quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Trabalho, competitividade e escolhas do País

Autor(es): José Pastore
O Estado de S. Paulo - 17/01/2012

Segundo dados publicados no Estadão de 23/12/2011 e referentes a 2010, o custo do fator trabalho na indústria brasileira é um dos mais baixos entre os 34 países normalmente estudados pelo Ministério do Trabalho dos Estados Unidos. No Brasil, o salário/hora médio do setor manufatureiro ficou em torno de US$ 10. Nos Estados Unidos, foi mais de US$ 34; na Holanda, US$ 40; na Alemanha, US$ 44; e na Noruega, US$ 57 (todos com encargos).
Nessa comparação, a indústria brasileira estaria em condições de competir no campo do trabalho com larga margem. Ocorre, porém, que os países que mais nos incomodam (tirando do Brasil milhões de bons empregos) não são esses, e, sim, os que têm custos trabalhistas inferiores, em especial do Leste Europeu, da Ásia e da América Central. O salário médio industrial da Estônia, que tem alto nível de educação e de produtividade, é menor que o brasileiro - US$ 9,47 por hora; na Hungria é de US$ 8,40; em Taiwan, US$ 8,36; na Polônia, US$ 8,01; no México, US$ 6,23; nas Filipinas, US$ 1,90; e na China, US$ 1,36 (Bureau of Labor Statistics, International comparisons of hourly compensation costs in manufacturing, Washington, 2011).
O Brasil compete pouco com os países de alta sofisticação tecnológica e elevada produtividade do trabalho como é o caso da Alemanha, Suíça, Bélgica, Dinamarca, Suécia, Japão, Inglaterra e outros. A concorrência é acirrada com as nações emergentes.
O Brasil ocupou o segundo lugar entre os países que tiveram maior aumento de salário entre 2009 e 2010, superado apenas pela Argentina. O custo do trabalho foi afetado também por um rápido aumento dos benefícios negociados, dos pisos salariais e das despesas criadas por intervenções do Estado, como é o caso do aumento do seguro de acidentes, das cobranças de contribuições sociais sobre verbas indenizatórias, das incertezas dos nexos causais nas doenças profissionais, das licenças ampliadas, do novo aviso prévio, da insegurança do trabalho a distância e terceirizado e várias outras.
É verdade que persiste entre nós um forte dualismo: uma parcela imensa da força de trabalho ganha pouco e trabalha na informalidade. Mas, no campo industrial, essa parcela é pequena e cadente. Ali, os profissionais especializados usufruem salários e benefícios que vão muito além da média de US$ 10.
Para o setor industrial o Brasil deixou de ser competitivo no campo do trabalho. Em certa medida isso vale também para o setor agrícola e o de serviços quando se trata de profissionais qualificados e que dominam as tecnologias modernas.
Os últimos dados sobre os Estados Unidos revelam que o setor privado vem reduzindo salários de admissão não só por força da crise, mas também para atrair de volta uma parte dos empregos que foram para a Ásia. Ao longo de 2010 foram muitas as novas contratações por US$ 12 a US$ 19 por hora, ante US$ 21 a US$ 32 dos empregados mais antigos. Isso ocorre até na indústria automobilística, que sempre foi o paraíso dos altos salários. Os americanos entenderam ser melhor perder alguns dólares nos salários para reter vários milhões de empregos. Esse foi o tema de uma série de artigos bem documentados do The New York Times e que recebeu o sugestivo título de Working for less.
A continuar no ritmo atual, o custo do trabalho no Brasil vai se aproximar do dos Estados Unidos, podendo até ultrapassar, quando se levar em conta o diferencial de produtividade. Muitos já dizem que, em vários setores, o custo unitário do trabalho está mais alto no Brasil do que na América. Estamos diante de um quadro em que a "generosidade" das leis, das ações sindicais e das sentenças judiciais se transforma rapidamente em prejudicial perversidade. Este é um tempo de escolha. Não devemos desprezar as lições dos países em crise.

Dependência das commodities ameaça economia, diz Palma

Autor(es): João Villaverde | De São Paulo
Valor Econômico - 17/01/2012
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2012/1/17/dependencia-das-commodities-ameaca-economia-diz-palma
 

Gabriel Palma, da Universidade de Cambridge: "A desindustrialização que está ocorrendo no Brasil é inconcebível"
O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro não pode e não vai crescer mais do que 3,5% a 4% ao ano, porque o governo não criou as condições para crescer acima disso sem gerar distúrbios sérios, avaliou o economista chileno Gabriel Palma, professor da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
Um dos maiores especialistas em desenvolvimento econômico e América Latina do mundo, Palma critica a visão "excessivamente otimista" com a economia brasileira, para ele sustentada artificialmente pelos preços elevados das commodities e o forte ingresso de capitais estrangeiros, impulsionados por um mundo em crise.
"A desindustrialização que está ocorrendo no Brasil é inconcebível. É preciso, urgentemente, criar um modelo alternativo de política industrial para que o PIB cresça acima de 4% ao ano de maneira sustentável", disse. Para ele, a indústria é central para o país evitar a armadilha das commodities, que contamina os países latino-americanos, e em especial Brasil e Chile.
"Se o preço do cobre [principal produto exportado pelo Chile] voltar ao normal, isto é, aos níveis em que esteve em toda a história à exceção dos últimos dez anos, o déficit em conta corrente como proporção do PIB saltará 18 pontos percentuais. No Brasil, se as commodities recuarem, o déficit corrente saltará entre 5 e 6 pontos percentuais como proporção do PIB", afirmou Palma.
Segundo o economista, os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff perderam uma oportunidade histórica, dada pela crise mundial iniciada em 2008, de desenvolver a indústria nacional. "O Brasil cresce sobre bases que o governo não tem controle, como o fluxo de capitais externos e os preços das commodities", disse. "Na hora que isso mudar de mão, o Brasil terá sérios problemas."
Defensor do controle de capitais, Palma também entende que a taxação aplicada pelo governo não é eficaz. "O investidor que recolhe IOF é aquele que tem um mau contador. Os controles no Brasil são muito porosos, o mercado pode escapar facilmente."
Palma esteve no Brasil, na semana passada, para participar do seminário internacional Latin America Advanced Programme on Rethinking Macro and Development Economics (Laporde), promovido pela Universidade de Cambridge e pela Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), que sediou o evento. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: O mundo vê o Brasil em 2012 como um país que cresce muito acima das nações ricas, conta com queda na relação entre dívida líquida e PIB, um crescente mercado consumidor doméstico e uma agenda cheia de grandes eventos, como a Copa do Mundo [em 2014] e Olimpíada [em 2016]. O futuro chegou?
Gabriel Palma : Não, muito pelo contrário. Na superfície, de fato, a situação do Brasil é fantástica. Mas, se analisarmos com calma, veremos que o país cresce impulsionado, principalmente, por pontos que fogem de seu controle. Os preços muito elevados das commodities, que sustentam enormes saldos comerciais desde 2004, não vão ficar nesse patamar para sempre. Na realidade, vivemos a fase final da era de boom das commodities. A economia está preparada para essa realidade diferente? Claramente não. Outra base de sustentação do vigoroso crescimento recente, a entrada de capitais estrangeiros em ritmo de tsunami, tem sido impulsionada, cada vez mais, porque o resto do mundo está em gravíssima crise. Qualquer investidor minimamente inteligente vai optar por investir num país que está crescendo do que deixar em um país que está em recessão e as taxas de juros são quase zero, como é o caso dos EUA, da União Europeia e do Japão. Isso vai durar para sempre? Acho que não.
Valor: Em relação ao forte ingresso de recursos internos, no entanto, o governo tem aplicado controles, como a taxação de IOF...
Palma : Esses controles de capitais aplicados pelo Brasil são muito porosos, é muito fácil evitar. Os investidores estrangeiros que recolhem IOF são aqueles que têm um mau contador. O Brasil tem controles de capitais só para dizer que tem, e isso fica claro pela reação do mercado. Não há muita gente reclamando, e isso é sempre um mau sinal quando falamos de taxação. Sem dúvida que é necessário controlar o fluxo de capitais estrangeiros, mas os países latino-americanos, de forma geral, e o Brasil, de forma especial, não estão fazendo com o rigor necessário. E não fazem, porque estão se aproveitando disso.
Valor: Depois de crescer 7,5% em 2010 e cerca de 3% em 2011, o PIB brasileiro deve se acelerar, prevê o governo, para níveis de 4,5% a 5% neste ano. Qual é a sua avaliação?
Palma : O PIB brasileiro não pode crescer mais do que 3,5% a 4% ao ano. Mais que isso: ele não deve crescer além desse nível, a não ser que vocês queiram gerar grandes distúrbios macroeconômicos. O governo brasileiro perdeu, de 2008 para cá, uma oportunidade histórica de desenvolver novas bases de crescimento econômico no Brasil. A saída da crise foi por meio do incentivo desenfreado ao consumo, o que foi positivo em termos, porque o país foi um dos que mais rapidamente deixaram o cenário recessivo mundial. Mas não há, no Brasil, nenhum estímulo para mudanças estruturais, como um apelo maior dos investimentos. Se há uma baixa na economia, o estímulo é sempre ao consumo. Basta ver a mais recente medida, da redução de imposto [do IPI] à indústria de eletrodomésticos [da linha branca, em dezembro de 2011].
Valor: Qual é a saída, então?
Palma : A mais correta seria produzir uma boa política industrial, e não esses planos paliativos que o governo brasileiro está habituado a lançar. A desindustrialização que o Brasil está passando é inconcebível. Em 1980, o parque industrial brasileiro era maior que o da Tailândia, da Malásia, da Coreia do Sul e da China somados. Em 2010, a indústria brasileira representava pouco menos de 15% do que esses países somados produziram. Construir o que vocês construíram e depois destruir, em tão pouco tempo, é um ato de vandalismo econômico sem igual. Por que o Brasil representa cerca de 75% do comércio mundial de minério de ferro, mas apenas 2% do comércio total de aço? Algum economista brasileiro consegue me explicar por que um país que tem a Embraer não consegue ser minimamente competitivo também no segmento de aço? Além das fracas políticas industriais adotadas e do desprezo com a indústria das últimas décadas, não consigo encontrar uma boa resposta. A situação brasileira é cada vez mais frágil.
Valor: Por quê?
Palma : Porque a dependência de commodities torna cada vez mais perigosa a transição de um cenário de bonança nos termos de troca, que é o que o Brasil vive hoje, para outro, em que certa normalidade de preços é estabelecida. Se o preço do cobre [principal produto exportado pelo Chile] voltar ao normal, isto é, aos níveis em que esteve em toda a história, à exceção dos últimos dez anos, o déficit em conta corrente como proporção do PIB saltará 18 pontos percentuais. No Brasil, se as commodities recuarem, o déficit corrente saltará entre 5 e 6 pontos percentuais como proporção do PIB. O erro da América Latina é pegar os preços das commodities como estão hoje e projetar no futuro, o que dá margem para amplos incentivos ao consumo no presente.

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