sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Engenheirando alimentos para todos

Jornal da Ciência (JC E-Mail)
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Edição 4360 - Notícias de C&T - Serviço da SBPC
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Artigo* de Nina V. Federoff publicado originalmente no New York Times, de 11 de agosto, em 'The opinion pages'.


O preço dos alimentos está em níveis recordes e as fileiras dos esfomeados estão crescendo novamente.  O aquecimento climático começa a agredir cultivos em todo o mundo. As Nações Unidas informam que teremos entre um a três bilhões de pessoas a mais para alimentar no meio do século.

Apesar da administração Obama dizer que deseja estimular a inovação eliminando exigências desnecessárias, a Agência de Proteção Ambiental (E.P.A.) deseja ainda mais estudos sobre culturas geneticamente modificadas, que têm sido geradas usando tecnologias de grande potencial e exibem uma trajetória segura. O processo de aprovação dessas plantas tem sido tão caro e complexo que está estrangulando a inovação.

A civilização depende da expansão de nossa capacidade de produzir alimentos eficientemente, o que tem sido bastante acelerado graças à ciência e à tecnologia. O uso de produtos de síntese para adubação e para o controle de pragas e doenças agrícolas, a indução de mutações favoráveis por meio de produtos químicos ou radiação para aumentar o rendimento do plantio e a mecanização da agricultura possibilitaram aumentar até 10 vezes, nos últimos 100 anos, a quantidade de alimento que pode ser produzido em cada hectare de terra.

Esse resultado extraordinário deve ser duplicado até 2050 para que continuemos a alimentar a população crescente. Além disso, como as populações se tornam mais abastadas no mundo todo, passarão a exigir dietas mais ricas em proteína animal, o que vai consumir ainda mais culturas que forneçam a ração necessária.

Os novos métodos moleculares que adicionam ou modificam genes podem proteger plantas de doenças e pragas e criar cultivares que não só superam o desempenho dos métodos clássicos como são mais benignos para o meio ambiente. Isto acontece porque as modificações nos genes são baseadas no conhecimento da função gênica, em contraste com os métodos aleatórios utilizados no melhoramento convencional ou usando mutagênicos químicos ou radiação para induzir mutações. Os resultados têm sido espetaculares.

Por exemplo, plantas modificadas geneticamente, contendo um gene a mais que confere resistência a certos insetos, utilizam muito menos pesticidas. Isto é bom para o meio ambiente já que pesticidas tóxicos reduzem o alimento disponível para pássaros e são carregados do solo para rios, lagos e oceanos.

A rápida adoção da soja geneticamente modificada e tolerante a herbicidas permitiu a agricultores darem um descanso a seus equipamentos mecanizados e esquecer a aragem para controle de ervas daninhas. O plantio direto é mais sustentável e amigável para o ambiente porque reduz a erosão do solo e diminui a liberação de carbono pela agricultura.

Em 2010, culturas modificadas por métodos moleculares foram cultivadas em 29 países ocupando mais de 360 milhões de acres. Dos 15,4 milhões de agricultores envolvidos, 90% são pobres e pequenos produtores. A razão pela qual os agricultores adotam as plantas geneticamente modificadas é simples: o rendimento aumenta e os custos são reduzidos.

Há uma abundância de mitos sobre os terríveis efeitos dos alimentos geneticamente modificados na saúde e no meio ambiente, os quais não foram confirmados quando examinados cientificamente. Apesar de muitos expressarem preocupações sobre consequências potenciais não esperadas, os efeitos não esperados foram benéficos. A contaminação por toxinas fúngicas carcinogênicas, por exemplo, chega a ser 90% menor no milho geneticamente modificado resistente a insetos em comparação com o milho convencional. Isto porque o fungo se vale do dano causado pelo inseto para colonizar a planta. Sem furos causados pelo inseto, não há fungo e não há toxina.

No entanto, atualmente, temos apenas um punhado de plantas geneticamente modificadas: principalmente soja, milho, canola e algodão. Todas são mercadorias de grande valor usadas para alimentação animal e para fornecer fibra, e todas foram desenvolvidas por grandes empresas de biotecnologia. Apenas grandes empresas podem contar com os recursos necessários para vencer o labirinto de exigências criado pelas três agências do governo que regulam o setor nos EUA: a Agência de Proteção Ambiental (E.P.A.), o Departamento de Agricultura e a Administração de Alimentos e Medicamentos (F.D.A.).

Há décadas, quando os métodos moleculares para melhoria de plantas eram novidade, havia alguma lógica para cuidados especiais. Mas agora temos evidências. Esses métodos de modificação não são perigosos. A União Europeia gastou mais de 425 milhões de euros estudando, por 25 anos, a segurança das plantas geneticamente modificadas. Seu relatório extenso e recente pode ser resumido em uma sentença: a modificação de plantas por métodos moleculares não é mais perigosa do que a modificação por outros métodos. Instituições científicas sérias que analisaram a questão, incluindo a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos da América e a Sociedade Real da Inglaterra, chegaram à mesma conclusão.

É tempo de aliviar a carga de exigências que está atrasando o desenvolvimento de plantas geneticamente modificadas. As três agências americanas precisam desenvolver um único conjunto de exigências focadas exclusivamente nos perigos possíveis - se existirem - em novas características. E, o mais importante, o governo deve parar de dificultar modificações genéticas para as quais não existe evidência, cientificamente válida, de risco.

Nina V. Fedoroff  foi assessora de ciência e tecnologia da Secretaria de Estado dos EUA de 2007 a 2010 e é docente na Pennsylvania State University. Recebeu em 2006 a Medalha Nacional de Ciência, o mais alto prêmio concedido pelo governo dos Estados Unidos para uma carreira científica. Tem extensa lista de publicações na área de biologia molecular de plantas

*Artigo traduzido por Francisco G. Nóbrega, da USP.

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