quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Rejeição europeia a transgênicos faz Basf se voltar para a América


  Comentários :: Publicado em 18/01/2012 na seção noticias :: Versões alternativas: Texto PDF



Diante da forte resistência europeia aos transgênicos, o conglomerado químico alemão Basf resolveu mudar de estratégia. A empresa anunciou no dia 16 de janeiro de 2012 que vai concentrar suas pesquisas de biotecnologia vegetal no continente americano: a sede corporativa da Basf Plant Science deixará de ser em Limburgerhof, na Alemanha, e passará para Raleigh, nos Estados Unidos.

"Nós estamos convencidos de que a biotecnologia vegetal é uma tecnologia-chave para o século 21. No entanto, ainda há pouca aceitação dessa tecnologia em muitos locais da Europa - pela maioria dos consumidores, agricultores e políticos", disse Stefan Marcinowski, membro da junta diretiva mundial da Basf, ao explicar a decisão.

Consequentemente, a empresa encerrou o desenvolvimento e a comercialização de todos os produtos que, até então, eram voltados para o mercado europeu. Os processos aprovados, no entanto, terão continuidade. "Sob uma perspectiva de negócios, não faz sentido continuar investindo em produtos cuja comercialização é direcionada exclusivamente para esse mercado [europeu]", alegou Marcinowski em nota oficial.

Lucros e empregos

O grupo ambientalista Greenpeace disse não se surpreender com a notícia. "É realmente apenas um passo lógico e empresarial que certamente faz sentido. Por um determinado tempo a biotecnologia vegetal certamente não tem chances na Europa", respondeu à DW Brasil o ativista Dirk Zimmermann, do escritório alemão da ONG.

Na visão do ativista, o consórcio alemão manteve por algum tempo a esperança de que esse panorama mudasse, após a aprovação da batata Amflora, em 2010 - um "fiasco total", na avaliação de Zimmermann.

Com a mudança da Basf Plant Science para os Estados Unidos, 140 postos de trabalho serão fechados na Europa. "Nossos colaboradores realizaram um excelente trabalho nos últimos anos. Lamentamos a redução dessas posições de alta qualificação na Alemanha e na Suécia", afirmou Marcinowski.

Uma questão de atratividade

A empresa passa a se dedicar com mais intensidade aos "mercados mais atrativos das Américas do Norte e do Sul", além do mercado asiático crescente. Nos Estados Unidos e no Brasil, o cultivo de sementes geneticamente modificadas é permitido -- Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia, Chile, Honduras e México também estão na lista.

"Eu acho que a engenharia genética também não tem futuro na América: soluções sustentáveis para a agricultura não são consideradas e não há ganhos mais elevados", acrescentou Zimmermann, do Greenpeace alemão.

No caso do Brasil, as primeiras sementes transgênicas chegaram ao país clandestinamente, em 1997. De lá para cá o governo liberou as lavouras desse tipo e o país, em 2010, registrou uma área de 25,4 milhões de hectares de cultivo transgênico, diz a pesquisa mais recente da Isaaa, órgão internacional que estuda o setor.

Além da soja, semente transgênica mais difundida no Brasil, o milho e o algodão também são liberados. Recentemente, as autoridades brasileiras deram sinal verde para o feijão geneticamente modificado desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária(Embrapa) e mantiveram a discussão sobre a liberação do arroz.

Segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos(USDA), os fazendeiros passaram a cultivar transgênicos já a partir de 1996, ano em que o país autorizou esse tipo de tecnologia. Em 2011, cerca de 94% da área de soja plantada no país era geneticamente modificada. Outras sementes largamente usadas são as de algodão e de milho.

Ainda assim, segundo a análise do Greenpeace, não há garantias de que a Basf será bem-sucedida nos Estados Unidos, já que o mercado local está muito dividido. "E no resto do mundo há cada vez mais rejeição", complementou Zimmermann.

"No entanto, para a Europa, essa é uma mensagem extremamente importante. Eu espero que os concorrentes da Basf sigam esse exemplo", disse o ativista alemão.


Mercado dos transgênicos foge da Europa por rejeição social

Europa não é um continente para transgênicos. A rejeição social e política em muitos países deixou a União Europeia muito atrasada nesse campo. E o anúncio de que a multinacional alemã BASF transferirá para osEUA e para a América do Sul a maior parte de suas pesquisas sobre transgênicos é o último sintoma da vitória dos ecologistas e dos grupos de consumidores nessa dura batalha. Das grandes do setor, só a Bayer mantém centros de pesquisa na Europa.

A reportagem é de Juan Gómez Rafael Méndez, publicada no jornal El País, 18-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A gigante química alemã BASF justifica a sua decisão na baixa demanda por esses produtos na Europa. Segundo a porta-voz Julia Meder, a multinacional continuará suas pesquisas genéticas no continente americano. A BASF fecha seus três laboratórios genéticos com a consequente redução de quadro e transfere a sua sede central de biotecnologia de Limburgerhof (Renânia) paraRaleigh (Carolina do Norte). Os produtos geneticamente modificados "não encontram suficiente aceitação na Europa" para justificar os investimentos. Só a Espanha, diz, "é aparentemente a exceção". Mas, em conjunto, "o mercado europeu é muito reticente" para que seja rentável.

Em 2004, a suíça Syngenta tomou uma decisão similar. Como a MonsantoDow DuPont não mantêm centros de pesquisa na Europa, isso implica que, das grandes empresas do setor, só a Bayer mantêm centros na UE.

Carel du Marchie Sarvaas, diretor de Biotecnologia da Europa Bio, associação empresarial do setor, considera que a situação é desastrosa. "Falamos de postos de trabalho para doutores, bem remunerados, e as empresas europeias vão levá-los para os EUA. É a típica coisa que deveria fazer com que as pessoas refletissem". A BASF não fornece os valores sobre os investimentos cancelados, mas assegura que pesquisou a um custo de mais de um bilhão de euros nos últimos 15 anos.

As dificuldades de implementação na Europa não se devem tanto a restrições legais para a pesquisa e o cultivo, mas sim à rejeição do consumidor. Um inquérito Eurobarômetro de 2010, com 16 mil enquetes, constatou um incremente na rejeição aos transgênicos: havia subido de 57% em 2005 para 61%. Enquanto isso, o apoio caiu de 27% para 23% (na Espanha, de 66% em 1996 para 35%). "Ao contrário da indústria e dos cientistas, os europeus consideram que os transgênicos não oferecem benefícios e são inseguros", concluiu. Isso, apesar de que nas quase duas décadas de uso dos transgênicos até aOrganização Mundial da Saúde (OMS) aprovou a sua segurança. Então, só seis países cultivavam transgênicos: Espanha (líder em milho resistente à praga do caruncho), a República TchecaPortugalRomêniaPolônia Eslováquia. Na Europa, havia apenas cerca de 100 mil hectares, comparadas com os 134 milhões no mundo.

A situação é tal que a FrançaAlemanhaHungriaGréciaÁustriaLuxemburgo Bulgária já proibiram o milho cultivado naEspanha. E há outros como a Áustria que votam sistematicamente contra a opinião da Agência Europeia de Segurança Alimentar. Nos EUA e nos países em desenvolvimento, em contrapartida, há muito menos debate. Carlos Vicente, diretor de Biotecnologia da Monsanto na Espanha, afirma a situação europeia não afetará o desenvolvimento mundial: "Países muito importantes na produção de matérias-primas agrícolas, como CanadáEUABrasilArgentinaChina Índia, por exemplo, continuam avançando no desenvolvimento da biotecnologia agrícola".

BASF obteve em 2010 a licença de cultivo de uma batata transgênica. É geneticamente modificada (a empresa a chama de "melhorada") para conter mais amido de uso industrial do que uma batata normal. Isso gerou uma onda de protestos naAlemanha. A batata Amflora chegou a ser cultivada legalmente em um Estado oriental do país. O governo regional ordenou a sua confiscação quando se descobriu que, na Suécia, haviam sido cultivadas entre as Amflora outros tipos de batatas modificadas que não possuíam licença. A BASF não comercializa produtos agrícolas diretamente, mas colabora com empresas como Monsanto ou Bayer. Com elas, desenvolve as sementes modificadas, que chegam ao mercado através desses sócios.

A retirada da BASF do continente europeu gerou nesta terça-feira um debate político na Alemanha. Os liberais do DFDPlamentaram a "perda para o desenvolvimento científico". A política "não soube conter a corrente de pensamento anticientífica e alheia à realidade", disseram. Parlamentares dos Verdes, no entanto, asseguraram que a decisão da BASF se deveu meramente ao "fiasco comercial" de seus produtos agrícolas.

Os ecologistas saudaram o anúncio como um triunfo: "A decisão da BASF é um aviso para empresas como Monsanto,Syngenta Bayer, que continuam pressionando para introduzir culturas transgênicas na Europa. O exemplo da BASF mostra que forçar a vontade dos consumidores e da grande maioria dos agricultores não é nem rentável economicamente", manifestou a Amigos de la Tierra em um comunicado.

O professor de pesquisa do CSIC Pere Puigdomènech opina que a retirada da BASF "pode ser vista como uma vitória ecologista ou como uma perda para a Europa, porque a biotecnologia aplicada à alimentação não vai se deter. O Brasil, por exemplo, fez um feijão transgênico, e os EUA debatem agora a aprovação da alfafa". Puigdomènech destaca outro aspecto, de que, ao perder a pesquisa, a UE também perde o controle: "Importam-se milhões de toneladas de grãos transgênicos, mas não poderemos controlar se são produzidos por outros, e não temos a tecnologia para isso".

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