segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Celeiro do Mundo: potencialidades existentes versus fragilidades que precisam ser minimizadas via investimentos científicos e tecnológicos

8. Jornal da Ciência (JC E-Mail)
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Edição 4425 - Notícias de C&T - Serviço da SBPC
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artigo de André Cabral de Souza

André Cabral de Souza é chefe do Departamento de Fomento, Análise e Acompanhamento Técnico 1 - Ciências Exatas e da Terra da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Artigo enviado ao JC Email pelo autor.
Atualmente se observa um crescimento acelerado da população mundial e uma maior preocupação de Organismos Internacionais com o meio ambiente. Esta questão leva à busca de mecanismos que elevem a quantidade ofertada de alimentos ou de produtos e que demandem menores usos dos recursos naturais existentes e que reduzam (ou que provoquem em condições inversamente proporcionais) os impactos ambientais. Isto não só na extração de insumos básicos, mas também nas fases da produção, da transformação e da comercialização de bens de consumo não-duráveis - que são disponibilizados ao mercado. Razão pela qual, mundialmente, defende-se e ou prioriza-se o crescimento verde.
 
Para um país como o Brasil, que é dotado de excelentes condições edafoclimáticas¹, acompanhadas de uma das maiores reservas hídricas (13% da água doce do planeta), de grandes reservas de minerais² - muitos dos quais utilizados na agropecuária - e de uma extensa Amazônia Azul (4,5 milhões de quilômetros quadrados), buscar mecanismos que elevem a produção de alimentos e a produtividade das lavouras e das criações, de uma forma sustentável, representa um importante fator para o crescimento econômico e para a melhoria social.
 
Diante destes fatos, deve-se ter em mente que a dependência externa de insumos, de produtos e de tecnologias, além de ser um fator preocupante e que fragiliza o crescimento de cadeias do agronegócio, compromete todas as vantagens naturais que o Brasil possui e que impactam positivamente nos preços finais exercidos pelo País.
 
Para se ter uma visão mais ampla destas dependências, deveríamos nos remeter ao mercado de sementes, onde existem contratos entre empresas e agricultores que estabelecem taxas de transferência tecnológica e a condicionante que impede a armazenagem de sementes de uma safra para o replantio na seguinte³.  Podemos afirmar que o Brasil deve buscar a inversão ou redução de dependências, adotando, em paralelo, fatores qualitativos de gestão (rural), de produção, de armazenagem e de comercialização e que tenham a sustentabilidade como um dos pilares4.
 
Para tanto, faz-se necessária a aplicação de mecanismos que minimizem o custo dos capitais a serem investidos em programas de P&D e que incentivem às empresas a correrem os riscos existentes em investimentos de longo prazo. Desta forma, acredita-se que o País conseguirá proporcionar produtos ou processos diferenciados e incentivar a utilização da agregação de valores como ferramenta competitiva. Cabendo ao governo o papel de facilitador e articulador entre os segmentos privado e público.
 
De forma a ilustrar e confirmar os altos custos e o extenso período relacionados com a atividade de pesquisa, utilizamos os setores abaixo como exemplo:
 

 
Objetivando proporcionar uma visão mais ampla da problemática e das necessidades do agronegócio, podemos citar:
 
- Na avicultura, especialistas apontam que é fundamental incentivar o desenvolvimento de equipamentos e/ou sistemas que melhorem a renovação do ar interior dos galpões, uma vez que a ambiência criatória é um dos principais gargalos;
 
- Na suinocultura deveríamos apoiar o desenvolvimento de equipamentos que utilizem o gás metano - produzido na criação - para gerar força motriz e calor. Um especialista lembra que o uso eficiente da biomassa disponível no meio rural, para gerar energia elétrica ou térmica é extremamente importante, sendo estratégico tornar acessível a todos os produtores. Para isso, deparamos com a exigência do desenvolvimento de novos equipamentos, procurando não permitir a restrição às multinacionais atuantes no segmento;
 
- Na aqüicultura e pesca faz-se necessário informar que, segundo a FAO, os produtos pesqueiros continuam sendo os mais comercializados. Entretanto, depara-se com uma problemática de crescimento permanente de consumo per capita (22 Kg/ano) e uma produção mundial no limite. Esta situação exige a busca de mecanismos / ferramentas que promovam a oferta de peixe capturado de uma forma sustentável e, principalmente, a de cultivado - o que exige novos padrões de captura, produção e processamento;
 
- No que se refere às sementes, como o cultivar é responsável por 50% do rendimento final de uma lavoura, elas exercem um importante papel na evolução da produção e oferta de alimentos. Como exemplo, podemos citar os grãos, onde uma liderança setorial do País aponta que, muito embora o crescimento da área plantada tenha sido de 30% nos últimos 20 anos, na produção observa-se uma elevação de 175%, utilizando os mesmos 49 milhões de hectares - corroborando melhores índices de produtividade.  
 
A título de informação, podemos destacar que, dez anos após a aprovação da Lei de Cultivares, observa-se no Brasil um processo crescente de concentração do mercado de sementes5;
 
- O Brasil precisa reverter a alta dependência de enzimas, vitaminas e ácidos orgânicos importados, que são utilizados nas criações e que, em alguns casos, são produzidos pelos exportadores com produtos nacionais (milho por exemplo);
 
- O Brasil é altamente vulnerável às oscilações em mercados de fertilizantes e defensivos. Para se ter uma idéia, a dependência brasileira de importações de cloreto de potássio atinge 90%. Isto induz a necessidade da redução da dependência de insumos agropecuários não renováveis6;
 
- Com o crescimento da importância da economia verde, torna-se estratégica a busca de mecanismos que promovam a conservação dos recursos naturais; o gerenciamento do uso da água; a busca por fontes alternativas de calor e de força motriz e, finalmente, o desenvolvimento de produtos/processos que gerem menores impactos no meio ambiente (exemplos seriam defensivos orgânicos, controle biológico, fertilizantes naturais);
 
- Sobre máquinas e implementos, percebe-se que no Brasil três grandes empresas dominam, aproximadamente, 90% do mercado. Outra situação que se observa é a investida de grupos estrangeiros (europeus e asiáticos) no sentido de empresas nacionais venderem a parte de fabricação dessas máquinas e implementos, ficando o capital nacional somente com a venda e a distribuição, via a importação dessas máquinas, o que precisamos reverter7;
 
- Um membro da comunidade científica do setor aponta que deveríamos incentivar a formação de plataformas acessíveis à comercialização no campo, que possam ser feitas pelo celular ou por pequenos equipamentos de TI. Certamente, o agricultor precisa ter acesso às informações de forma fácil com relação à cotação de adubos, defensivos etc. e que facilite a comercialização, o pagamento de operações, via celular, e o acesso a cotações.  Segundo ele, a FAO vem testando e operando estes sistemas em alguns países da Ásia, com apoio de empresas de telefonia e de bancos;
 
- Tecnologia de precisão é fundamental, pois permite utilizar o momento ideal para o plantio, a colheita, o uso adequado de sementes, de adubos, de água, obtendo melhores resultados na produção e na conservação dos recursos naturais;
 
- É fato consumado que o grau de sofisticação dos equipamentos usados no agronegócio é maior e que o uso da informática (automação) é uma realidade, o que nos remete à importância de fornecer meios às empresas nacionais do setor de se modernizarem e ofertarem equipamentos atualizados tecnologicamente;
 
- Como a logística sempre se mostra como outro problema, e que repercute negativamente no custo de produtos coletados, especialistas apontam que precisamos de sistemas que definam a forma e as rotas de distribuição e de armazenagem. Principalmente quando falamos de produtos com alto grau de perecibilidade, que são os disponibilizados pelo agronegócio.
 
Diante do exposto, e procurando minimizar as conseqüências futuras dos verdadeiros monopólios tecnológicos, considero que o Brasil deveria focar a atuação em projetos ou programas que:
 
- Promovam o desenvolvimento ou melhoria de equipamentos ou sistemas aplicados às culturas (tanto na parte de produção, como de armazenagem e de comercialização);
- Promovam o desenvolvimento de ferramentas / sistemas gerenciais aplicados ao agronegócio, principalmente as que usem a TI como elemento;
- Desenvolvimento de equipamentos para produção e / ou uso da biomassa8;
- Desenvolvimento de projetos que levem a uma auto-suficiência de nitrogenados e fosfatados;
- Desenvolvimento de projetos que promovam a redução da oligopolização / monopolização dos mercados de insumos.
 
Notas:
1 Leia-se clima, relevo, temperatura, radiação, umidade do ar, tipo de solo, vento, precipitação etc
2 O País possui mais de 55 minerais diferentes. No minério de ferro o Brasil possui a maior reserva mundial, o Nóbio tem suas maiores reservas ocidentais no País, Bauxita (13,5%), cobre, ouro, estanho, níquel, manganes (sexta maior reserva), zinco, potássio, além de metais não-metálicos como carvão, gás natural, calcário, fosfato e petróleo.
 3 Diante de dificuldades encontradas pelas empresas de se fazer cumprir as exigências impostas pelos contratos, estas empresas desenvolveram duas tecnologias genéticas , conhecidas como Terminator ( introdução de 3 genes de ações distintas, no genoma de sementes de interesse, com o objetivo de tornar estéril a segunda geração)  e Traitor ( alterar geneticamente uma planta para que a expressão de determinadas proteínas no vegetal esteja condicionada à aplicação de uma substância química capaz de ativar ou desativar características específicas).
4 Alguns artigos apontam que o baixo nível tecnológico encontrados ainda em algumas cadeias e/ou propriedades não se explica apenas pela falta de tecnologias adequadas e sim pela falta de capacidade e condições de absorvê-las. O que confirma a importância não só, das tecnologias de processo, de materiais e de produtos e serviços, mas também, das tecnologias de informação e de gestão.
5 Exemplificando, citamos o milho, onde foram recomendadas, na safra de 2007/2008, 310 cultivares, das quais 58% de empresas multinacionais, 21 % de nacionais e 21% de instituições públicas de pesquisa. Outro bom exemplo seria a soja, onde dos 341 cultivares recomendados, as instituições públicas de pesquisa responderam por 49% da oferta, as empresas nacionais 23% e as multinacionais 28 %.
6 Assim, afirmaríamos que a descoberta, nos últimos cinco anos, de importantes depósitos de fosfato, potássio e calcário (calcítico/dolomítico) na região central do Brasil , precisa ser explorada e pesquisada.
7 Principalmente quando já convivemos com a elevação dos índices de importação dos produtos deste setor. Para se ter uma idéia, em setembro de 2010 o Brasil gastou U$ 49,7 milhões em compras no exterior de máquinas e implementos agrícolas.
8 A matriz energética renovável do Brasil possui 47% de recursos, contra 13% do mundo. 

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