra no primeiro turno e em que a oposição colecionou revezes.

O saldo negativo para a oposição inclui as cadeiras no Congresso Nacional: o PSDB perdeu representantes que fizeram oposição sistemática e até raivosa no Senado —entre eles, Tasso Jereissati e Arthur Virgílio, reprovados nas urnas. Juntos, PSDB, DEM e PPS viram a bancada da oposição na Câmara perder 42 vagas.

Mas a maior dificuldade que os tucanos terão neste segundo turno é fazer um debate programático, de comparação dos dois modos de governar e das propostas apresentadas. O candidato José Serra passou o primeiro turno inteiro fugindo disso, escondendo FHC e como o PSDB agiu quando foi governo. Mas também adotou uma linha de não apresentar um programa de governo e ficar prometendo coisas aqui e ali.

Serra vai tentar focar sua campanha apenas na comparação das biografias, mas não tem como negar que Dilma tem excelente trabalho prestado ao Governo Lula, tanto no Ministério de Minas e Energia, quanto na Casa Civil, coordenando programas bem-sucedidos como o “Minha Casa, Minha Vida”, o “Luz para Todos” e o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento).

Além desses programas, o Governo Lula deixa um legado positivo ao país, que nos permitiu ganhar prestígio internacional, crescer de forma vigorosa com geração de empregos, fortalecer a indústria nacional (com possibilidade de nos tornarmos a quinta economia mundial na próxima década) e melhorar nos indicadores sociais.

Some-se a isso a democratização do acesso à renda, conduzida por meio de programas de transferência de renda como o Bolsa Família, a política de valorização constante do salário mínimo e a facilitação de crédito para a população. Foram decisões políticas que permitiram a mais de 28 milhões de pessoas que viviam em situação de miséria ingressar na roda da economia, tornando-se consumidoras-cidadãs. Nada disso se viu na gestão de FHC e Serra.

Sem a competência de Dilma à frente do Ministério de Minas e Energia (onde conduziu o programa Luz para Todos) e na Casa Civil, período em que coordenou os PACs 1 e 2, o Governo Lula não teria sido tão eficiente. Já Serra representa, como ministro do Planejamento de FHC, o apagão, a dívida externa nas alturas, o desemprego em massa e a ausência de programas sociais capazes de mudar a vida das pessoas.

Esse conjunto de transformações não terá continuidade com Serra. Afinal, é Dilma a candidata que representa esse projeto. Por isso, entre outras coisas, consta de seu programa de governo: construir 6.000 creches; levar adiante o PAC 2 para preparar o país para a Copa e as Olimpíadas e atacar de vez os principais problemas das grandes cidades (mobilidade, moradias em situação de risco, trânsito, saneamento); construir 500 UPAs (Unidades de Pronto-Atendimento), utilizar recursos do pré-sal em educação, saúde e proteção ao meio ambiente; e levar para todo o país o modelo das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), de parceria entre governos municipal, estadual e federal para combater a violência, programa que tem trazido ótimos resultados no Rio de Janeiro.

O povo brasileiro já conhece as duas histórias e fará sua escolha entre o Brasil que cresce de forma sustentável a caminho de se tornar uma potência, representado por Dilma e o Governo Lula, e o país que estava definhando política, econômica e socialmente, representado por FHC e Serra. O brasileiro reconhecerá em Dilma a candidata que irá continuar a obra de Lula na mesma direção, a primeira mulher presidente do Brasil.

Quando a realidade se impõe
(artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 16 de setembro de 2010)

A máxima de que nada pode ser mais didático do que a realidade tem se aplicado ao que dizem alguns grupos de analistas e à oposição. Entende-se a miopia da oposição. Mas os seguidos enganos de analistas criam dúvidas sobre o que motiva os engodos. Comprometimento com a pauta oposicionista? Dificuldade em modificar a matriz de pensamento em um governo que não trabalha com a lógica rentista? Talvez as duas razões.

Acostumados a uma linha de subserviência aos ditames dos Estados Unidos, analistas e oposição atacaram diuturnamente as opções do Governo Lula de uma política externa independente e que visasse o alargamento das fronteiras (diplomáticas e comerciais) para novos centros. Nessa nova concepção, nossos vizinhos da América do Sul ganharam atenção especial. A lógica é a de que alavancar a região faz parte do processo de estruturação do nosso desenvolvimento. E a realidade tem confirmado o acerto dessa opção.

Recentemente, a agência Moody’s apontou o crescimento brasileiro como capaz de puxar o regional. A avaliação da agência se baseia na integração como fator de redução de riscos. Ou seja, com o Brasil crescendo de forma estruturada, será possível melhorar as classificações das demais nações sul-americanas e, por conseguinte, atrair mais investimentos à região. É crucial ampliar o comércio regional e a infraestrutura para pavimentar esse caminho. É justamente isso que nossa política externa preconiza, via fortalecimento de organismos multilaterais, como Mercosul e Unasul, mas também a partir da concessão de apoio aos países vizinhos. Concorre positivamente para isso o fato de que as economias da América Latina resistiram e se recuperaram bem da crise internacional —puxadas pelas commodities. Segundo o Banco Mundial, tal condição permite projetar um futuro de desenvolvimento positivo.

Essa janela de oportunidades começa a ser aproveitada pelo Brasil. O terreno é fértil graças à política externa de aproximação e valorização de nossos interlocutores vizinhos. É o caso, por exemplo, da geração de energia, setor em que avançamos muito. Saímos de uma situação de grave crise, com apagão e racionamento de energia, para uma condição de referência. Fazem parte desse processo a construção das hidrelétricas de Garabi e Panambi, na fronteira com a Argentina. Há estudos avançados também no Uruguai e boas possibilidades de colaboração com o Peru, a Bolívia e a Venezuela.

As perspectivas são positivas em outras frentes, como está explicitado na IIRSA (Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana). Hoje, é possível pensar a integração logística, via ferrovias, hidrovias e rodovias. Dos 31 projetos no âmbito da IIRSA, nove envolvem o Brasil —sete deles são de transportes e dois de comunicação, totalizando R$ 1,4 bilhão. O objetivo é incrementar o comércio regional, mas também com o resto do mundo. O resultado será a ampliação da capacidade de atração de investimentos na região, e o Brasil é responsável por liderar esse processo. Resta saber até quando a oposição e alguns analistas permanecerão no caminho de serem desmentidos pela realidade.

Futuro empreendedor
(artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 09 de setembro de 2010)

Não é de hoje que se alude à importância dos micros e pequenos empresários para a economia. Mas dados recentes permitem aferir com maior precisão o papel desempenhado pelo setor. Os números são do 3º Anuário do Trabalho da Micro e Pequena Empresa, elaborado em conjunto pelo Dieese e Sebrae. Se há consenso de que a força da economia brasileira na crise econômica teve como um dos pilares a geração de empregos, que ajudou a impulsionar a renda e a blindar nosso país à recessão, as micros e pequenas empresas (MPEs) foram decisivas. Segundo o anuário, o setor gerou mais de 1 milhão de novos empregos formais em 2008, frente a pouco mais de 200 mil criados pelas médias e grandes no mesmo período —cinco vezes mais.

Há outros números significativos. Mais da metade (52%) dos empregos com carteira assinada está nas MPEs (13 milhões), o que revela o potencial de formalização. Em 2002, eram 9,5 milhões, um salto de 36% no Governo Lula, o que indica que as políticas voltadas às MPEs têm surtido efeito. Ademais, quase dois terços (64,9%) das vagas geradas estão no interior, reduzindo as pressões nos já saturados grandes centros urbanos. Em 2000, de acordo com o Sebrae, a taxa de mortalidade das MPEs era de 71% até os cinco anos de vida, índice elevadíssimo. Hoje, essa taxa é de 58%, patamar ainda alto, mas em queda. Além dos programas do próprio Sebrae, de apoio e orientação aos futuros empreendedores, uma série de políticas federais contribuiu decisivamente para isso.

A eficácia dessas medidas está baseada nos financiamentos, créditos e incentivos dos bancos públicos. Na crise, foi criado um fundo garantidor para reduzir o risco de quebra das MPEs. Além disso, foi aprovado projeto de lei complementar que incluiu o microempreendedor individual (MEI) entre as categorias que passaram a ser tributados pelo SuperSimples e reduz a 11% a contribuição previdenciária. Tal legislação incentiva a formalidade, viabiliza o crédito e permite o acesso à inovação e à tecnologia. Houve também facilitação tributária às MPEs.

Calcula-se que 84 mil MPEs fechem as portas a cada ano, o que mostra que há necessidade de intensificar as políticas de apoio a esses empreendedores. Pelo importante papel da última década e pelas carências que ainda possuem, as MPEs têm atenção especial na agenda da candidata Dilma Rousseff. Representante da continuidade do Governo Lula, Dilma quer criar um Ministério da Pequena, Média e Micro Empresa caso seja eleita em outubro.

Trata-se de reunir as iniciativas já existentes e intensificar os benefícios a um setor que totaliza 99% das empresas brasileiras. Esse futuro ministério tem como desafios, entre outros, aumentar a expectativa de vida das MPEs, diminuir a burocracia, estimular ainda mais a criação de empregos e coordenar políticas exportadoras (limitando eventuais impactos do câmbio), além de elaborar medidas que possam introduzir tecnologias e inovação nas produções, ampliando o valor agregado final. Como se vê, a ideia é boa e ajudará a dinamizar a economia do país, cujo potencial de crescimento é de 6,5% nos próximos quatro anos.

O pilar do emprego
(artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 19 de agosto de 2010)

O desenvolvimento brasileiro deverá ser influenciado nos próximos anos por três pressupostos: busca do pleno emprego, aumento do poder de compra e apoio ao investimento.

Esses três pilares introduzidos na economia pelo governo Lula foram testados e aprovados no enfrentamento da crise de 2009 -ao lado da desoneração dos setores produtivos.

Juntas, foram responsáveis pelo crescimento de 9% do PIB no primeiro trimestre de 2010. A mais recente carta de conjuntura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) evidencia os reflexos positivos das políticas federais para o setor e os equívocos das críticas da oposição e da mídia.

O investimento, medido pela Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), cresceu no primeiro trimestre de 2010 a uma taxa de 26%, o triplo da evolução do PIB no mesmo período de 2009.

Impulsionado pelo conjunto de medidas do governo federal, o estoque de crédito a pessoas jurídicas, conforme dados de junho, está na ordem de R$ 836,4 bilhões (26% do PIB), o que se reverterá em mais investimentos.

Esse resultado não seria tão expressivo sem o BNDES. Os empréstimos do banco cresceram 41,5% na comparação do primeiro trimestre de 2010 com o anterior.

Nos cinco primeiros meses do ano, a instituição -que se encontra sob fogo cerrado de jornais, revistas e economistas que participaram do governo Fernando Henrique Cardoso - beneficiou o setor de infraestrutura, que recebeu R$ 18,9 (41%) de R$ 46,1 bilhões, o total desembolsado. A indústria, por sua vez, foi destinatária de R$ 13,3 bilhões (29%).

O Programa de Sustentação do Investimento(PSI), desenvolvido pelo BNDES desde julho de 2009, foi fundamental para apoiar a aquisição de bens de capital por parte do empresariado brasileiro.

Os desembolsos do PSI já superam R$ 36,6 bilhões, sendo que outros R$ 55,6 bilhões já estão contratados. O protagonismo do Estado brasileiro (União, Estados, municípios e estatais) é um outro trunfo da economia brasileira.

Os recursos para a habitação cresceram 50,9% em relação ao mesmo período do ano passado. A taxa de investimento público atingiu em 2009 4,38% do PIB, o maior nível desde 1995, quando FHC e os tucanos assumiram o poder.

Por causa dessa trajetória, 2010 deverá registrar 5%, o melhor resultado das últimas duas décadas.

Essa conjuntura de oferta de crédito e retomada dos investimentos públicos é um dos pilares para a continuidade da expansão do mercado consumidor brasileiro, assim como para a afirmação do país no mercado internacional.

Reforça a tendência de multinacionais internalizarem suas produções no Brasil, trazendo unidades e tecnologia para participar do novo ciclo de investimentos de nossa economia.

Para a continuidade desse novo modelo de desenvolvimento, tornou-se fundamental atrair o investimento privado. Afinal, as atuais políticas serão tão mais vitoriosas quanto mais atingirem o objetivo de combinar a ação estatal com a iniciativa privada, sustentando o ciclo virtuoso que promove mais e melhores empregos e alimenta o setor produtivo nacional.

Só assim manteremos a desejada meta de ser a quinta maior economia em 2020.

O mito da desindustrialização
(artigo publicado em 13 de agosto no Blog do Noblat)

Há uma campanha em curso, patrocinada pela grande mídia e pela oposição, para disseminar a tese de que o Brasil passa por um processo de desindustrialização. Articulistas mal-informados (ou mal-intencionados) pregam aos quatro ventos que o câmbio valorizado e os juros altos seriam as causas do aumento das importações, e que esse aumento destruirá a indústria nacional. Curiosamente, são os mesmos que atacaram o Banco Central por elevar menos a taxa Selic do que o esperado pelos “analistas” do mercado.

Boa parte da imprensa não se cansa de atacar a política industrial do Governo Lula, o BNDES e a Petrobras. Trata-se de uma clara tentativa de fomentar pânico na indústria e esconder o excelente momento econômico que o país vive às vésperas das eleições. Configura-se, portanto, uma grande contradição, já que a ação do BNDES e o desempenho da Petrobras têm sido fundamentais para desenvolver nossa indústria, agregando inovação e tecnologia aos processos produtivos.

A realidade revela o que a tese da desindustrialização de fato é: um mito. E as provas estão no próprio noticiário, nos indicadores econômicos apresentados, e no recente manifesto de parcela significativa do setor industrial (12 associações), que defendeu o papel do BNDES e identificou na campanha contra o banco um ataque ao investimento produtivo existente no Governo Lula.

Além disso, é preciso contextualizar o recente aumento das importações. A base de comparação é frágil, porque se verifica sobre uma queda forte (16,9%) em 2009, ano de crise internacional. Ou seja, boa parte desse fluxo é uma recomposição do nível de importação pré-crise. Esse não é um fenômeno inédito. Em 2004, quando a atividade econômica teve forte aceleração após um ano de ajuste fiscal, também houve aumento expressivo das importações.

Outro fator a ser considerado é a alta consistente da demanda doméstica, que está na casa dos dois dígitos em virtude do aquecimento da economia. O aumento no fluxo de produtos importados vem para complementar a oferta doméstica, não para substituir a produção nacional.

Enquanto a mídia prega o terror, a indústria nacional se prepara para o futuro. Em junho, as importações de bens de capital cresceram 58,4% em relação ao mesmo mês de 2009, quando a economia brasileira já estava em plena recuperação. No primeiro semestre, a compra de máquinas e equipamentos para ampliar a produção teve alta de 26,1%. Pode haver desindustrialização em um país que investe R$ 10,6 bilhões em maquinário para produzir ainda mais?

No mês de julho, as exportações alcançaram R$ 17,6 bilhões, voltando ao nível pré-crise, resultado obtido sem que houvesse uma recuperação completa das economias dos EUA e da Europa, principais mercados consumidores do mundo. Graças à política de diversificação de parceiros comerciais liderada pelo presidente Lula, ainda há muito espaço para avançar.

O Brasil não pode depender apenas da desvalorização do real para estimular a exportação industrial. Alguns países do sudeste asiático —como Coréia do Sul, Cingapura e Taiwan— já não possuem mais a vantagem comparativa da mão-de-obra barata e nem por isso suas indústrias estão minguando. Se câmbio fraco e baixos salários fossem essenciais para uma política industrial, Alemanha e Japão não seriam as potências exportadoras que são.

O Brasil está no caminho certo. No Governo Lula, o país constituiu uma pauta de exportações diversificada, que não depende apenas da venda de matérias-primas e produtos agrícolas, ainda que estes setores passem por um período de crescimento robusto.

Entre 2003 e 2009, as exportações de produtos de alta tecnologia tiveram um aumento de 76%. O setor nacional de máquinas e equipamentos teve um faturamento de R$ 33,9 bilhões no primeiro semestre deste ano. A indústria continua se recuperando bem, com crescimento de 6,3% de dezembro de 2009 a maio de 2010. Os investimentos se intensificam em toda a cadeia industrial e ampliam-se, também, na infraestrutura, nas áreas de petróleo, gás e energia, inclusive no setor químico e eletroeletrônico.

Ao contrário da época de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), hoje, a indústria tem desonerações, juros especiais e crédito de longo prazo no BNDES. Temos política industrial e de inovação, mercado interno em expansão, apoio às exportações e acesso à tecnologia.

Tomar a pressão momentânea por produtos importados, fruto do aumento da renda e do emprego, como indício de desindustrialização é sinal de miopia ou má-fé.

Divisor de águas
(artigo publicado no jornal Brasil Eonômico em 05 de agosto de 2010) 
A mais grave crise internacional desde 1929 revelou o divisor de águas que é o governo Lula em relação ao de Fernando Henrique Cardoso.

Com os tucanos, a crise foi enfrentada com aumento de tributos, alta dos juros e corte de gastos, causando desemprego, estagnação na economia e pedido de socorro ao FMI (Fundo Monetário Internacional); Lula debelou a crise com queda dos juros, desoneração em vários setores, oferta de crédito via bancos públicos e estímulo ao consumo interno, medidas que evitaram a recessão e fecharam as portas do Brasil para a crise.

Mas não é apenas a ação completamente diversa na crise que faz os dois governos serem tão distintos na economia.

O cerne do divisor de águas está na formação de um mercado de massas, estruturação dos setores produtivos e criação de uma vertente investidora no país.

O pós-crise mostra que, com o governo Lula, o Brasil reverteu um ciclo nefasto de enfraquecimento da indústria e conta hoje com um vetor positivo de reorganização do setor.

Os números estão por todas as partes. No setor automobilístico, de grande complexidade, houve salto significativo.

Em 2003, quando Lula assumiu, o Brasil era o nono maior produtor mundial de automóveis; em 2009, foi o sexto. Entre 1996 e 2002, a exportação de industrializados ficou estagnada (0,2%) - o ritmo de produção foi comprometido em 1998 e 1999, anos de crise.

Com o governo Lula (2003 a 2009), a despeito da grave crise do ano passado, a exportação de industrializados cresceu 79%, a de alta tecnologia subiu 76%, a indústria farmacêutica cresceu 226% e a aeronáutica e aeroespacial saltou 115%.

No primeiro semestre de 2010, o crescimento industrial foi de 16,2% em relação ao mesmo período de 2009 - alta recorde.

Os bens de capital expandiram 42,5% de março de 2009 a maio de 2010 - 40% maior sob o governo Lula.

De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas (Abimaq), o setor de máquinas e equipamentos faturou R$ 33,9 bilhões no primeiro semestre, crescendo 13,2% em relação ao mesmo período do ano passado e aproximadamente 8% na comparação entre junho e maio.

As importações de bens de capital somaram US$ 10,65 bilhões no primeiro semestre, 14,6% acima de igual período de 2009.

Os dados mostram que a indústria tem ampliado as condições de crescimento. Isso fica evidente no tipo de importação: máquinas e equipamentos que não têm equivalente nacional e abrem espaço para a absorção de tecnologia.

A questão do aumento das importações é em parte explicada por esse movimento, mas também porque o fortalecimento do mercado interno, associado ao real apreciado, torna mais atraente a comercialização no país.

Nossa pauta está repleta de razões para intensificar esse "divisor de águas": Copa 2014, Olimpíada 2016, trem-bala, aeroportos, portos, hidrelétricas, ferrovias, rodovias, saneamento básico, habitação, enfim, inúmeras oportunidades.

Assim, ao próximo governo, resta optar pela continuidade das políticas de estímulo à nossa indústria, associadas ao equilíbrio cambial, via controle dos juros, e à queda da carga tributária.

O papel do BNDES
(artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 29 de julho de 2010)
Impressionante como proliferam certas análises econômicas que não guardam a menor relação com a realidade. Vejam o caso do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Um dos mais importantes instrumentos de fomento que o Brasil dispõe é alvo de uma saraivada de críticas.

Na base das críticas está a curiosa teoria de que os financiamentos do banco a juros abaixo da Selic (10,75%) pressionam o Banco Central a "equilibrar" o excesso de liquidez adotando o remédio do aumento da taxa básica.

Ou seja, em última análise, o BNDES colabora para criar pressões inflacionárias e força a alta dos juros. Trata-se de um sofisma extremado, afinal, o crédito ofertado tem estimulado a produção industrial, ampliando a capacidade de resposta à inflação.

O objetivo oculto das críticas é relegar ao BNDES um papel secundário, tal qual era no governo Fernando Henrique Cardoso. Com os tucanos, o banco quase foi privatizado, em 1999, quando da crise cambial.

Na época, o Brasil tomou empréstimo do FMI e, como garantia, sinalizou com "possíveis alienações de participações" do BNDES, mas também do Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste do Brasil e Basa -conforme o item 18 do Memorando de Política Econômica, de 8 de março de 1999.

Nos anos FHC, o BNDES foi usado para facilitar a privatização de 46% do patrimônio nacional, via formação de consórcios para disputa dos leilões -como nos casos da Vale do Rio Doce, da Telebrás e da Rede Ferroviária Federal.

Foram R$ 15 bilhões de recursos públicos colocados pelo BNDES em privatizações somente em 1997 e 1998.

O governo Lula resgatou o papel do BNDES como instituição de fomento. Hoje, é por meio do banco que serão realizadas significativas e imprescindíveis obras de infraestrutura -hidrelétricas, indústria naval e trem-bala, por exemplo.

A média anual de desembolsos do BNDES no governo Lula (até 2009) é de R$ 83,1 bilhões e, nos últimos sete anos, foram R$ 582,2 bilhões. Para os micros, médios e pequenos empresários, foram mais de R$ 125 bilhões (21% do total).

O nível de inadimplência está em ínfimo 1%. Ademais, as fusões de empresas com financiamento do BNDES criaram companhias brasileiras competitivas no mundo inteiro. Agora, são os grupos nacionais que compram ativos lá fora, o oposto da gestão tucana.

Mas a atuação do BNDES integra uma visão mais ampla sobre o papel do Estado. No governo Lula, o Estado foi decisivo para reduzir desigualdades, criar renda e emprego e estimular a produção e o crescimento.

Talvez o exemplo máximo tenha sido o papel dos bancos públicos e do BNDES na crise econômica de 2009. A injeção de crédito permitiu manter a economia aquecida, via consumo interno, e impediu que a crise atingisse o Brasil.

Por esse conjunto de fatores, não se sustentam os argumentos contrários ao papel atual do BNDES. Afinal, ele tem sido parte importante da solução, não um problema.

Questão de lógica
(artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 22 de julho de 2010)

A atual eleição tem sido permeada no campo econômico pelo debate sobre crescimento, inflação, câmbio, juros e déficit público. Interessante notar como tais temas desnudam as duas visões de país do tabuleiro eleitoral.

No plano internacional, EUA e Europa divergem quanto a ação pública a ser empregada contra a crise. Ambos têm hoje taxas preocupantes de desemprego e reduzida ocupação da capacidade instalada. Enquanto os EUA defendem a continuidade do apoio estatal, a Europa teme que a deterioração econômica crie um déficit fiscal insolúvel e, contra isso, corta direitos sociais e diminui as políticas de bem-estar.

No Brasil, apesar do sucesso do governo Lula em proteger a economia na turbulência de 2009, o raciocínio neoliberal que faz governos europeus querer cortar gastos sociais encontra eco. Muitos economistas e políticos não aprenderam nada com o sucesso brasileiro na pior crise desde 1929 e defendem que a melhor proteção à instabilidade externa é cortar ao extremo os gastos públicos. Ocorre que a estrutura pública é um componente fundamental para o aquecimento da economia em períodos de crise. Por isso, o governo Lula ampliou o Bolsa Família e manteve em funcionamento os instrumentos públicos fundamentais à continuidade do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

A opção por não privatizar os bancos estatais deu ao Palácio do Planalto as condições necessárias para continuar abastecendo com crédito a economia. Aliada à redução do IPI, tal medida manteve em pé a indústria e impediu o aumento das demissões. Vale notar que a relação dívida pública/PIB vem caindo nos últimos anos, indicador que de fato interessa observar.

A consequência é que hoje o Brasil vive a perspectiva de crescimento elevado nos próximos quatro anos, com forte geração de emprego —serão 2,5 milhões só em 2010. Tais medidas não existiriam se fosse aplicado o receituário do PSDB. A preocupação com o déficit fiscal, a exemplo do que aconteceu no governo Fernando Henrique Cardoso, faz as administrações estaduais tucanas comprimirem programas de “eficiência da máquina pública”. Prejudica-se o planejamento, a gestão de programas e dos investimentos, a fiscalização dos terceirizados e a prestação de serviços públicos como saúde, educação e assistência social. Outro movimento no mesmo sentido é o arrocho salarial. Marca do neoliberalismo tucano, tais cortes são complementados pelas privatizações.

A lógica de todas essas ações é de reduzir o tamanho do Estado, o que inibe toda a cadeia de renda, investimentos, produção e consumo criada no Governo Lula e que desemboca no desenvolvimento do país. Neste ponto reside a diferença fundamental entre o que querem os tucanos e o que propõem o PT, os partidos aliados e a candidata Dilma Rousseff ao país. Neste momento, nossa preocupação deve ser criar condições para ampliar os investimentos privados. E isso se faz, por exemplo, com novas oportunidades como o PAC, a Copa do Mundo, as Olimpíadas, o Pré-sal, a Transnordestina, o Trem-bala, enfim, grandes obras de infraestrutura.

Política Industrial
(artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 15 de julho de 2010)

Tem aumentado a preocupação da oposição com o futuro da economia, em especial, com um suposto processo de desindustrialização do país. São usados argumentos como o aumento das importações.

Pura ação eleitoral. Se a tese é de que estamos nos desindustrializando, o bom senso recomenda buscar indicadores que a sustente.

Na Pesquisa Industrial Mensal do IBGE, vê-se que, em maio, a indústria teve expansão de 14,8% sobre o mesmo mês de 2009.

Nos cinco primeiros meses, a alta é de 17,3%. A projeção para 2010 é de alta de 11,5% na produção industrial.

Interessante notar que o avanço industrial foi puxado pelos setores de eletrônicos e equipamentos de comunicação (6,1%) e máquinas para escritório e informática (5,7%), cuja produção permite agregar valor. Os bens de capital também cresceram (1,2%).

Tais indicadores são suficientes para derrubar a mal-fadada tese de perda da capacidade industrial.

Em menos de uma semana, o Brasil Econômico publicou três notícias que ressaltam essa realidade.

A manchete da última segunda-feira relatou a certeza de europeus em relação ao crescimento na próxima década: quarto principal destino de investimentos diretos, o Brasil tornou-se atraente -foram US$ 38 bilhões em 2009.

No dia 7 de julho, o jornal informou que a Siemens abrirá nova frente de exportação a partir da fábrica de Jundiaí, em São Paulo, e a Moksha8 estudava instalar aqui uma fábrica de biomedicamentos.

O fenômeno não é exclusividade das estrangeiras: a Camargo Corrêa, seguindo a concorrente Votorantim, anunciou R$ 14 bilhões na indústria de cimento.

O forte consumo interno de diversos produtos -carro, TVs de alta tecnologia, imóveis, vestuário e medicamentos- motivou o crescimento industrial.

Alguns exemplos: as vendas de eletrodomésticos dobraram nos últimos cinco anos, a automotiva bateu recorde em 2009 (11,4% a mais de vendas que em 2008) e a farmacêutica de tamanho.

Segundo a FGV, 40% da indústria vai expandir a capacidade em 2010. Afinal, o IBGE mostra que o índice de confiança está elevado no setor.

Temos ampliado investimentos em infraestrutura, petróleo, gás e energia, no setor químico, de fertilizantes, eletroeletrônico e de bens de capital.

Crescem as importações de máquinas e equipamentos (26,5% no primeiro semestre de 2010), o que revela que a indústria está se robustecendo, não minguando - a melhora se reflete também no avanço de 250% da nossa participação no exterior.

Há ainda a aproximação da indústria brasileira com o governo federal em parcerias de estímulo à inovação empresarial.

No final de junho, foram firmadas duas parcerias que resultarão em R$ 100 milhões para a formação de núcleos de apoio à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico. Trata-se de empurrar a indústria e colocá-la em um patamar adiante.

Hoje, a indústria tem desonerações, juros especiais e crédito de longo prazo do BNDES.

Há apoio às exportações, à inovação, ao acesso à tecnologia e um mercado interno em expansão. Hoje, enfim, o Brasil tem política industrial.

PL 29 e interesses da indústria estrangeira
(artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 01 de julho de 2010)

Causa espanto que a Sky, corporação mundial de TV por assinatura via satélite e também grande distribuidora de conteúdo para TVs pagas, tenha deflagrado uma campanha, junto aos assinantes, de que a aprovação do Projeto de Lei Complementar 116/10 (o antigo PL 29, como ficou conhecido) vai aumentar o preço do serviço e dos programas.

Causa ainda maior espanto que o jornal O Estado de S.Paulo, em editorial do dia 26 de junho, tenha assumido os argumentos da Sky, colocando-se contra as cotas de proteção ao conteúdo nacional previstas no PLC. Diz o editorial: “é absurda a interferência no direito de escolha do assinante da TV paga. E mais: nesse universo da comunicação, a liberdade do usuário não pode ser objeto de tutela e de restrições da lei nem estar condicionada a critérios de governo ou a razões político-ideológicas”.

Se é possível entender o comportamento da Sky na defesa de seus interesses comerciais, embora não se possa compactuar com atitudes intimidatórias especialmente envolvendo o cidadão comum, a posição do jornal, uma empresa de controle nacional, é inexplicável. O jornal não se pronuncia sobre os enlatados, muitos de qualidade extremamente discutível, que infestam os canais pagos, não contribuem para a cultura nacional e ainda representam a remessa de milhões de royalties ao exterior.

O discurso da liberdade de escolha do programador —não do usuário, pois ele não interfere na programação apresentada, a não ser quando compra um programa sob demanda— só interessa aos estrangeiros. Por sinal, é o mesmo discurso da Associação Brasileira de TV por assinatura, que faz coro aos seus sócios estrangeiros, já que os nacionais apoiaram a aprovação do PLC 116/10.

O que incomoda os programadores estrangeiros é que o PLC 116/10 vai garantir mais espaço à produção nacional. Por isso, tem o apoio da Globo. E contra os interesses dos grandes produtores nacionais de conteúdo também contempla os produtores nacionais independentes, que até então nunca tinham sido contemplados com qualquer regra de estímulo ou proteção. Ao fixar uma política de cotas de conteúdo nacional, o projeto nada faz de diferente de outros países em relação à sua indústria cultural, especialmente os desenvolvidos.

Pela criatividade dos brasileiros, pela enorme facilidade em incorporar as novas tecnologias que baratearam sobremaneira a produção de conteúdo audiovisual, o país tem enorme chances de desenvolver uma indústria cultural sólida. Ao lado de medidas de fomento também previstas no PLC 116/10 e de ações do Ministério da Cultura, o estabelecimento de políticas de cotas é medida importante nessa direção.

A batalha não está ganha, pois o projeto ainda vai tramitar no Senado, onde deve passar por seis comissões. Portanto, ainda há muito espaço para pressões contra a política de cotas, o item do PLC que mais atrai a artilharia da direita. É preciso que a sociedade fique atenta e se manifeste junto aos senadores para impedir que o projeto seja desfigurado. Os únicos beneficiários serão os programadores estrangeiros.

Acabar com o Mercosul?
(artigo publicado no Blog do Noblat em 07 de maio de 2010)

José Serra causou estranheza e indignação, inclusive internacional, ao afirmar que o Mercosul é “uma farsa” que “atrapalha” as negociações internacionais do Brasil. Sua intenção, caso eleito presidente, seria trabalhar para extinguí-lo —embora ele tenha corrigido a si mesmo em seguida para esclarecer que quer apenas “flexibilizá-lo”. Ainda assim, o ato falho do tucano revelou o que sua candidatura representa: a defesa de interesses muito distantes daquilo que é bom para o Brasil e para o continente.

Por extensão, é possível deduzir que o tucano também é contra a substituição do Mercosul pela Unasul, que pretende criar, nos próximos 15 anos, uma dinâmica econômica, política e social próxima à da União Europeia na América Latina —moeda única, conselho de segurança regional, livre trânsito de pessoas, cooperação em investimentos de infraestrutura e gradual eliminação de tarifas para exportações e importações entre os países do bloco.

Um é a evolução natural do outro, o andamento de uma discussão que vem sendo construída há duas décadas e que, até 2008, estava pendente de ações práticas para que se tornasse realidade. Mas nem por isso se pode descartar as conquistas proporcionadas pelo Mercosul, especialmente para o Brasil, grande beneficiado do principal mecanismo do bloco: a Tarifa Externa Comum.

O mecanismo faz com que Argentina, Uruguai, Paraguai e Brasil —e, num futuro próximo a Venezuela— adotem tarifas iguais, preponderantemente influenciadas pelas taxas brasileiras, para importação e exportação de diversos produtos. Fortalece, assim, os laços entre os setores produtivos dos países latinos e impede que agentes externos —como a China, por exemplo— tomem um mercado que pode, e deve, desenvolver-se em conjunto.

O comércio com a Argentina, segunda força econômica do bloco, encerrou uma década de balança comercial desfavorável ao Brasil a partir de 2004 e alcançou uma corrente de comércio de US$ 30 bilhões em 2008, com superávit brasileiro de US$ 4,3 bilhões (dados do Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio Exterior).

Analisando o período, o efeito é o mesmo na relação com os demais parceiros de bloco: US$ 3,1 bilhões em comércio com o Paraguai naquele ano, e balança favorável em US$ 1,8 bilhão. Com o Uruguai, uma corrente de transações de US$ 2,6 bilhões e superávit de US$ 625,9 milhões para o Brasil.

São aproximadamente US$ 6,7 bilhões em uma balança comercial que foi, ainda em 2008, favorável em US$ 24,9 bilhões —quase um quarto de todo o sucesso comercial do Brasil naquele ano. É necessário muito malabarismo argumentativo para justificar a idéia que esse resultado tenha sido fruto de uma farsa que atrapalha o Brasil em suas negociações.

É importante ressaltar ainda que as exportações do Brasil para os colegas de Mercosul também evoluíram em qualidade nos últimos anos, não apenas em quantidade: em comparação entre março de 2009 e março de 2010, por exemplo, o crescimento de exportações de equipamentos mecânicos e eletrônicos do Brasil para a Argentina foi de 43%. O mesmo tipo de comércio cresceu 17% com o Uruguai e 116% com o Paraguai.

Trata-se de um dado relevante: é demonstrativo do esforço brasileiro em fortalecer suas exportações de manufaturados, que possuem maior valor agregado e impulsionam o investimento da indústria e a geração de emprego, em detrimento de um modelo de comércio exterior em que o país teria apenas matéria-prima a oferecer. Modelo este que vigorou nos anos Fernando Henrique Cardoso e que Serra quer ressuscitar.

Para atingir o objetivo de fazer com que o Brasil esteja entre as nações desenvolvidas, é preciso também negociar em pé de igualdade com os grandes blocos para mudar a agenda de negócios mundial, o que exige que a América Latina apresente-se como um grande mercado consumidor, um grande parque industrial e uma grande potência agropecuária, livre de sectarismos culturais e entraves burocráticos. Sem o Mercosul, como propõem Serra e os tucanos, isso não será possível.

LRF e os investimentos
(artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 06 de maio de 2010)

Nesta semana, a Lei de Responsabilidade Fiscal completou dez anos em contexto diverso daquele que vigorava quando de sua aprovação. Se há dez anos fazia-se fundamental aliar à administração pública o conceito de responsabilidade fiscal, hoje, parece evidente que essa preocupação já está incorporada.

Assim, temos experiência acumulada para avaliar o funcionamento e os problemas existentes na LRF e devemos fazê-lo. Mas, por ocasião das comemorações de uma década da LRF, algumas pretensas análises têm questionado o rigor fiscal do Governo Lula. Por ter o PT votado contra a LRF e o fim do favor previdenciário, a alegação é que está em curso um processo de maquiagem contábil com o objetivo de driblar a LRF.

É preciso que se diga a verdade: o Governo Lula conseguiu reestruturar as carreiras de Estado, recuperar o papel de planejamento e gestão do funcionalismo público e melhorar os salários e benefícios concedidos sem que houvesse prejuízos ou descontrole do custeio da máquina pública.

O artifício usado para sustentar o desequilíbrio das contas públicas é considerar as despesas nominais. Mas se os mesmos números forem contrastados com o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), verifica-se que os percentuais são estáveis: em 2002, foram destinados o mesmo que 4,81% do PIB com o funcionalismo e 3,19% com custeio da máquina; em 2009, os percentuais em relação ao PIB foram de 4,79% e 3,52%.

Mas há outro ponto importante nesse debate. Na concepção neoliberal, cujos representantes no Brasil são o PSDB e o DEM e que teve seu ápice na gestão Fernando Henrique Cardoso, a LRF se aplica tendo como base o conceito de que tudo é custo do governo. Assim, todo centavo que significa investimento e, portanto, pode resultar no futuro em crescimento é considerado um custo e uma potencial ameaça à meta de superávit fiscal. O resultado é que frequentemente esse dinheiro é sacrificado, comprometendo o desenvolvimento do país.

O Governo Lula, então, muda essa lógica e passa a retirar da conta da LRF os recursos aplicados em iniciativas que integram o PPI (Projeto Piloto de Investimentos). São projetos fundamentais para o crescimento do país, que estão concatenados aos objetivos de desenvolvimento sustentável com distribuição de renda. Fazem parte desse rol, o maior programa de investimentos já elaborado no país, o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), e os investimentos de estatais como a Petrobras. Com Lula, o PT e os demais partidos aliados, torna-se possível combinar dois conceitos: o de responsabilidade fiscal e o de investimento.

Ao trabalhar pela revogação da CPMF e, depois, votar por aumento aos aposentados acima da inflação, a oposição demo-tucana perde a autoridade para tecer críticas sobre o aumento do salário mínimo e dos benefícios sociais. Some-se a isso a posição do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, de querer renegociar a dívida com a União e o projeto do senador tucano Tasso Jereissati que permite novos empréstimos ainda que os Estados tenham estourado os limites de endividamento da LRF. Mais uma vez, ficamos sem saber o que quer a oposição.

Respeito aos educadores
(artigo publicado no Blog do Noblat em 02 de abril de 2010)

Os brasileiros têm a oportunidade de ver de perto como se comporta o PSDB no Governo. Engana-se quem pensa que vou mencionar o descalabro na cidade de São Paulo, herança que o governador José Serra deixou para os paulistanos após abandonar a prefeitura para disputar o Governo do Estado. Não cabe aqui igualmente discutir o caos no trânsito que provoca perdas milionárias à economia, nem o fato de que São Paulo não pode mais receber chuva porque alaga e para. Esses são problemas para um outro debate.

O momento pede urgência para uma área que impacta diretamente no futuro do País: a Educação.

A realidade em São Paulo é que os professores ganham pouco e não receberam a reposição da inflação nos últimos anos. Sem uma sinalização do Governo Serra —cujo secretário de Educação é Paulo Renato Souza, ex-ministro de Fernando Henrique Cardoso—, os professores decidiram, há quase um mês, paralisar suas atividades e pedir reajuste salarial de 34,3%.

O que faria um governante comprometido com a Educação no lugar do governador? Algumas respostas são possíveis, mas tenho certeza de que nenhuma inclui a opção “agressão aos manifestantes pela Polícia Militar”. É de estarrecer, mas foi isso o que aconteceu sob o olhar de Serra. Prevaleceu a truculência ao diálogo.

Se o governador acha injusta a reivindicação, se discorda da greve, se tem argumentos para apresentar, que recebesse os representantes e os demovesse da paralisação. Ou que chegasse a um acordo por reajuste menor. Um governante, qualquer que seja o cargo que ocupa, deve ter condições de dialogar com a população, com os funcionários públicos, com os educadores (!) e com os opositores. É tarefa própria do político.

Mas Serra se coloca na condição de inacessível e autoriza uma ação da PM extremamente despropositada, autoritária e repressiva, com contornos do regime militar.

Desde quando liberdade de expressão é motivo para apanhar da polícia? Ora, quem deseja ser presidente não pode achar que a melhor forma de lidar com 60 mil professores protestando é fingir que a greve não existe. Pior: chamar a greve de política é dar de ombros à dura realidade do professor, que todos os dias batalha para conseguir dar conta da missão que é educar.

O comportamento do governador é reincidente. Em 2008, durante a greve da Polícia Civil, recusou-se a dialogar com a categoria e empurrou a PM para o confronto com os policiais civis nas cercanias do Palácio do Governo do Estado! Atuou no limite da irresponsabilidade ao permitir que suas duas polícias se digladiassem em praça pública.

No entanto, além da inabilidade para negociar, a dificuldade de Serra tem uma razão oculta. Se receber os professores, terá que admitir que, ano a ano, diminui o Orçamento da Educação —de 16% em 2002, foram apenas 13,8% em 2008. Terá que reconhecer que fragmentou o setor em três secretarias, ao invés de fortalecer a Educação de forma unificada. E, por trás dessas ações, esconde-se a inexistência de uma política planejada à Educação.

Há duas maneiras básicas de melhorar o sistema educacional. Investir em infraestrutura —novas escolas, bibliotecas, material escolar, uniformes, computadores. E, certamente mais importante, aplicar verbas para melhorar a qualidade —atualização do conteúdo letivo, qualificação dos professores e incremento salarial. A chave está em atuar nas duas frentes de forma complementar.

Foi o que fez o PT, por exemplo, na gestão da prefeita Marta Suplicy em São Paulo, criando o CEU (Centro de Educacional Unificado). Os CEUs permitiram trazer para o interior das escolas esporte, lazer e cultura, integrando-os aos processos educativos. E transformou a dura realidade das periferias ao legar às comunidades um espaço de vivência nos finais de semana, ou seja, foi também um programa de inclusão social.

O Governo Lula também atuou nas duas frentes, ao criar o Pró-Uni e abrir 596 mil bolsas, ao construir 12 novas universidades e 79 escolas técnicas, mas igualmente ao fixar o piso salarial do professor em R$ 950. É esse o tipo de comparação que o Brasil deve fazer nas próximas eleições.

A defesa dos interesses nacionais
(artigo publicado no Blog do Noblat , em 12 de março de 2010)

O Brasil adotou postura exemplar nesta semana ao divulgar lista de cerca de 100 produtos norte-americanos que passarão a ser taxados mais severamente quando entrarem no mercado nacional a partir de abril próximo.

A medida é uma retaliação a mais um desrespeito dos Estados Unidos a uma determinação da OMC (Organização Mundial do Comércio) pela redução dos subsídios agrícolas.

Neste caso, o auxílio financeiro desleal dado aos produtores de algodão prejudica severamente os exportadores brasileiros que desejam competir no mercado estadunidense.

Sabe-se que o algodão é historicamente o segundo na lista dos produtos mais subsidiados nos EUA, atrás apenas do milho. Só em 2005, foram injetados aproximadamente US$ 3,8 bilhões no setor para garantir que o algodão norte-americano pudesse ser vendido até abaixo dos preços de produção.

Por isso, não foi desproporcional, e muito menos impulsiva, a atitude do Governo Lula: a própria OMC autorizou o Brasil a retaliar os EUA em até US$ 830 milhões ao ano.

As taxações divulgadas causam perda aos norte-americanos de “apenas” US$ 560 milhões —por enquanto. O Governo deixa margem para ampliar as sanções caso os americanos continuem subsidiando a produção de algodão e oferece prazo para que Barack Obama se movimente.

A autorização às retaliações saiu em dezembro de 2009, e o anúncio, feito agora, dá ainda mais um mês para que a Secretaria de Comércio Exterior norte-americana faça uma oferta real ao Brasil.

Quem não tem tanto apreço pelo projeto de um Brasil soberano vem tentando, nos últimos dias, afinar um discurso crítico à atuação do Governo.

Aos poucos, ilações maldosas baseadas apenas na torcida de que nada dê certo para o país vão ganhando espaço nos noticiários: começou com o cálculo grosseiro de que a taxação sobre o trigo norte-americano poderia encarecer o pãozinho brasileiro.

Como disse o próprio ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, puro “terrorismo”; ou “absoluta especulação”, de acordo com a Abip (Associação Brasileira de Indústria de Panificação).

Depois, evoluiu para outro malabarismo matemático: a previsão de aumento da taxa de juros para conter um fictício efeito inflacionário sobre o preço de produtos afetados pela retaliação.

Se não forem frutos de má-fé, tais afirmações vêm do desconhecimento do processo de retaliação, pois o Governo Lula selecionou justamente aqueles produtos estão em condições de serem substituídos por outros importados ou mesmo nacionais.

Ou seja, a escolha foi cuidadosa, para retaliar sem provocar efeitos negativos na economia brasileira.

Além disso, ao sobretaxar outros setores da economia americana, a pressão pela redução dos subsídios aos produtores de algodão passa a vir não apenas do Brasil e da OMC, órgão que o governo norte-americano ignora solenemente há décadas.

Virá de seu próprio quintal, daqueles setores que, por conta da teimosia do governo estadunidense, perdem mercado no Brasil —e que incluem gigantes combalidos como o automobilístico e o de químicos e cosméticos.

O quadro pode se tornar mais grave se as negociações continuarem atravancadas, já que o próximo passo é dar início a retaliações no setor da propriedade intelectual.

Alternativa especialmente interessante se os cerca de US$ 270 milhões em sansões que o governo ainda tem o direito de aplicar forem destinados, por exemplo, às milionárias patentes de medicamentos.

A solução do problema é vantagem até para Obama, já que os subsídios foram assunto sério durante a última campanha presidencial e são objeto de protesto até por parte dos setores mais à direita naquele país.

O “think tank” conservador Heritage realizou um levantamento, em 2002, que demonstra que naquele ano 65% dos subsídios distribuídos pelo governo foram destinados aos 10% mais ricos entre os produtores agrícolas —grandes empresas, com estrutura massiva de produção e plena capacidade de encarar o mercado sem ajuda estatal. A agricultura familiar ficou com meros 19% dos subsídios.

Ao retaliar os EUA, o Governo Lula age sem negligenciar em nenhum momento o debate democrático com Washington para chegar a uma solução pacífica. Mas age, igualmente, com firmeza na defesa dos interesses nacionais.

Boas novas à exportação
(artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 11 de março de 2010)

A valorização do real ante ao dólar e o desaquecimento do comércio internacional em 2009 afetaram os exportadores nacionais. Há dois problemas que pedem enfrentamentos diferentes e concomitantes.

Desde 23 de junho do ano passado, o dólar registra cotação abaixo dos R$ 2,00, reduzindo a capacidade de concorrência do produto brasileiro para exportação. Na semana passada, abordei os problemas relativos ao câmbio, sugerindo medidas benéficas também para o exportador.

Além do controle cambial, cabe fortalecer a competitividade do exportador brasileiro e ampliar os investimentos em tecnologia e inovação, para dar maior valor agregado à nossa matriz exportadora. Não podemos ignorar que o pós-crise é também um momento de colocar o produtor nacional em posição de destaque para quando a retomada do comércio se der de forma mais acentuada.

O Governo Lula já deu mostras de que identifica o setor exportador como estratégico: ampliou e facilitou o acesso ao crédito, elevou o status e a autonomia da Apex, estimulou a diversificação da pauta exportadora e investiu na abertura de novos mercados, sem abandono dos demais.

Em 2010, quando o setor mais precisa, o Governo revela vontade política para atacar o problema da queda nas exportações. No início do ano, anunciou a decisão de reduzir a tributação sobre insumos usados em bens voltados à exportação, sejam eles adquiridos no Brasil e no exterior —extensão do mecanismo de drawback.

Agora, estuda um pacote de medidas de incentivo ao exportador. Conforme o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, o pacote deve ser lançado até o fim do mês e inclui a criação do Eximbank (Export-Import Bank) do Brasil.

O objetivo do Eximbank é viabilizar o comércio de produtos brasileiros à exportação. No Brasil, sua atuação se dará no vácuo não ocupado pelas instituições financeiras tradicionais, ou seja, será capaz de ampliar o volume atual de negócios, especialmente em um momento como o que enfrentamos, de retração internacional.

Além disso, o Eximbank dará maior segurança ao exportador em relação às oscilações do mercado. Trata-se de um passo importante que complementa os esforços feitos até aqui pelo Ministério, Camex e Apex.

O Ministério da Fazenda também sinaliza com medidas de apoio à exportação. Está em estudo mudar o percentual de enquadramento das empresas na “Lei do Bem” (Lei 11.196/2005). A ideia é retirar a incidência de PIS/Confis para empresas que tiverem ao menos 40% de vendas ao exterior —hoje, a exigência mínima é de 60%.

Está também em análise manter no Simples os exportadores que ultrapassarem o teto de faturamento do programa de R$ 2,4 milhões nos casos em que as vendas externas forem as responsáveis pela superação do limite.

São significativos os amparos dados pelo Governo Lula aos exportadores. É preciso comemorar o anúncio do Eximbank, pois constitui passo importante para que possamos substituir importações, consolidar nossa matriz industrial, aumentar a produtividade e dar maior competitividade ao produto brasileiro.

Rotas políticas na América Latina
(artigo publicado na Revista Voto , edição março 2010)

Há certo sentimento de revanche nos setores conservadores brasileiros e latino-americanos com a vitória da direita no Chile, por apertados 3,2 pontos percentuais. Não deixa de ser legítimo, uma vez que os progressistas obtiveram vitórias recentes no Uruguai, com José Mujica, no Equador, com Rafael Correa, e na Bolívia, com a reeleição de Evo Morales.

Em Honduras, na América Central, há uma situação diferente: Porfírio Lobo, conservador recém-eleito presidente, terá problemas de legitimidade. Tanto isso é verdade que os conservadores não comemoraram tão efusivamente o pleito hondurenho, conquistado após um golpe cívico-militar sobre Manuel Zelaya, como o fizeram agora, na vitória do direitista Sebastián Piñera sobre Eduardo Frei Filho, no Chile.

Por aqui, os direitistas assumidos, DEM à frente, batem bumbo com a derrota da Concertación chilena, depois de 20 anos no poder. Os que não se assumem, mas representam eleitoralmente o conservadorismo, os tucanos e os apoiadores de José Serra à frente, evitam comemorações públicas, mas dizem ver na derrota de Frei, candidato de um governo que contava com mais de 80% de aprovação, um sinal amarelo na candidatura da ministra Dilma Rousseff à presidência do Brasil.

Tais “análises”, feitas pelos funcionários da mídia e por intelectuais a serviço do tucanato, não passam de fanfarronice. O Brasil não é o Chile, o PT não é o Partido Socialista chileno, e o presidente Lula não é a presidenta Michelle Bachelet, cujo governo, apesar da aprovação de sua mandatária, não conseguiu evitar a recessão e o aumento do desemprego e ficou devendo aos chilenos uma reforma política.

Nem muito menos Dilma Rousseff é Eduardo Frei, este último um democrata cristão de viés conservador que não foi capaz de empolgar o eleitorado chileno. Para se ter uma ideia, num país com aproximadamente 17 milhões de pessoas e com 40% de sua população concentrada na região metropolitana de Santiago, três milhões de jovens nem chegaram a se inscrever para votar.

É triste constatar, mas a vitória da direita chilena, filha legítima do regime ditatorial do general Augusto Pinochet, representa o anoitecer natural de um bloco de centro-esquerda, que perdeu a capacidade de fazer política no mais amplo sentido da palavra, para, com o passar dos anos e dos mandatos, promover simples governança.

A forma insípida utilizada pela Concertación para fazer política eleitoral e se manter no poder, sem promover todas as mudanças econômicas e institucionais necessárias, terminou por aproximar o bloco, aos olhos do eleitorado, do grupo liderado pelo direitista Sebastián Piñera, ao menos no que se refere às propostas para a governança do país.

Governança por governança, o eleitorado preferiu o empreendedorismo jovial de Piñera, dono da LAN, as Linhas Aéreas Nacionais do Chile, do canal de TV Chilevision e do popular time de futebol Colo-Colo, ao conservadorismo com roupagem progressista de Eduardo Frei.

Agora, a questão é saber se, após a derrota, a oposição estará unida. Isso dependerá do futuro da Concertación e das consequências desta eleição nos três maiores partidos que a compõem: o Socialista, o Partido Democrata Cristão e o Partido Popular.

Dependerá também, e principalmente, de uma reorganização dos partidos de esquerda e, talvez, de uma guinada à esquerda na própria Concertación. Há de se considerar os 20,1% obtidos no primeiro turno pelo jovem militante socialista Marco Enriquez Ominami e os 6,2% de Jorge Arrate. Com os votos de MEO, como Ominami é conhecido, Frei teria sido eleito sem a necessidade de segundo turno.

Por enquanto, assiste-se à mídia conservadora fazendo seus desenhos de enfrentamento às forças de esquerda na América Latina, repetindo as fórmulas das vésperas do golpe de 1964 e mesmo dos anos seguintes. Põem de um lado Colômbia, Chile e até mesmo a sequelada Honduras para “enfrentar” a “ameaça bolivariana” que vem da Venezuela e da Bolívia, Equador, Nicarágua, Cuba e os governos de centro-esquerda dos três países do Sul e do Brasil. Papel que Sebastián Piñera já recusou.

A derrota no Chile é triste e, de fato, um problema geopolítico a ser enfrentado pelos setores progressistas da América Latina. Mas não é nem de longe a ameaça que os conservadores tentam sugerir. O novo governo não terá maioria na Câmara e no Senado, e o país se dividiu literalmente entre a Concertación e a Alianza por el Cambio.

E a vitória da ministra Dilma Rousseff na eleição presidencial deste ano será vital para a consolidação deste caminho pelas rotas da esquerda, com alianças e respeitando o processo político e histórico de cada país, em direção ao resgate da soberania nacional, da preservação dos recursos naturais, do combate à pobreza e da reorganização do Estado, apoiado nos valores de esquerda e progressistas, na herança socialista, que vem sendo a principal opção política dos países sul-americanos desde a década passada.

Lulismo e PT
(artigo publicado no Blog do Noblat em 19.02.2010)

A partir dos estudos e de um artigo do jornalista e professor da USP André Singer, ex-porta voz do primeiro governo de Lula e seu secretário de Imprensa durante três anos, abriu-se um debate sobre o Lulismo e, para alguns, sobre o pós-Lula, como se isso fosse algo próximo.

O Lulismo, sim, é uma realidade que já faz parte de nosso cotidiano, devido a sua liderança e a sua força política, eleitoral e social, devido também às obras de seus dois governos e, principalmente, ao seu partido, o PT.

Já que não podemos falar em Lulismo sem o PT e vice-versa, não vejo como possam sobreviver separados. Ainda que Lula e seu peso político e eleitoral possam ser maiores que o PT, foi e ainda é o PT sua principal força e seu principal apoio, não apenas no parlamento e na militância, mas também na sociedade. O núcleo duro de sua base social e eleitoral é o PT.

Desconsiderar o PT como partido, sua origem, trajetória, história e memória, sua contribuição para a construção de políticas publicas, suas lutas sociais, seus governos municipais e estaduais, seus parlamentares e seus 20 milhões de votos, é exatamente não compreender o Lulismo e sua transcendência aos seus dois governos, as mudanças realizadas nos país, cujo depositário é o PT ou deveria ser o PT.

O futuro do Lulismo e do PT estão assim interligados e dependem do PT.  Somente com a reintegração de Lula ao partido, com sua volta à construção do PT, é que poderemos falar na continuidade do Lulismo. Que não sobreviverá sem o PT, apesar das mudanças que Lula e seus governos realizaram no Brasil, com o apoio do PT, principalmente.

A questão é se o PT compreendeu o caráter das mudanças que o país viveu nos últimos anos e da mudança de sua base social, como bem demonstra André Singer, deslocada das classes médias para as classes populares mais pobres do país.

Se voltarmos à fundação do PT, à sua origem, um partido das classes trabalhadoras – e não apenas da classe média – fundado nas lutas da periferia das grandes cidades e nas fábricas da nova indústria pós-milagre brasileiro, dos movimentos populares das periferias, das comunidades de base e dos sindicatos, veremos que lá já tínhamos a semente de um partido de operários e de pobres. Mas sua construção foi desigual e, em muitas regiões, predominou a militância e a relação social com as classes médias.

Agora o desafio é deslocar não apenas a política do partido, de seus parlamentares e governos, como fez Lula, para as camadas pobres da sociedade, mas disputar as novas classes médias que as mudanças realizadas pelo próprio governo Lula desencadearam no Brasil.

É esse desafio que, ainda segundo André Singer, garantiria um Lulismo sem Lula, desaguando no PT o apoio que os pobres deram e dão a Lula e a seu governo.

Tal desafio, reafirmo, somente será vencido se Lula o assumir depois das eleições de 2010, depois da eleição de sua sucessora, garantida a continuidade do projeto político que ele encarna e que o PT construiu nesses 30 anos. Aliás, sem essa compreensão, as mudanças realizadas no Brasil não teriam explicação.

Não podemos falar no Lulismo ou mesmo no Petismo sem o projeto de desenvolvimento nacional, de reconstrução do Estado, de reafirmação do Brasil no mundo, de resgate de nossas riquezas naturais e da retomada do nosso crescimento econômico com distribuição de renda e combate à pobreza.

Um projeto que apenas começou e que exige uma reforma política e institucional, para aprofundar a democracia e dar um salto educacional e tecnológico, de forma a consolidar nosso desenvolvimento.

Tarefas que o Lulismo e o PT assumem ao apresentar a candidatura de Dilma Rousseff.

PT e PSDB: Por que as divergências são inconciliáveis?
(artigo publicado na revista Interesse Nacional - Ano 2 - Edição 8 - Janeiro a Março de 2010)


Nos derradeiros meses de 2009, procurou-se instalar no Brasil um debate mais profundo sobre o processo histórico vivenciado – no nosso país e no mundo – nos últimos quinze anos e sobre uma nova agenda que devemos adotar a partir de agora diante dessas transformações.

É compreensível o despontar de tal preocupação, se não por outros aspectos, devido a um conjunto de fatores e ao desenrolar de fatos, quais sejam: a ocorrência da mais grave crise econômica internacional desde o crash da Bolsa de Nova York, em 1929, responsável por consumir em apenas um ano US$ 3 trilhões em todo o mundo; a abertura da possibilidade de comparação, sob o mesmo parâmetro de oito anos, de dois governos distintos (governo do presidente Lula versus governo de Fernando Henrique Cardoso); e, finalmente, a aproximação das eleições presidenciais de 2010, que certamente acirrará tal debate.

As manifestações propositivas e críticas já apresentadas – algumas mais sensatas do que outras – perpassam, e são motivadas, direta ou indiretamente, pelos três acontecimentos citados. Além disso, têm como pano de fundo a reflexão inevitável que o aniversário dos vinte anos da Queda do Muro de Berlim nos instiga a fazer sobre o papel da esquerda e de suas bandeiras a partir de então, bem como a constatação, mesmo que não consciente ou não explicitada, de que os sete anos de governo Lula levaram o Brasil a encerrar um ciclo político historicamente arraigado e a alcançar um novo patamar de discussão do nosso futuro (ainda que subsistam problemáticas próprias ao período anterior, o que se constitui em condição sine qua non dos processos históricos).

Para citar apenas alguns dos nomes envolvidos no debate, nos mais diversos veículos de comunicação brasileiros, tais questões ganharam o interesse de Rubens Barbosa (ex-embaixador em Washington e Londres, integrante do conselho editorial desta revista), Renato Janine Ribeiro (filósofo e também membro do conselho editorial da Interesse Nacional), Fernando Henrique Cardoso (ex-presidente da República e uma das lideranças nacionais do PSDB), Cândido Mendes (membro da Academia Brasileira de Letras e da Comissão de Justiça e Paz, presidente do “senior Board” do Conselho Internacional de Ciências Sociais da Unesco e secretário-geral da Academia da Latinidade) e, finalmente, Carlos Guilherme Motta (historiador da Universidade de São Paulo - USP).

Embora tenha sido o artigo de Fernando Henrique Cardoso o estopim para as manifestações de Guilherme Motta e de uma série de outros ecos, quero entrar no debate a partir das reflexões propostas por Rubens Barbosa e Renato Janine Ribeiro, ou seja, sem me preocupar com a sequência cronológica que desencadeou tais intervenções. Avalio que, assim, minha participação poderá ser mais profícua e esclarecedora.

A hipótese esboçada

O embaixador e o filósofo adotam como eixo central de suas contribuições uma imaginária convergência entre o Partido dos Trabalhadores e o Partido da Social Democracia Brasileira. Ambos defendem que tal hipótese seria uma grande novidade na política brasileira, por serem as duas legendas artífices dos governos de Lula e FHC, respectivamente. Mas tanto Barbosa quanto Ribeiro admitem, corretamente, que tal propositura não encontra respaldo na realidade.

De fato, a ideia soa estranha ao que se desenhou e ao que vem sendo desenhado no cenário político nacional nos últimos quinze anos. Antes de mais nada, não vejo possibilidades de união do PT com o PSDB, para deixar claro, de pronto, meu posicionamento nesse debate. Mas considero válido esclarecer certos aspectos das colocações e argumentações que os dois pensadores listaram, para que se entendam as diferenças que tornam tal exercício de imaginação impossível de concretizar-se.

Sob o título “Seria Possível uma Grande Coalizão no Brasil?” (edição 7 desta Interesse Nacional), Renato Janine Ribeiro escreve que a oposição mútua entre PT e PSDB trouxe o avanço de relegar a direita brasileira a um papel secundário na disputa presidencial e na formação dos seus governos de coalizão, mas que, na atual conjuntura, os males resultantes dessas coalizões estão levando a classe política a perder credibilidade e evitando a realização de reformas importantes – a principal delas, a política. Com essa avaliação, Ribeiro sustenta a necessidade de uma aliança entre os dois partidos em torno de uma agenda comum a partir de 2011, independentemente de quem venha a sair vencedor das urnas em outubro de 2010. O próprio autor reconhece as dificuldades dessa aliança, mas se equivoca ao considerar que os entraves são cada vez mais de ordem não-programática e/ou de concepções não-divergentes de país.

Ledo engano. Como as ideias ocultas no artigo de FHC nos revelam, há, sim, fortes divergências programáticas e de concepções entre PT e PSDB, como veremos mais adiante. Por ora, devemos ressaltar que um fator que pode ter criado a quimera concebida por Ribeiro seja a existência de temas sobre os quais os dois partidos se posicionam. Mas isso não é suficiente para identificar uma convergência de propostas e interesses.

Se recuarmos um pouco no tempo, veremos que tal fabulação é assunto recorrente para Ribeiro. Em 2003, ele publicou o texto “PT versus PSDB”, na revista lusa O Mundo em Português. Tratava antes da distância que se consolidou ao longo dos anos entre os dois partidos, mas vislumbrava como ponto de partida desse distanciamento as eleições de 1994. De fato, a clareza que o passar do tempo nos dá permite enxergar que o DNA dos partidos já era distinto desde as eleições presidenciais de 1989, quando Lula foi ao segundo turno contra Fernando Collor de Mello, e os tucanos, puxados por FHC, hesitaram em um apoio de primeira hora ao então candidato do PT. Podem tentar esconder, mas setores do PSDB cogitaram um flerte com a direita que animava Collor, tendência que o tucanato acabou concretizando e intensificando anos depois.

Se o embrião das disparidades entre os dois partidos já estava sendo gestado em 1989, Ribeiro tem razão quando aponta a data de cinco anos depois, 1994, como o nascimento do verdadeiro PSDB – até então incubado. Novamente liderado por Fernando Henrique Cardoso, os tucanos guinaram à direita para buscar no Partido da Frente Liberal, aquele mesmo de tantos personagens que adornaram a Ditadura no Brasil, os lençóis de seu futuro governo. Mas não foi só. Juntos, a direita e o PSDB importaram e aplicaram o programa neoliberal em solo brasileiro – aí, mais uma divergência de concepção.

Em sua análise dos dois partidos, o filósofo se concentra em identificar no PT a expressão da vertente democrática brasileira, a partir de seu anseio de igualdade, enquanto que o PSDB expressaria a vertente republicana, em forma de busca da universalidade. Mas já nessa ocasião, o autor apontava para o problema de ser o PSDB mais republicano no discurso do que na prática, ao elevar o capital (uma particularidade) ao status universal. Essa elevação se deu justamente na gestão FHC com o programa neoliberal abraçado e incorporado pela aliança com o PFL (ex-PDS, ex-Arena na Ditadura, hoje, DEM). Em contrapartida, o Partido dos Trabalhadores seguiu com a busca da igualdade.

Outro artigo de Ribeiro, “Três saídas para a crise”, publicado em série no jornal Valor Econômico, em 2005, repisa a tese de que o distanciamento entre o PT e o PSDB foi importante para acuar a direita e que esse ciclo estaria terminado. Assim, evoca a “grande coalizão” na Alemanha Ocidental de 1966, quando a direita se aliou ao SPD, para acreditar na possibilidade de uma aliança PT-PSDB. “Não é uma aliança para sempre. O PSDB simpatiza mais com o capital, o PT nasceu do mundo do trabalho”, escreveu ele. E, novamente, apresentou uma diferença essencial entre as duas legendas.

O embaixador Rubens Barbosa se inspira nas palavras de Renato Janine Ribeiro, mas também cita o artigo de FHC, que a seu ver ensejou o debate. Ciente de que a aliança imaginária não tem como prosperar, já que “o ideário dos dois partidos tem origens bastante distintas e, sob muitos aspectos, são irreconciliáveis”, Barbosa projeta a construção de uma agenda em comum em favor do Brasil para 2011. Cita também a Alemanha, lembrando que lá as coalizões se dão pós-sufrágio, não antes, como aqui. E inclui na agenda os temas da estabilidade da economia, a democracia, os avanços no campo social, a projeção externa do país e as reformas estruturais que “melhorarão a competitividade dos produtos brasileiros e simplificarão a vida do cidadão e das empresas”: política, tributária, trabalhista e da previdência social. Barbosa parte do pressuposto de que o novo governo terá pouco tempo para negociar junto ao Congresso Nacional as mudanças necessárias ao avanço do país, forçando-o à composição com outros partidos. Em caso de impasse, há riscos de comprometimento dos avanços realizados até aqui. É nesse contexto que o embaixador propõe uma convergência (“uma trégua”) entre PT e PSDB para os cem primeiros dias de governo, para a aprovação de uma agenda mínima na qual os demais partidos agregariam os votos para a formação de maioria qualificada, sem os custos políticos que o atual sistema impõe.

Ocorre que o embaixador apresenta temas importantes para a nova agenda, aos quais podemos agregar, entre outros, o papel do Estado e sua reforma, o papel dos bancos públicos, o crescimento sustentável, o desenvolvimento de novas tecnologias para produção de energia limpa associadas ao aprofundamento das técnicas já qualificadas de obtenção de combustível fóssil, as políticas industrial e de inovação dentro das políticas de fortalecimento da indústria nacional e do mercado interno, a intensificação das ações de distribuição de renda e o incremento da infraestrutura nacional. À luz desse conjunto de temas, fica claro que alguns pressupostos do exercício que Barbosa faz encontram entraves no alto grau de mudança da realidade, de acordo com os ares da política.

A primeira variável intransponível é a que se refere ao exemplo alemão, pois em nosso país o processo de escolha do chefe de governo se dá de forma inversa à germânica. Além disso, embora ambos sejam Repúblicas Federativas, a Alemanha é parlamentarista, e o Brasil, presidencialista. Aqui, são as alianças formadas antes e ao longo da campanha que irão dar sustentação ao novo governo e, inclusive, permitir que uma candidatura seja sólida durante todo o período eleitoral. Mas o mais relevante é que a lógica das eleições brasileiras pode pôr em xeque o segundo pressuposto de Barbosa, o de que o próximo governo no Brasil irá encontrar dificuldades e pouco tempo para negociar com o Congresso, com risco de impasse e paralisação das reformas. Ora, essa condição só será conhecida depois de transcorrido todo o processo eleitoral, que vai desde a formação das alianças até a abertura das urnas, quando soubermos a nova configuração do Legislativo nacional. Nesse sentido, é perfeitamente possível um cenário no qual a ministra Dilma Rousseff saia vencedora das urnas, com apoio de amplo arco de alianças partidárias – PMDB, PC do B, PSB, PDT, PR – com um programa definido de reformas capaz de intensificar as iniciadas no governo Lula, dispondo de maioria parlamentar e nos estados, formada a partir da eleição de quadros dos partidos que a apoiaram na campanha.

Esse cenário diverso do imaginado pelo embaixador Rubens Barbosa tem sido trabalhado diuturnamente pelas lideranças do PT e, a cada dia, tem conseguido caminhar para sua concretização junto às demais legendas. Portanto, não nos podemos arriscar a tecer prognósticos sobre realidade política tão distante no tempo.

A agenda neoliberal
Como já disse acima, as divergências entre PSDB e PT são inconciliáveis. Para além das razões que pontuei de forma rápida, o nó górdio dessa incompatibilidade de concepções que distancia de maneira definitiva o que pensam e como atuam PT e PSDB pode ser identificado em duas vertentes: o tratamento conferido ao Estado (seu tamanho, seu papel, sua atuação) e o tratamento dado às classes historicamente desfavorecidas.

Considero o texto “Para onde vamos?” de Fernando Henrique Cardoso, publicado no Estado de S. Paulo (1º de novembro de 2009), um excelente exemplo dessas divergências. Destaco, primeiramente, que toda a narrativa fernandista é acompanhada de um pouco-caso em relação à vontade popular. Assim, a qualidade de Lula que o aproxima do povo (sua capacidade oratória) é criticada. Da mesma forma, a aprovação do governo Lula por sete em cada dez brasileiros é vista como indício de risco autoritário e totalitário. Lembremos que havia grande aprovação na população à ideia de mudar a Constituição para que fosse permitido um terceiro mandato presidencial (ainda hoje Lula é citado nas pesquisas de intenção de voto para 2010). Mas, democraticamente, em mais uma mostra de respeito às regras do jogo, a mudança constitucional foi descartada. Anos antes, no governo FHC, a Constituição foi alterada para que ele concorresse à reeleição. Se seguirmos o raciocínio do ex-presidente, com o PSDB no poder é que devemos temer tentações atentatórias à democracia.

A par do tom de superioridade acadêmica que empresta à discussão, FHC acaba por tecer não uma crítica, mas um lamento em forma de suposta análise política do governo Lula. Nesse sentido, conduz suas palavras pela opção de elencar os feitos, os avanços e as novas temáticas surgidas no governo Lula, associando-as a uma censura a não se sabe exatamente o quê. Sua formulação é a de que se avizinha um “autoritarismo popular, cuja herança será um subperonismo, formulação que conta com a concordância, manifestada também no jornal O Estado de S. Paulo, pelo historiador da USP Carlos Guilherme Motta. Para tentar qualificar sua natimorta tese, menciona, de forma ofensiva, os discursos do presidente Lula, a relação Estado–economia–sociedade, o marco regulatório do pré-sal, a compra de aviões pela Força Aérea Brasileira, a participação estatal na Vale, as viagens de Lula pelo país, a visita do presidente do Irã, a existência de grandes obras (Transnordestina, o trem-bala, a Norte-Sul, a transposição do São Francisco e os projetos do Plano de Aceleração do Crescimento), o programa “Minha Casa, Minha Vida”, os investimentos em biocombustíveis (cita o biodiesel de mamona e o etanol), os resultados da agricultura familiar e o papel do bndes (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social) e dos fundos de pensão. Curioso o tucano não ter incluído em sua lista o Bolsa Família (por que será?).

Sinceramente, FHC parece perdido em meio a tantos temas que hoje fazem parte da pauta nacional por conta dos avanços que o país conquistou nos últimos sete anos. Digo parece porque seu artigo, no fundo, é tentativa vã de buscar uma bandeira, uma marca para uma aliança do PSDB com a direita, que atualmente se encontra sem condições de formular alternativas ao projeto de Brasil que o governo Lula tem implementado. Ciente da proximidade cada vez maior das eleições, FHC dá um salto para tentar romper a “inércia” da oposição e fugir da comparação dos governos do PSDB e do PT. Não por acaso ele concede entrevista a El País na qual diz não haver diferença entre as políticas econômicas adotadas em seu governo e as do presidente Lula. Talvez tenha sido essa miragem a responsável pela inspiração de Renato Janine Ribeiro e Rubens Barbosa para enxergar convergências entre os dois partidos. Mas o que incomoda FHC e o PSDB é que todo o conjunto de medidas e políticas que criticam é resultado de um planejamento que rompeu com a agenda neoliberal para imprimir um viés nacional popular, isso mesmo, e desenvolvimentista, responsável por colocar o Brasil em novo patamar, interna e externamente, e amplificar os anseios populares ao redor do país, atendendo-os de forma estruturada.

Relembremos 1994, quando o PSDB inicia sua fusão com a direita, perceptível na aliança com os descendentes da Arena, que se estendeu por anos e perdura até os dias atuais, e na direção que imprimiram ao chegar à Presidência da República. A concepção que implementaram foi importada do Consenso de Washington, difundido no vácuo da Queda do Muro de Berlim, e prescrevia: privatização das empresas estatais, para diminuição do Estado; ilusão do câmbio fixo na paridade real-dólar; política de juros elevados, atraente ao capital especulativo; aumento da carga tributária (7% do Produto Interno Bruto), para sustentação da irrealidade do câmbio e dos juros; controle inflacionário; terceirização da gestão pública; e corte dos gastos públicos. No campo social, políticas tímidas com caráter compensatório. O receituário foi cumprido à risca e, quando resultou na explosão da dívida pública e do desemprego, além dos choques causados pelas crises da Rússia e do México, a saída encontrada foi enxugar ainda mais a máquina, aumentar mais os juros e acentuar a carga tributária (àquela altura o patrimônio do Estado já havia sido dilapidado). Não havia planejamento para a indústria e desenvolvimento tecnológico, mas muito favorecimento ao capital externo nas privatizações. Antes mesmo da crise econômica iniciada em 2008, o modelo já estava desgastado no Brasil.

A bússola do governo Lula


No momento em que o PT e Lula chegaram à Presidência da República, com amplo apoio popular, houve alimentação de incertezas por parte da imprensa junto ao mercado e aos setores empresariais. Começa-se, então, a implementar uma série de políticas públicas completamente diversas das aplicadas na gestão do PSDB, em uma real retomada da agenda desenvolvimentista e do projeto de desenvolvimento nacional, pré-ditadura militar, que deveriam ter sido abraçados pelos tucanos, mas não foram. Na economia, o cuidado teria que ser maior, pois era necessário enfrentar a crise herdada e desfazer, uma a uma, as armadilhas neoliberais introduzidas ano a ano no governo FHC. Mas a existência de um projeto de Brasil sustentou a elaboração de um planejamento que, hoje, todos sabem, tem sido acertado. Um projeto em que o Estado é recuperado em suas funções mais básicas de gestor e pode, de fato, atuar com firmeza onde é necessário. Como bem expressou Cândido Mendes nesse debate, em seu artigo “Para onde não vamos”, publicado na Folha de S. Paulo, “o governo Lula reassegurou a presença do Estado para a efetiva mudança da infraestrutura, que pede o desenvolvimento, atrasado durante o progressismo liberal do PSDB”.

A partir dessa nova compreensão do Estado, foram trabalhados cuidadosamente inúmeros vetores de desenvolvimento que, associados, permitiram que o Brasil chegasse hoje a uma posição muito melhor do que aquela em que estava ao final do governo do psdb, tanto no plano nacional como no cenário internacional. A começar pela preocupação com a inclusão social e a distribuição de renda. Se há crítica ao superlativo no governo Lula, é porque em muitos setores não há mesmo grau de comparação com outros governos do passado. O Bolsa Família retirou da linha da miséria mais de quarenta milhões de pessoas (“uma Colômbia”, frisa Cândido Mendes).

Mas há o “Minha Casa, Minha Vida”, o ProUni, o Luz para Todos, o programa de cisternas e o incentivo à agricultura familiar, iniciativas de grande poder de transformação da vida das pessoas mais pobres. Os bancos públicos (Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste e Banco do Brasil) foram fortalecidos para ampliar a oferta de crédito e permitir o acesso da população aos mais básicos direitos econômicos. O BNDES foi alçado à condição de maior banco de desenvolvimento das Américas, cujo papel é fundamental para o crescimento sustentável do Brasil, pois atrai a iniciativa privada para projetos de interesse nacional e realiza investimentos de longo prazo (foram R$ 92,2 bilhões investidos na indústria e em infraestrutura em 2008). Essa aliança estratégica do Estado com as empresas foi criticada por FHC em seu artigo, como um sinal de atraso.

Foi feito mais. A infraestrutura brasileira nunca foi tão cuidada como no governo Lula. Obras de grande porte, fundamentais para o crescimento do país sem a formação de gargalos, passaram a figurar na agenda. É o caso da Transnordestina, da transposição do São Francisco e dos projetos do PAC, mas é também o caso de falarmos da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, os maiores eventos esportivos do globo, capazes de atrair investimentos que resultarão em benefícios permanentes à sociedade.

Os fundos de pensão têm sido importantes e eficientes para: estimular a política industrial e a inovação; incrementar as exportações de capital, tecnologia e serviços; financiar o desenvolvimento tecnológico e externo das empresas; garantir energia, petróleo e gás; e retomar a implantação e desenvolvimento de nossa infraestrutura. A economia assiste hoje a empresas estatais fortes que contribuem para o direcionamento do mercado, pois têm peso. Nesse capítulo, destaque para a Petrobras, que alcançou patamares tecnológicos em grau de excelência, levando à autossuficiência em petróleo e à descoberta de petróleo abaixo da camada de sal. Tal recurso natural deve ser usado de maneira também planejada, para que possamos conduzir o Brasil, de forma definitiva, ao desenvolvimento sustentável.

A legislação do pré-sal prevê a criação de um Fundo Social com parte das riquezas resultantes da exploração desse petróleo e parte desse fundo será destinada à preservação ambiental. Ou seja, montaremos um ciclo virtuoso de exploração desse importante recurso, que se somará a outras metas ambientais já anunciadas, como redução do desmatamento, corte entre 36% e 39% das emissões de dióxido de carbono até 2020 e investimentos em biocombustíveis e em fontes limpas de energia.

Nossos juros estão na casa dos 8% (taxa Selic) e ainda há espaço para reduzi-lo, nossas reservas foram ampliadas consideravelmente, nossa inflação está controlada, começamos a impor barreiras ao capital especulativo, e podemos ampliá-las. Mas a terceirização da gestão pública feita pelo PSDB e o abandono do funcionalismo tornaram imprescindível um esforço com Lula de reorganização dos Ministérios, do restabelecimento dos planos de carreira e da atualização salarial acima da inflação, porque a máquina pública havia sido sucateada.

A opção por uma política externa de valorização da relação Sul-Sul, com retomada do Mercosul, do fortalecimento da relação com os países vizinhos e da busca dos organismos e fóruns internacionais (como Organização Mundial do Comércio, por exemplo) para a proteção dos interesses comerciais brasileiros é igualmente aspecto que diferencia o que pensam PSDB e PT. Não fosse essa diferença e o prestígio do Brasil no mundo não teria sido tão ampliado. Nosso país é hoje respeitado internacionalmente e considerado um ator importante para qualquer decisão (um player). Isso muito se deve ao Itamaraty ter acentuado nossa tradição diplomática de receptividade e diálogo. Fossem os tucanos os governantes e não estaríamos abrindo novas portas no mundo, mesmo que sejam com o Irã (que hoje carece de interlocutores para evitar um isolamento e buscar uma saída negociada para seu programa nuclear).

Ora, todo esse conjunto de medidas deixou o Brasil em situação privilegiada para enfrentar a crise econômica de 2008, iniciada justamente por conta de todo o receituário neoliberal seguido por diversas nações, inclusive por nosso país sob a égide do PSDB. Mas a solidez construída ao longo do governo Lula não bastava, pois era preciso dar mais respostas. Então, o País pôde perceber que o enfrentamento de uma crise é mais eficaz quando o Estado tem força e condições para intervir na economia. Foi o que se viu ao redor do mundo, mas principalmente no Brasil. Cortamos juros, estimulamos o consumo, ampliamos significativamente a oferta de crédito e reduzimos alíquotas de cadeias produtivas estratégicas. A resposta não tardou: fomos o último país a entrar e o primeiro a sair da crise, com previsão de crescimento de 1% em 2009 e de 5% em 2010. É nesse contexto que o governo cobrou a Vale, uma das poucas a demitir fortemente durante a crise. Quando o governo sinalizava que o caminho era um, a Vale escolheu a aposta no sentido contrário.

Ora, não é exagero considerar a crise internacional um momento histórico em que partidos divergentes, como o PT e o PSDB, podem e devem buscar agendas em comum. Nesses momentos de crise institucional ou de ruptura, espera-se essa união nacional, como aconteceu na luta contra a Ditadura. Mas não aconteceu na crise internacional quando o PSDB se recusou a votar determinadas medidas anticrise propostas pelo governo. Foi graças à atuação do governo e à resposta da população, que seguiu consumindo e aquecendo a economia, que os índices de geração de emprego retornaram ao período pré-crise – em 2010, a previsão é de dois milhões de novos postos com carteira assinada, contrastante com o desemprego que marcou o primeiro mandato de FHC e os oitocentos mil empregos criados nos quatro anos do segundo mandato.

É preciso lembrar que nas reformas política, trabalhista e previdenciária os dois partidos também possuem visões diferentes e buscam objetivos diversos. No caso da reforma política, que devia ser um tema suprapartidário, a conduta do PSDB revelou apego ao atual sistema político-eleitoral que estimula a corrupção, o caixa dois nas eleições, as barganhas por emendas e nomeações, as licitações dirigidas e o desvio de dinheiro público. Já aprovado no Senado, inclusive com o apoio do PSDB, o texto da reforma política foi rejeitado na Câmara dos Deputados porque o PSDB mudou de lado. Sem a reforma política, aliada a outras medidas, não será possível aprimorar a administração pública, adotando melhorias como o voto uninominal, o financiamento público nas campanhas e a fidelidade partidária.

Nesse sentido, não há uma divergência de antemão a uma agenda comum em casos extremos e graves, mas não posso concordar com o diagnóstico de que a não-aliança ou não-coalizão é consequência da incapacidade das lideranças ou das divergências paulistas de PT e de PSDB, porque ambos nasceram no estado de São Paulo. Porque são as diversas medidas citadas, seus resultados já colhidos e seus frutos vindouros que nos impedem de concordar com o embaixador Rubens Barbosa e com o filósofo Renato Janine Ribeiro quanto a uma suposta similaridade entre PT e PSDB. Definitivamente, as concepções de Estado, de governo, de políticas socioeconômico-ambientais são divergentes, não convergentes. Tanto é verdade que a ausência de um projeto alternativo transforma os antigos defensores do neoliberalismo em verdadeiras birutas de aeroporto, sem saber para onde o vento sopra. Felizmente, por tudo o que foi dito, do outro lado, a bússola está sendo usada e o avião Brasil está prestes a levantar voo.

Comentários[6]
|

Lições da arrecadação de 2009
(artigo publicado no jornal Brasil Econômico em 28 de janeiro de 2010)

Divulgados os números da arrecadação federal em 2009, o panorama desenhado na economia brasileira para 2010 ficou ainda mais promissor. Afetada diretamente pela crise econômica global, a arrecadação vinha caindo de outubro de 2008 até setembro do ano passado, quando o reaquecimento da economia quebrou a trajetória de queda.

Ao todo, foram arrecadados R$ 710 bilhões em 2009, queda de somente 2,96% em relação aos resultados de 2008, sendo que os últimos três meses do ano foram de crescimento do valor arrecadado. Foram R$ 21,6 bilhões a menos em relação a 2008, valor inferior à renúncia fiscal de R$ 24,9 bilhões apenas para os setores de eletrodomésticos e automobilístico.

O secretário da Receita Federal, Otacílio Cartaxo, classificou 2009 como um ano de dificuldades na economia, mas com “resultado auspicioso”.

Cartaxo tem razão primeiro porque os números apontam para um 2010 de crescimento significativo na arrecadação, já que a previsão é de que a economia brasileira irá crescer, no mínimo, 5% neste ano. Essa perspectiva permite ao país trabalhar com um aumento das receitas federais, garantindo os recursos não inflacionários que sustentarão as políticas de rigor fiscal e de manutenção das metas de superávit primário.

Mais do que isso: uma arrecadação maior irá permitir investimentos importantes para o crescimento sustentável. Será a partir desses recursos que o governo federal irá garantir o aprofundamento do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), tão necessário para preparar o país para os próximos anos, melhorando sua infraestrutura, dando solidez a um ciclo de crescimento virtuoso e pavimentando o caminho para sediarmos a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.

Um cenário que prevê ainda a manutenção das políticas e programas sociais, como o aumento real do salário mínimo e dos benefícios da Previdência, marcas do governo Lula. Será possível ainda assegurar os recursos para o PAC 2, lançado pelo governo federal para ajudar as grandes cidades brasileiras a atacar o problema das enchentes, a partir de obras de infraestrutura, transportes, habitação, saneamento e macro-drenagem.

O aumento na arrecadação comprova também que foram acertadas as medidas anticíclicas tomadas pelo governo Lula durante a crise internacional. Com elas, foi possível criarmos mais de 1 milhão de empregos em 2009, algo ímpar no mundo, e retomarmos o crescimento econômico. Poderemos também criar 2 milhões de novos postos de trabalho e crescermos mais de 5% em 2010.

Além disso, a diminuição de tributos e a manutenção da produção são indícios fortes de que podemos promover uma ampla desoneração para os setores responsáveis pelos investimentos, pela produção e voltados à exportação, fundamentais para o ciclo de crescimento que desejamos nos próximos anos. Podemos também desonerar alguns setores de bens e serviços essenciais à economia popular, como remédios, alimentos, educação, lazer e cultura.

Talvez seja essa a mais importante lição dos números da arrecadação em 2009, a de que é possível rever a estrutura tributária nacional.

Um plano de saúde público para concorrer com a iniciativa privada
(artigo publicado no Blog do Noblat em 22 de janeiro de 2010)

Nas últimas décadas tem se intensificado um modelo de gestão pública em que a iniciativa privada opera serviços considerados essenciais. Isso se dá na telefonia e transferência de dados, no transporte público das grandes cidades, na distribuição dos combustíveis, na administração de estradas de rodagem, na educação, no atendimento à saúde e em vários outros setores da economia.

Essa operação dos serviços essenciais pela iniciativa privada sempre ocorre por três modelos distintos: 1) privatização, caso das teles, operadas até 1998 pelo Estado; 2) concessão, caso de importantes estradas brasileiras e também do transporte público viário em todas ou quase todas as capitais brasileiras; e 3) livre concorrência, caso do ensino e da saúde.

Tratemos aqui na livre concorrência, que tem se mostrado necessária no caso da educação, pois há consenso que, no caso do ensino fundamental e médio, as instituições privadas chegam a oferecer melhor qualidade que o Estado, ainda que tenham participação minoritária no atendimento. E ainda que o mesmo não ocorra quando se trata de ensino superior, pois as universidades públicas são de longe as de ponta no país, não pode-se dizer neste momento que haja uma crise por conta disso.

Digo isso não para constatar que tudo vai bem no sistema educacional brasileiro. Há muito por ser feito, a começar pelo oferecimento, por parte do Poder Público, de educação de melhor qualidade às crianças e adolescentes, e da erradicação do analfabetismo.

Mas pretendo aqui fazer um contraponto entre o que é oferecido pela iniciativa privada em educação e em saúde, dois setores freqüentemente operados pela iniciativa privada, ainda que dependam de autorização e regulamentação governamental.

Se no primeiro caso o setor privado tem sido importante para suprir deficiências do Poder Público, no segundo isso pára na promessa. Não pretendo aqui fazer a crítica aos hospitais, pois há instituições privadas, com ou sem fins lucrativos, dos quais devemos nos orgulhar, como o Hospital Israelita Albert Einstein, o Hospital Sírio Libanês e vários outros.

Mas os planos e seguros de saúde pararam na promessa de ser uma suplementação ao atendimento público, para passar a concorrer com este, de forma muito pouco salutar. Em meu artigo publicado neste espaço na semana passada ( leia ), citei entrevista da médica Lígia Bahia ao jornal “O Globo” em que ela traça um panorama das relações entre as instituições de saúde privada e o SUS (Sistema Único de Saúde).

Lembrei que quando os clientes de planos e seguros de saúde são atendidos pelo SUS, essas empresas apenas reembolsam o Estado em casos de atendimentos previamente autorizados, mas protelam nos tribunais o pagamento pelos atendimentos de emergência, contribuindo para a piora na qualidade do atendimento público de saúde.

Chegaram os tucanos em São Paulo a propor a aberração de destinar 25% dos leitos do SUS para pacientes conveniados a planos ou seguros de saúde.

Isso sem falar nos preços altíssimos cobrados dos maiores de 59 anos, da luta que é para obrigar as empresas a realizar determinados procedimentos etc.

É momento de uma nova experiência, em que o Estado pode ser mais do que autorizador e regulador, mas orientador. Se há livre concorrência no setor de saúde privado, por que o Poder Público não pode concorrer com as empresas privadas no oferecimento de planos de saúde?

Um caminho para isso é transformar o GEAP (Fundação de Seguridade Social) em um plano público se saúde para concorrer com as instituições privadas, servindo de modelo de gestão e de atendimento ao público.

O GEAP é uma EPFC (entidade fechada de previdência complementar) sem fins lucrativos, criada em 1945, destinada aos servidores públicos e que atende a aproximadamente 700 mil pessoas, por meio de 25 mil prestadores de serviços.

Por meio de uma instituição como o GEAP, ou outra a ser criada, o Poder Público poderia levar novos valores ao mercado e novas expectativas aos consumidores de planos, elevando o patamar de atendimento privado na saúde e atenuando o modelo predatório vigente.

Isso certamente não tira nem reduz a obrigação da União, dos Estados e dos municípios de garantir o atendimento à saúde de todos os brasileiros, por meio do SUS, mas serve como sinalizador para o que se espera do atendimento suplementar.

Comentários[9]
|


Reforma dos planos de saúde no Brasil
(artigo publicado no Blog do Noblat em 15 de janeiro de 2010)

Em que pese os pontos ainda pendentes no Congresso dos EUA, a aprovação da reforma no sistema de saúde norte-americano joga luz sobre a necessidade de pensarmos o modelo que adotamos no Brasil.

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a Constituição de 1988 consagra o SUS (Sistema Único de Saúde) como o mecanismo adequado de atendimento à concepção de uma política universal de Saúde.

Esse valor deve ser preservado, pois reforça o acesso à saúde como um direito humano fundamental. Por isso, as mudanças na saúde complementar constam do Plano Nacional de Direitos Humanos que o governo Lula apresentou ao país.

Mas um dos pontos fundamentais para uma reflexão é a atual situação dos planos de saúde. Em entrevista ao jornal “O Globo”, a médica Ligia Bahia traça um excelente diagnóstico sobre as relações dos planos de saúde privados com o SUS.

Dentre os problemas apontados, está o ressarcimento do SUS pelas operadoras dos planos —afinal, há excelentes hospitais e especialidades que integram a rede pública. Como bem nos explica a médica, atualmente, quando um segurado de um plano privado é atendido pelo SUS, em tese, deveria haver ressarcimento pelo uso do sistema público.

O que ocorre, no entanto, é que os gastos ressarcidos são apenas os de internação eletiva, os aprovados pelas seguradoras. Os demais, inclusive cirurgias e emergências, ficam sob responsabilidade do Estado.

Ou seja, o usuário do plano de saúde acaba contratando a iniciativa privada para usar o serviço público, situação que garante o lucro das operadoras e resulta em prejuízo ao atendimento da população mais carente.

O problema, segundo Ligia, desemboca no custo irreal dos planos no Brasil, que na média é muito baixo porque embute o uso do SUS e seu não ressarcimento. Isso transforma o Brasil no segundo maior mercado do mundo em planos de saúde privados e faz nosso sistema se afastar do objetivo da Constituição, que é a universalização da saúde.

A situação é resultado do “livre trânsito entre o público e o privado”. Afinal, ao longo do tempo, o ressarcimento dos atendimentos prestados pelos SUS aos clientes dos planos privados foi sendo limitado por medidas da ANS (Agência Nacional da Saúde), cuja atuação é preciso repensar também.

Para tentar sanar o problema, o Estado decidiu que iria cobrar pelo atendimento prestado pelo SUS. Mas a iniciativa privada consegue protelar o pagamento na Justiça, por meio de recursos que fazem as ações se arrastarem nos tribunais.

O governo do PSDB no Estado de São Paulo chegou a cogitar, inclusive com proposição de lei, a criação de uma reserva de 25% da capacidade de hospitais públicos administrados como organizações sociais para pacientes de planos de saúde ou particulares.

Um absurdo total, pois seria o mesmo que permitir que uma pessoa pagasse para ter reserva de leito em hospitais públicos.

É preciso lembrar também que uma parcela significativa das verbas para a saúde (cerca de R$ 15 bilhões) deixou de existir na virada de 2007 para 2008, com a atuação da oposição para barrar a CPMF. Esse dinheiro certamente está fazendo falta.

O governo federal tem investido no atendimento do cidadão do final da cadeia da Saúde, aquele que precisa do setor público para ser cuidado. Essa vertente —que prevê dobrar em 2010 as atuais 250 UPAs (Unidades de Pronto Atendimento)— visa deixar os hospitais para os casos mais graves, desafogando o sistema.

Também devemos pensar a relação dos planos privados com o SUS, de forma a exigir deles compromisso maior, no mínimo para o ressarcimento que hoje é fugidio. Além disso, seria interessante transformar o GEAP (Fundação de Seguridade Social) em um plano público alternativo para concorrer com os privados.

Fundamentalmente, é preciso investir mais no sistema universal e transformar em fato o cartão SUS, que possibilitará o acompanhamento do histórico de saúde do cidadão. Esse tema é crucial ao país e voltarei a ele em breve.

Por fim, quero externar meu sincero pesar pela morte da admirável médica Zilda Arns, que legou ao Brasil e ao mundo a Pastoral da Criança, importante instrumento de redução da mortalidade infantil e de universalização do acesso à saúde via sociedade civil. Sua pessoa e sua dedicação deixarão saudades.
 
Comentários[6]
|



Nenhum comentário:

Postar um comentário