12/10/2011 | |
Um grupo de 30 organizações sociais de defesa ambiental e dos direitos humanos na Amazônia divulgou nesta terça-feira (11), em Rio Branco (AC), uma carta em que criticam duramente a política do “governo da floresta”, como é conhecida a administração estadual do Acre. A informação é de Altino Machado e publicada por Terra Magazine, 11-10-2011. - Talvez em nenhum outro momento os pecuaristas e madeireiros tenham encontrado cenário mais favorável - assinalam. Trata-se da crítica pública mais contundente do movimento social aos petistas que comandam há quase 13 anos a agenda política do sociambientalismo no Estado. Dentre os signatários da carta, a Comissão Pastoral da Terra e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, que destacam a “manipulação da figura de Chico Mendes” no Acre. Eis o documento. “CARTA DO ACRE Estivemos reunidos em Rio Branco - AC, entre os dias 3 a 7 de outubro de 2011 na Oficina: Serviços Ambientais, REDD e Fundos Verdes do BNDES: Salvação da Amazônia ou Armadilha do Capitalismo Verde? Estávamos presentes, organizações socioambientais, de trabalhadoras e trabalhadores da agricultura familiar, organizações de Resex e Assentamentos Extrativistas, de direitos humanos (nacionais e internacionais), organizações indígenas, organizações de mulheres, pastorais sociais, professores, estudantes e pessoas da sociedade civil comprometidas com a luta “dos de baixo”. Percebemos a formação de um consenso em torno da ideia de que, desde 1999, com a eleição do governo da Frente Popular do Acre (FPA), foram tomadas iniciativas para a implantação de um “novo modelo” de desenvolvimento. Desde então, tal modelo é celebrado como primor de harmonia entre desenvolvimento econômico e conservação da floresta, de seus bens naturais e do modo de vida de seus habitantes. Com forte apoio dos meios de comunicação, de sindicatos, de ONGs promotoras do capitalismo verde na região amazônica, de bancos multilaterais, de oligarquias locais, de organizações internacionais, ele é apresentado como “modelo exitoso”a ser seguido por outras regiões do Brasil e do mundo. Nesses dias, tivemos oportunidade de conhecer, em campo, algumas iniciativas tidas como referência no Acre. Vimos de perto os impactos sociais e ambientais do “desenvolvimento sustentável” em curso no estado. Visitamos o Projeto de Assentamento Agroextrativista Chico Mendes, Fábrica de Preservativos NATEXe o Seringal São Bernardo (Projeto de Manejo Florestal Sustentável das Fazendas Ranchão I e II). As visitas nos colocaram diante de um cenário bastante distinto daquilo que é propagandeado nacional e internacionalmente. No Seringal São Bernardo, pudemos constatar que o atendimento dos interesses das madeireiras se faz em detrimento dos interesses das populações locais e da conservação da natureza. Mesmo as questionáveis regras dos planos de manejo são desrespeitadas e, segundo dizem os moradores, com conivência de gestores estatais. No caso doProjeto de Assentamento Agroextrativista Chico Mendes Cachoeira (em Xapuri), constatamos que os moradores continuam subjugados ao domínio monopolista, atualmente vendem a madeira para a empresa “Laminados Triunfo” a R$ 90,00 o m3, quando a mesma quantidade de madeira chega a valer até R$ 1.200,00 na cidade. Por isso, endossamos a reivindicação de diversas comunidades pela suspensão dos famigerados projetos de manejo. Solicitamos a apuração de todas as irregularidades e exigimos a punição dos culpados pela destruição criminosa dos bens naturais. Os dias em que tivemos reunidos foram dedicados ainda ao estudo sobre Serviços Ambientais, REDD e Fundos Verdes do BNDES. Compreendemos o papel dos Bancos (Banco Mundial, FMI, BID e BNDES), ONG´s comprometidas com o capitalismo verde, tais como WWF, TNC e CI; bem como o papel de outras instituições como ITTO, FSC eUSAID, setores da sociedade civil e Governos Estadual e Federal que têm se aliado ao capital internacional na intenção de mercantilizar o patrimônio natural da Amazônia. Ressaltamos que, além de desprovida de amparo constitucional, a Lei N° 2.308, de 22 de outubro de 2010, que regulamenta o Sistema Estadual de Incentivo a Serviços Ambientais foi criada sem o devido debate com os setores da sociedade diretamente impactados por ela, isto é, os homens e mulheres dos campos e da floresta. Reproduzindo servilmente os argumentos dos países centrais, os gestores estatais locais a apresentam como uma forma eficaz de contribuir com o equilíbrio do clima, proteger a floresta e melhorar a qualidade de vida daqueles que nela habitam. Deve-se dizer, entretanto, que a referida lei gera “ativos ambientais” para negociar os bens naturais no mercado de “serviços ambientais”, como o mercado de carbono. Trata-se de um desdobramento da atual fase do capitalismo cujos defensores, no intuito de assegurar sua reprodução ampliada, lançam mão do discurso ambiental para mercantilizar a vida, privatizar a natureza e espoliar as populações do campo e da cidade. Pela lei, a beleza natural, a polinização de insetos, a regulação de chuvas, a cultura, os valores espirituais, os saberes tradicionais, a água, plantas e até o próprio imaginário popular, tudo passa a ser mercadoria. A atual proposta de modificação do Código Florestal complementa esta nova estratégia de acumulação do capital, ao autorizar a negociação das florestas no mercado financeiro, com a emissão de “papéis verdes”, a chamada Certidão de Cotas de Reserva Ambiental (CCRA). Desse modo, tudo é colocado no âmbito do mercado para ser gerido por bancos e empresas privadas. Embora apresentada como solução para o aquecimento global e para as mudanças climáticas, a proposta do REDD permite aos países centrais do capitalismo manterem seus padrões de produção, consumo e, portanto, também de poluição. Eles continuarão consumindo energia de fontes que produzem mais e mais emissões de carbono. Historicamente responsáveis pela criação do problema, agora propõe uma “solução” que mais atende a seus interesses. Possibilitando a compra do “direito de poluir”, mecanismos como o REDD forçam as denominadas “populações tradicionais” (ribeirinhos, indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco, seringueiros etc.) a renunciarem a autonomia na gestão de seus territórios. Com isso, embaralham-se os papeis. O capitalismo, civilização mais predadora da história da humanidade, não representaria nenhum problema. Ao contrário, seria a solução. Os destruidores seriam agora os grandes defensores da natureza. E aqueles que historicamente garantiram a conservação natural são, agora, encarados como predadores e por isso mesmo são criminalizados. Não surpreende, portanto, que recentemente o Estado tenha tornado mais ostensiva a repressão, a perseguição e até expulsão das populações locais de seus territórios. Tudo para assegurar a livre expansão do mercado dos bens naturais. Com o indisfarçável apoio estatal, por esse e outros projetos o capital hoje promove e conjuga duas formas de re-territorialização na região amazônica. De um lado, expulsa povos e comunidades do território (como é o caso dos grandes projetos como as hidrelétricas), privando-os das condições de sobrevivência. De outro, tira a relativa autonomia daqueles que permanecem em seus territórios, como é o caso das áreas de conservação ambiental. Tais populações até podem permanecer na terra, mas já não podem utilizá-la segundo seu modo de vida.Sua sobrevivência não seria mais garantida pelo roçado de subsistência - convertido em ameaça ao bom funcionamento do clima do planeta -, mas por “bolsas verdes”, que, além de insuficientes, são pagas para a manutenção da civilização do petróleo. Cientes dos riscos que tais projetos trazem, rechaçamos o acordo de REDD entreCalifórnia, Chiapas, Acre que já tem causado sérios problemas a comunidades indígenas e tradicionais, como na região de Amador Hernández, em Chiapas, México. Por isso nos solidarizamos com as populações pobres da Califórnia e Chiapas que já têm sofrido com as consequências. Solidarizamo-nos também com os povos indígenas doTIPNIS, na Bolívia, sob ameaça de terem seu território violado pela estrada que liga Cochabamba a Beni financiada pelo BNDES. Estamos num estado que, nos anos de 1970-80, foi palco de lutas históricas contra a expansão predatória do capital e pela defesa dos territórios ocupados por povos indígenas e populações camponesas da floresta. Lutas que inspiraram muitas outras no Brasil e no mundo. Convertido, porém, a partir do final da década de 1990, em laboratório do BID e do Banco Mundial para experimentos de mercantilização e privatização da natureza, o Acre é hoje um estado “intoxicado” pelo discurso verde e vitimado pela prática do “capitalismo verde”. Dentre os mecanismos utilizados a fim de legitimar essa ordem de coisas, ganha destaque a manipulação da figura de Chico Mendes. A crer no que nos apresentam, deveríamos considerá-lo o patrono do capitalismo verde. Em nome do seringueiro, defende-se a exploração de petróleo, o monocultivo da cana-de-açúcar, a exploração madeireira em larga escala e a venda do ar que se respira. Ante tal quadro, cumpre perguntar o que mais não caberia nesse modelo de “desenvolvimento sustentável”. Talvez em nenhum outro momento os pecuaristas e madeireiros tenham encontrado cenário mais favorável. É por essa razão que cremos necessário e urgente combatê-lo posto que, sob aparência de algo novo e virtuoso, ele reproduz as velhas e perversas estratégias de dominação e exploração do homem e da natureza. Por fim deixamos aqui nossa reivindicação pelo atendimento das seguintes demandas: reforma agrária, homologação de terras indígenas, investimentos em agroecologia e economia solidária, autonomia de gestão dos territórios, saúde e educação para todos, democratização dos meios de comunicação. Em defesa da Amazônia, da vida, da integridade dos povos e de seus territórios e contra o REDD e a mercantilização da natureza. Estamos em luta. Rio Branco, Acre, 11 de outubro de 2011 Assinam esta carta: Assentamento de Produção Agro-Extrativista Limoeiro-Floresta Pública do Antimary (APAEPL) Amazonlink Cáritas - Manaus Centro de Defesa dos Direitos Humanos e Educação Popular do Acre (CDDHEP/AC) Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (CEPEDES) Comissão Pastoral da Terra - CPT Acre Conselho Indigenista Missionário - CIMI Regional Amazônia Ocidental Conselho de Missão entre Índios - COMIN Assessoria Acre e Sul do Amazonas Coordenação da União dos Povos Indígenas de Rondônia, Sul do Amazonas e Noroeste do Mato Grosso - CUNPIR FERN Fórum da Amazônia Ocidental (FAOC) Global Justice Ecology Project Grupo de Estudo sobre Fronteira e Identidade - Universidade Federal do Acre Instituto Madeira Vivo (IMV-Rondônia) Instituto Mais Democracia Movimento Anticapitalista Amazônico - MACA Movimento de Mulheres Camponesas (MMC - Roraima) Nós Existimos - Roraima Núcleo Amigos da Terra Brasil Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental -Universidade Federal do Acre. Oposição Sindical do STTR de Brasiléia Rede Acreana de Mulheres e Homens Rede Alerta Contra o Deserto Verde Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bujarí (STTR - Bujarí) Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri (STTR- Xapuri) Terra de Direitos União de Mulheres Indígenas da Amazonia Brasileira World Rainforest Movement (WRM)” |
quarta-feira, 12 de outubro de 2011
Carta de 30 entidades critica ''governo da floresta'' por mercantilização da natureza
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