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Autor(es): Agencia o Globo |
O Globo - 25/11/2010 |
Escritor paquistanês diz que Brasil deve investir em questões internas para firmar-se como potência Para o escritor e historiador paquistanês Tariq Ali, radicado em Londres, a ansiedade dos países emergentes para conquistar um papel maior na diplomacia global é justificada: os Estados Unidos ainda darão as cartas, mesmo diante de uma eventual que eleve países como o Brasil a membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Membro do conselho editorial da revista New Left Review, uma das bíblias da esquerda britânica desde os anos 60, Ali parece abraçar as polêmicas. Ele nasceu há 67 anos em Lahore, no Paquistão, ainda sob o domínio britânico. Cresceu vendo os pais, ateus e comunistas, romperem com os valores oligárquicos de uma família tradicionalista e, bastou chegar à Universidade Punjab para envolver-se em atividades contra a ditadura em seu país. Foi enviado a Londres para completar os estudos e decidiu, então, estudar o Islã, numa pesquisa que lhe rendeu dezenas de obras sobre História, cultura e política. No Brasil para lançar dois livros, "O Duelo", pela Record, e "O Poder das Barricadas", pela Boitempo Editorial, Ali ataca a hegemonia americana e não hesita em dar conselhos ao Brasil. Renata Malkes Enquanto países emergentes cobram cada vez mais um papel no cenário internacional através das Nações Unidas, na semana passada, a Otan anunciou uma abordagem mais multilateral, englobando atores externos. Como crítico contumaz dos Estados Unidos, o senhor já vê indícios de um mundo pós-americano? TARIQ ALI: Não. Você acha mesmo que haveria alguma mudança mesmo que fosse dado ao Brasil e à Índia um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU? A estrutura das Nações Unidas foi criada para ficar sob o controle de poucos. Não existe democracia na ONU. Os votos da Assembleia Geral são irrelevantes, então é um corpo montado para um show, com o poder verdadeiro atrás do palco. Se os EUA não recorrem à ONU em busca de seus interesses, usam a Otan. E se não acionam a Otan, agem sozinhos. Essa é a política imperialista americana e não importa quem esteja na Casa Branca, seja democrata ou republicano. Mas o fato de países como o Brasil estarem desafiando essa hegemonia, interferindo em negociações no Oriente Médio, por exemplo, não é uma mudança significativa? ALI: Critiquei muito o presidente Lula, sobretudo depois do governo Fernando Henrique Cardoso. Ver Lula seguindo seus passos rumo ao neoliberalismo era triste. Era uma versão tropical de Tony Blair, desesperado para agradar pessoas às quais deveria se opor. Na política externa, Lula foi sábio ao se recusar a compactuar com os planos americanos para desestabilizar Evo Morales e Hugo Chávez, as repúblicas bolivarianas. Também foi contra a instalação de bases militares na Colômbia, mas não deveria ter se deixado convencer tão facilmente por Obama em outras questões. Como na tentativa de mediar as negociações nucleares com o Irã... ALI: Sim, foi uma tentativa que mostrou a política externa do Brasil muito mais balanceada. No caso do Irã, Lula disse que Obama pediu a ele que negociasse! Lula acreditou. Foi ingênuo. Mas ingênuo como milhares de americanos que acreditaram nas mudanças de Barack Obama! A maior falha da política externa brasileira foi enviar tropas ao Haiti, para tratar negros como animais, depois que EUA e França derrubaram o governo Jean-Bertrand Aristide. Na verdade, enquanto o Brasil não der ao povo moradia, educação, saúde, transportes, enquanto os ricos continuarem não pagando impostos, será difícil afirmar-se como força global. A economia brasileira é muito mais frágil do que imagina. Então ainda é prematuro dizer que a era de hegemonia dos EUA está com os dias contados? ALI: Claro! Os EUA ainda são a maior força militar do planeta. No momento, vivem uma crise, mas sempre que impérios se veem em crises econômicas, recorrem a seu poderio militar para recobrar influência. É o que estão fazendo. Destruíram o Iraque e controlaram o petróleo, privatizando toda a indústria, estão ocupando o Afeganistão e querem ficar, porque o país tem fronteiras com a China, garantindo um monitoramento da região. Afinal, qual a importância do Oriente Médio? Petróleo. O Ocidente tenta garantir nos próximos 100 anos fontes baratas de energia. Mas a China também quer isso. Ironicamente, vejo os EUA mais poderosos militar e estrategicamente que nos anos 70 ou 80. E os EUA poderiam recobrar essa influência atacando o Irã? ALI: O que muitos ainda não percebem é que sem Teerã, os americanos jamais conseguiriam ter tomado Iraque e Afeganistão. Tanto Saddam Hussein quanto o Talibã, sunitas, eram inimigos do Irã xiita. Irã e EUA tinha os mesmos inimigos e, por isso, Teerã permitiu a ação americana. Hoje, no Iraque, são os xiitas que recebem apoio americano. O Irã tem observado a movimentação no Afeganistão de perto. Se houver uma ação militar contra o Irã, haverá reflexos no Iraque. Facções xiitas iraquianas engrossariam a resistência. Os xiitas no Líbano, através do Hezbollah, abririam outro front. E ainda há o próprio Irã. Seriam quatro frentes de batalha. E não é isso que os EUA querem. Um Irã nuclear ameaça, de fato, o Ocidente? ALI: O Irã está cercado por estados nucleares. Israel, Paquistão, Índia, submarinos nucleares americanos nos mares, e a elite iraniana, que não é o presidente Mahmoud Ahmadinejad, acha que a melhor maneira de garantir sua segurança é através de poderio nuclear. Por que todos podem, mas eles não? Porque os israelenses querem preservar sua hegemonia nuclear na região. Ahmadinejad não é muito inteligente. Sua retórica radical é apenas uma desculpa; se não fosse ele, seria outro. O melhor modo de dizer não ao Irã é desarmando todo o mundo, criando zonas não nucleares. O senhor afirmou que o presidente Obama é o imperialismo com face humana. Ele é uma decepção? ALI: Quando surge um jovem, bonito, inteligente querendo ser presidente dos EUA, parece uma estrela do rock, um astro de Hollywood. E as pessoas compram isso. Obama é inteligente, fala muito bem, mas sabia que seguiria a política de Bush. As promessas de fechar Guantánamo, pôr fim à tortura, condenar Israel publicamente. Nada aconteceu. Ele joga um jogo difícil e, por isso, perdeu as eleições de meio de mandato, optando pela guerra no exterior e por se render internamente. Seus aliados estão descontentes e sua única chance de reeleição é tendo Sarah Palin como adversária. Desde que assumiu, houve mais ataques aéreos no Paquistão do que nos oito anos de Bush. A ocupação sistemática de outros países apenas contribui para o terrorismo. Diante da ameaça do Talibã e da al-Qaeda, quais as perspectivas após a retirada das tropas americanas? ALI: O Ocidente esqueceu o que é colonialismo e seu impacto sobre as pessoas. A única solução decente para conter o terrorismo e o colapso no Iraque e no Afeganistão é uma retirada completa. Os EUA cometeram cinco grandes falhas: militar, econômica, social, moral e politicamente. Desde a invasão, morreram muito mais civis em ataques, e o desejo de vingança aumenta. No Paquistão, 70% da população veem os EUA como ameaça. Apesar da hostilidade, isso não significa que sejam simpáticos à insurgência armada. Os paquistaneses odeiam o Talibã! Tanto iraquianos quanto afegãos dizem que viviam melhor antes da guerra, mas ainda assim não vejo uma vitória de elementos radicais sobre a desesperança das pessoas. Quem é o maior perdedor dessas estratégias de guerra desastradas? ALI: Se tiver que eleger um país, digo que é o Paquistão, diretamente atingido pelo conflito no Afeganistão. O governo paquistanês cumpre ordens dos EUA e manda que o Exército acabe com o Talibã no Waziristão, próximo à fronteira afegã. É um erro! Mais e mais civis morrem e refugiados se juntam a dois milhões de pessoas já deslocadas de suas casas. O resultado é mais ódio e mais sede de vingança. Alguns analistas conservadores temem que as armas nucleares de Islamabad caiam em mãos erradas... ALI: Essas alegações são irreais. Você imagina colonos judeus radicais tomando o programa nuclear de Israel? Ou os fanáticos do Tea Party, as armas nucleares americanas? Não! Então por que o Paquistão? Ah, porque é o único país islâmico com capacidade nuclear. Isso incomoda. |
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