A queda da taxa Selic, que indica os juros básicos da economia, não está se refletindo em juros menores para os tomadores finais de empréstimos e financiamentos. Esse movimento contraditório está sendo impulsionado pelo spread bancário (diferença entre as taxas que as instituições financeiras pagam para captar recursos e as que cobram do cliente final) que está no nível mais alto em dois anos, de acordo com o Banco Central (BC).
Em agosto, segundo os dados mais recentes divulgados pelo BC, o spread atingiu 27,8% ao ano, percentual mais alto desde maio de 2009. Se for considerado apenas o crédito para as pessoas físicas, a diferença entre os juros de captação e aplicação correspondeu a 34,4% ao ano, maior nível desde julho de 2009. Em relação aos empréstimos para as empresas, o spread bateu recorde e alcançou 19% ao ano.
A diferença pode ser observada quando se compara a evolução das taxas usadas na captação, quando as instituições financeira pegam dinheiro emprestado dos correntistas e oferecem juros em aplicações como poupança e CDB, e nos juros cobrados na concessão de crédito. A taxa média de captação caiu de 12,3% ao ano em julho para 11,9% em agosto.
Esse movimento foi influenciado pelo corte de 0,5 ponto percentual na taxa Selic para 12% ao ano decidido pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central no fim de agosto. Os juros médios pagos pelos tomadores de empréstimos e financiamento, no entanto, não tiveram a mesma trajetória. A taxa média de aplicação, como o BC chama os juros dos clientes finais, permaneceu em 39,7% ao ano em agosto.
De acordo com o professor de Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV) Fabio Gallo, a alta do spread bancário é explicada pelo aumento da inadimplência, que em agosto atingiu o maior nível desde maio de 2010 para as pessoas físicas e o maior nível desde outubro de 2009 para as empresas. “A inadimplência atinge fortemente o spread bancário. Sempre é assim, os bancos cobram de todos o que alguns clientes não pagam”, diz.
As medidas de contenção do crédito tomadas pelo Banco Central no fim do ano passado, segundo o professor, influenciaram o aumento do spread no início do ano. Ele, no entanto, diz que essas ações atualmente têm pouco peso na diferença das taxas usadas na captação e nos empréstimos. “As medidas macroprudenciais já estão refletidas na taxa”, explica.
Na avaliação do especialista, o aumento da inadimplência é consequência da expansão do crédito experimentada nos últimos anos, acompanhada da falta de planejamento financeiro dos tomadores. “Os brasileiros, principalmente a nova classe C, se endividaram demais para consumir e não conseguem arcar com os financiamentos”, declara. O principal erro apontado pelo professor consiste em calcular a prestação com base nos anúncios das lojas, desconsiderando despesas extras como impostos, seguro e emplacamento de veículos.
O economista afirma que o cadastro positivo, que relaciona os bons pagadores e está em vigor desde junho, deve frear o spread bancário. No entanto, ele diz que os efeitos levarão pelo menos um ano para serem sentidos. “É uma questão cultural. O cadastro positivo só se consolidará à medida que as pessoas e empresas aderirem [a ele].”
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