segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A Matemática ao longo da História






A Matemática ao longo da História - Século XX ao Período Atual, artigo de Valderi Pacheco dos Santos e Edimar Lia



No século XX, a Matemática tinha como desafio principal a comprovação de teoremas e conjecturas até então sem solução. Isso ficou delineado após a palestra de um jovem e proeminente matemático alemão, David Hilbert, em um importante congresso em Paris em 1900. Em sua palestra, Hilbert enumerou 23 desafios que passariam a ser a obsessão dos matemáticos durante o século XX, e que, se provados, dariam à Matemática fundações lógicas sólidas. Para Hilbert, não existiam problemas insolúveis em Matemática. Costumava dizer: "Temos de saber! Iremos saber!"
 
O 1º desafio (Hipótese do Contínuo) tinha sido proposto por Georg Cantor durante o século XIX. Cantor foi o primeiro matemático na história a compreender a fundo o significado de infinito, dando-lhe precisão matemática ao diferenciar o infinito de números inteiros do infinito de frações. Este último sendo muito maior, pois apesar de ser infinito, ainda podemos adicionar infinitas novas frações entre os inteiros. Quando estas frações forem infinitesimalmente pequenas, teremos os números irracionais.
 
Diferentemente dos racionais, que apesar de infinitos são contáveis, os irracionais, além de serem infinitos são também incontáveis. Entretanto, Cantor não conseguiu resolver um impasse: Haveria um conjunto de termos entre o infinito de inteiros e o infinito de frações, ou todos correspondiam a uma única série? Esta ficou conhecida como a hipótese do contínuo, resolvida pelo americano Paul Cohen na década de 1960. Cantor era portador de um sério distúrbio psiquiátrico e, segundo muitos, teve seu quadro agravado devido a sua Matemática extremamente abstrata.
 
Além de Cantor, outro matemático do século XIX que ousou lidar com o infinito, mais precisamente com os números irracionais, foi o alemão Julius Dedekind. Utilizando a técnica de limite, ele demonstrou como se podia efetuar cortes na reta dos números racionais para incluir nela os infinitos números irracionais. Assim, números inteiros, frações e irracionais passaram todos a fazer parte de um mesmo conjunto, o dos números reais.
 
Um matemático muito influente do século XIX, o francês Henri Poincaré é o autor de um dos principais desafios matemáticos do século XX - a Conjectura de Poincaré, que se tratava de um problema de Topologia. Apesar de já ter sido criada anteriormente, a topologia atingiu outro patamar nas mãos de Poincaré. Para ele, duas formas eram topologicamente iguais se por deformação uma convertesse-se na outra sem que houvesse cortes. Segundo a conjectura de Poincaré, um universo bidimensional plano poderia curvar-se e assumir quaisquer formas possíveis, porém não se sabia a forma que um universo tridimensional poderia assumir. A solução foi dada pelo matemático russo Grisha Perelman em 2002. Porém, excêntrico e indiferente a prêmios e fama, Perelman recusou-se a receber uma Medalha Fields, equivalente ao Nobel da Matemática, bem como não aceitou cargos de professor em importantes universidades dos Estados Unidos.
 
Poincaré também lançou, ainda que acidentalmente, as bases de outra área nova da Matemática. Enquanto tentava descrever matematicamente a estabilidade de órbitas envolvendo mais de dois astros, a fim de receber um prêmio oferecido por Oscar II da Suécia, ele percebeu que cometera um erro em suas aproximações e que mesmo uma pequena alteração nas condições iniciais já era suficiente para provocar órbitas totalmente diferentes. Eram as bases daquilo que passou a ser conhecido como Teoria do Caos durante o século XX.
 
Outro matemático do século XIX que merece destaque é o francês Evariste Galois, um revolucionário republicano com inclinação para a Matemática. Precoce, aos 17 anos submeteu um artigo ao matemático Cauchy, que perdeu seu trabalho. Aos 19 anos enviou um novo trabalho à Academia de Ciências, porém, o então secretário Joseph Fourier faleceu ao levar o trabalho para análise e o texto jamais foi recuperado. Sem perspectiva, Galois alistou-se na Guarda Nacional e chegou até a ser preso. Envolvido em uma trama amorosa, foi desafiado para um duelo por causa de uma mulher. Na noite anterior ao duelo, dedicou-se a concluir um trabalho revolucionário em que desenvolveu uma nova linguagem matemática, a Teoria de Grupos, a partir da qual Galois justificou porque não havia fórmulas simples para resolver equações com grau superior a quatro.
 
No outro dia Galois foi gravemente ferido no duelo e faleceu aos 20 anos, uma grande perda para a Matemática. São os trabalhos de Galois que motivaram o 10º Desafio de Hilbert: há um método universal de resolução com números inteiros para todas as equações? Na segunda metade do século XX, o russo Yuri Matiyasevich e a americana Julia Robinson demonstraram definitivamente que não há um único método de solução envolvendo números inteiros para todas as equações.
 
Mas ainda nas primeiras décadas do século XX, a Matemática passaria por uma crise existencial, muito graças às ideias do matemático austríaco Kurt Gödel, que instalariam a incerteza no coração da Matemática. Anteriormente, por volta de 1900, com a descoberta dos trabalhos de Gauss e Riemann sobre geometria não euclidiana e a consequente contestação dos axiomas de Euclides, a Matemática deixava de ser considerada como passível de comprovação no mundo físico para tornar-se somente uma linguagem especial fundamentada em axiomas, cuja consistência lógica de suas estruturas deveria ser provada por demonstração.
 
Neste contexto, Bertrand Russel e Alfred Whitehead, na tentativa de restabelecer a ordem, em sua obra intitulada Principia Mathematica de 1910-1913, alegaram ter reduzido toda a Matemática a um sistema básico de axiomas, a partir dos quais todos os teoremas podiam ser demonstrados. Mas a crença de Russel e Whitehead, juntamente com o sonho de Hilbert, de que não existiam problemas insolúveis em Matemática, cairiam por terra com a publicação dos trabalhos de Gödel em 1930.
 
Kurt Gödel interessava-se pelo 2º Desafio de Hilbert, sobre a consistência dos axiomas da Matemática. Na busca por uma base lógica para toda a Matemática, ele propôs o Teorema da Incompletude, em que contrariava a suposição de Hilbert, demonstrando que em qualquer sistema lógico era possível existirem afirmações verdadeiras, porém impossíveis de serem provadas. Isto levava a Matemática a contradições e paradoxos. Devido às consequências que, segundo ele próprio, seu trabalho traria à confiabilidade das demonstrações de teoremas, Gödel passou a ter crises depressivas e daí por diante jamais se recuperou totalmente.
 
Mas as coisas ainda iriam piorar bastante para a Matemática europeia ao final dos anos 1930. Com o fortalecimento do Nazismo, na Alemanha e na Áustria, muitos matemáticos perderam seus cargos públicos e alguns deles, ou suicidaram-se, ou foram executados nos campos de concentração. A Europa, que tinha sido formadora de grandes matemáticos nos últimos 500 anos, saía de cena e perdia espaço para a América como protagonista na Matemática, devido à fuga de seus melhores matemáticos do regime nazista. Nomes como, Hermann Weyl, cuja pesquisa teria enorme impacto em Física Teórica; John Von Neumann, que desenvolveu a teoria dos jogos e foi pioneiro na ciência computacional; ou mesmo Albert Einstein, já famoso por suas descobertas revolucionárias.
 
Mas o grande desafio, dos 23 enumerados por Hilbert, que é considerado o Santo Graal da Matemática, é a Hipótese de Riemann, uma conjectura ainda sem solução que trata sobre a distribuição dos números primos a partir de uma função denominada Zeta de Riemann. A Hipótese de Riemann é considerada o principal desafio entre os Sete Problemas do Milênio, para os quais se oferece um milhão de dólares como prêmio pela solução, pois tem importantes consequências em Física e na teoria da informação, cuja aplicação principal está associada à criptografia.
 
Um dos grandes matemáticos do século XX e início do século XXI é Alexander Grothendieck, a quem muitos atribuem uma possível solução da hipótese de Riemann devido à sua imensa capacidade. Grothendieck foi membro de um grupo de matemáticos franceses conhecido pelo pseudônimo Nicolas Bourbaki, o qual apresentou contribuições significativas em várias áreas da Matemática, publicando um número grande de obras sobre diversos temas. Grothendieck, por sua vez, tinha interesse nas estruturas por detrás de certos padrões matemáticos e, para isto, desenvolveu uma nova linguagem que revolucionou a Matemática no século XX, a Geometria Algébrica.
 
Por fim, mais recentemente (nos séculos XX e XXI), além da procura por respostas a conjecturas ainda sem solução, a Matemática busca também a descrição exata de fenômenos naturais a nossa volta, bem como das propriedades do espaço e da matéria, a partir de antigas e novas teorias, tais como: Topologia, aperfeiçoada por Roger Penrose, com implicações da torção do espaço na relatividade; Geometria dos Fractais de Benoit Mandelbrot, que descreve dimensões fracionárias e faz aproximações mais exatas de áreas ou volumes de formas irregulares; Teoria dos Fluidos de Claude Navier e George Stokes e suas aplicações em hidrodinâmica e na engenharia automotiva e aeronáutica; Cibernética, fundada por Norbert Wiener, que estuda o controle e a comunicação em máquinas e, mais recentemente, o desenvolvimento da inteligência artificial pela robótica; Teoria da Probabilidade de Thomas Bayes, aplicada em pesquisas científicas que envolvam fenômenos populacionais, como a eficácia de uma vacina ou o estudo da ação de um medicamento; Teoria dos Jogos de John Von Neumann, com importantes implicações em economia por John Nash e no comportamento dos animais por Maynard Smith; Teoria do Caos, introduzida por Henri Poincaré e aplicada por Robert May no estudo de ciclos epidemiológicos e por Edward Lorenz em previsões climáticas; Teoria M de Edward Witten, uma evolução da teoria das cordas que contempla todas as forças de interação da matéria e unifica a Física; entre outras.
 
Referências:
1. CARL B. BOYER, História da Matemática, 3ª Ed, São Paulo: Edgard Blucher, 2010.
2. REVISTA GALILEU, Eureka - A matemática divertida e emocionante, Ed. Especial, São Paulo: Globo, 2003.
 
Sugestões de Vídeos:
1. MARCUS DU SAUTOY, The Story of Maths, BBC Four, 2008.
2. TERRY JONES, The Story of One, BBC, 2005. 

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