A Matemática ao longo da História - Período Antigo à Idade Média(Valderi Pacheco dos Santos, Edimar Lia Pontarolo - JC) Este é o primeiro de uma série de quatro artigos enviados pelos autores para o JC Email. Valderi Pacheco dos Santos é professor de Química na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e Edimar Lia Pontarolo é professora de Matemática no Colégio Estadual Castelo Branco (Toledo PR). É bem conhecido que a Matemática não surgiu como mágica e sim, surgiu e evoluiu à medida que a capacidade intelectual do homem foi sendo ampliada. Não é à toa que fatos históricos tiveram consequências diretas no desenvolvimento da Matemática. Neste contexto, os homens primitivos, embora não tivessem desenvolvido ainda a Matemática como ferramenta, em algum momento, mesmo que instintivamente, começaram a ter ideia da quantidade das coisas ao seu redor (filhos, animais, objetos). Alguns milênios mais tarde, durante o período da primeira civilização, na Suméria (por volta de 4000 anos a.C.), com o aumento substancial das atividades cotidianas, o homem passou a sentir necessidade de anotar tais quantidades na forma de riscos (símbolo que representava a quantidade mínima, o um). O próximo passo foi representar essa quantidade mínima com objetos (cones, bastões). Com isso, o homem aprendia a fazer cálculos simples, pois poderia somar e subtrair objetos. Era o surgimento da Aritmética. Algum tempo depois, na civilização Egípcia, além de usar este número mínimo para contar, o homem descobriu que podia utilizá-lo também para efetuar medidas e, para isso, inventou o Cúbito (unidade mínima de medida). Por este motivo, os Egípcios eram excelência em obras de engenharia. Pouco mais tarde viria uma civilização ímpar na história da humanidade, a Grécia, que inauguraria uma nova era no conhecimento matemático e seria referência por muitos séculos. Mais precisamente, essa geração de pensadores gregos surgiu em meados do primeiro milênio a.C. e um dos seus muitos feitos foi desenvolver a matemática algébrica (sem números), destacando-se nomes como Pitágoras, Euclides, Eudoxo, Arquimedes, entre outros. Um grande personagem foi Pitágoras (séc. VI a.C.), que acreditava que os números inteiros eram responsáveis pela harmonia das coisas, inclusive da música. Nesse período, ainda não se tinha ideia da possibilidade de os números poderem apresentar infinitas casas decimais (números irracionais). Foi essa a principal causa que motivou conflitos existenciais entre os Pitagóricos. Um deles (Hipaso) teria sido afogado por seus companheiros quando comprovara que nem mesmo o famoso triângulo retângulo de Pitágoras tinha uma relação de números inteiros entre seus lados. Outro grande nome da Matemática grega foi Eudoxo (séc. IV a.C.), que deduziu fórmulas para calcular o volume de cones e pirâmides e desenvolveu uma teoria que incluía os números irracionais, que tanto tinham aterrorizado os pitagóricos. Eudoxo aventurava-se também na Astronomia, em que foi o responsável pela descoberta de que o ano não tinha somente 365 dias, mas 365 dias e 6 horas, bem como foi o idealizador de que os astros giravam entorno da Terra presos a esferas celestes transparentes, modelo que influenciaria outros pensadores, entre eles Aristóteles (séc. IV a.C.), a partir do qual a ideia de que a Terra era o centro do cosmo perduraria por cerca de dois milênios e influenciaria fortemente a Europa durante o período medieval. Outro matemático grego foi Arquimedes (séc. III a.C.), que apesar de ser essencialmente um estudioso da Física, deixou importantes contribuições à Matemática, entre elas a geometria, os números irracionais, o número p, entre outros. Isso sem falar em Euclides (séc. III a.C.), o qual se interessava pela busca dos padrões matemáticos de beleza, tendo observado que existia uma relação entre estética e a proporção entre dois segmentos igual a 1,618034... Este número irracional ficou conhecido como Razão Áurea e mais tarde (séc. XIII d.C.) revelou-se também na razão entre dois números subsequentes da famosa sequência numérica de Fibonacci: 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55..., mostrando ser o padrão utilizado pela estética da Natureza, desde a estrutura espiral de conchas e flores até o crescimento populacional de coelhos. Além disso, Euclides, como um enciclopedista, reuniu todo o conhecimento matemático da época em uma coleção de livros (Os Elementos) que se tornaria referência até muitos séculos depois, nos quais propõe postulados e axiomas que seriam o alicerce fundamental da geometria e da matemática. Entretanto, nem sempre a História foi muito generosa com a Matemática. Pouco tempo depois, os Gregos sucumbiram à ascensão e ao poderio bélico dos Romanos. Em uma dessas incursões, Arquimedes chegou a ser morto por um soldado romano. A história conta que, distraído com seus cálculos, ele teria sido morto sem oferecer resistência alguma. Apesar de os Romanos absorverem muito da cultura grega, levando-a adiante, não se interessavam pela matemática teórica e misteriosa dos Gregos. Não é à toa que não há nenhum grande nome na História entre os matemáticos romanos. Acumuladores de poder, os Romanos utilizavam a Matemática quase que exclusivamente para contabilizar (riquezas, povos dominados, impostos), desenvolvendo para isso um sistema numérico complicado, os algarismos romanos. Alguns séculos mais tarde, após a queda de Roma (séc. V d.C.), a Europa Medieval sofreria um profundo atraso em relação às Ciências e principalmente em relação à Matemática, pois herdara o sistema numérico complicado e pouco eficaz dos Romanos. Um marco histórico precursor desse período é o incêndio da biblioteca de Alexandria (391 d.C.), local onde estavam reunidas muitas obras clássicas dos gregos sobre matemática, filosofia e outras ciências; e o assassinato de Hipacia, uma matemática erudita de Alexandria, por fanáticos religiosos em 415 d.C. Por outro lado, para a sorte da Matemática, os locais que resistiram ao domínio Romano, principalmente a Ásia Menor e a Índia, hoje sob influência principalmente islâmica, mantiveram o bom hábito de traduzir obras clássicas dos pensadores gregos para sua língua, o árabe. Entre os matemáticos do oriente, destacam-se os indianos: Brahmagupta (séc. VII d.C.), que foi o precursor da ideia de utilização do zero em operações matemáticas, bem como de um sistema de notação em matemática semelhante ao que se tornaria o x e o y na metodologia desenvolvida por Descartes cerca de mil anos mais tarde; e Bhaskara II (séc. XII d.C.), introdutor do conceito de infinito e de infinitesimalmente pequeno, que são as bases do cálculo diferencial e integral, desenvolvido formalmente como ferramenta matemática por Newton e Leibniz somente no século XVII. Outro nome de extrema importância na Matemática do oriente é Al Khwarizmi (séc. VII d.C.), autor de uma importante obra que catalogava o uso sistemático dos algarismos indo-arábicos na matemática, bem como inventor de uma metodologia revolucionária de comprovação matemática sem o uso de números, denominada Álgebra. Foram exatamente estes locais que o matemático italiano Leonardo de Pisa, conhecido como Fibonacci, visitou durante a Idade Média (séc. XII e XIII d.C.) e sofreu influência principalmente do sistema numérico e das muitas operações matemáticas desenvolvidas pelos árabes, como conseqüência da própria versatilidade de seus algarismos, os indo-arábicos. Fibonacci introduziu os novos algarismos na Europa em 1202, em sua obra intitulada Liber Abbacci (Livro dos Cálculos), bem como demonstrou operações matemáticas básicas com os novos algarismos, que são utilizadas até hoje por professores para ensinar Matemática. No princípio, os novos algarismos trazidos por Fibonacci causaram desconfiança, devido à sua versatilidade e rapidez na execução dos cálculos em relação aos tradicionais ábacos, sob a alegação de que seriam mais suscetíveis a manipulações e fraudes, mas não demorou muito para que fossem adotados e tivessem seu uso popularizado. Este, claro, é só mais um entre os vários aspectos motivadores do surgimento de grandes matemáticos na Europa nos próximos séculos, os quais seriam inspiradores ou protagonistas da Revolução Científica do século XVII. Referências: 1. CARL B. BOYER, História da Matemática, 3ª Ed, São Paulo: Edgard Blucher, 2010. 2. LEONARD MLODINOW, A Janela de Euclides - a história da geometria, das linhas paralelas ao hiperespaço, São Paulo: Geração Editorial, 2010. 3. REVISTA GALILEU, Eureka - A matemática divertida e emocionante, Ed. Especial, São Paulo: Globo, 2003. Sugestões de Vídeos: 1. MARCUS DU SAUTOY, The Story of Maths, BBC Four, 2008. 2. TERRY JONES, The Story of One, BBC, 2005. Artigo a Matemática Ao Longo da HistóriaJornal da Ciência (JC E-Mail) ==================================================== Edição 4423 A Matemática ao longo da História - Renascimento ao Século XVII, artigo de Valderi Pacheco dos Santos e Edimar Lia A tendência à evolução do raciocínio lógico eclodiu na Europa principalmente a partir do século XV, período denominado Renascimento, o qual foi motivado principalmente pela redescoberta de textos clássicos antigos vindos do Oriente a partir do século XII; retorno da classe erudita à Europa após o fim do Império Bizantino e queda de Constantinopla; invenção da imprensa, que democratizou o conhecimento; e reformas religiosas, que abalaram os alicerces de poder da Igreja. Porém, os séculos XV ao XVII foram marcados pela defesa violenta e opressora da Igreja, ainda o principal poder político da Europa, ao modelo Geocêntrico de Aristóteles, contra o modelo Heliocêntrico de Copérnico, tendo em Galileu Galilei (1564-1642) o personagem principal desse período, o qual foi julgado e, condenado pela Santa Inquisição, viu-se obrigado a renegar sua ideia de que a Terra se movia em torno do sol, para ter sua vida poupada. Entra aqui um personagem fundamental, o matemático Johannes Kepler (séc. XVII d.C.), que em sua obra A Harmonia do Mundo, não só propõe que a Terra gira em torno do sol, como descreve as órbitas elípticas dos planetas matematicamente. A partir de então, já não havia mais como sustentar as ideias do grego Aristóteles a respeito da organização do Universo, em que a Terra ocupava posição central e imóvel. Outro matemático revolucionário desse período foi René Descartes. Em sua obra Discurso Sobre o Método, ele enfatiza que o raciocínio matemático deveria servir como base para o pensamento filosófico e para as ciências em geral. Descartes vai além e desenvolve uma nova linguagem matemática utilizando equações com letras para representar grandezas variáveis (x, y, z, ...) e grandezas constantes (a, b, c, ...), além de números. A partir de então, ocorre a fusão entre a geometria e a álgebra e passa-se a representar gráficos e formas geométricas a partir de equações com letras e números. Por ter saúde frágil desde criança, Descartes tinha o hábito e a permissão para permanecer na cama até mais tarde nas manhãs frias. Isto até aceitar o cargo de tutor educacional da rainha Cristina da Suécia aos 53 anos. Devido ao frio rigoroso do inverno na Suécia e ao horário em que tinha que lecionar aulas à rainha, às 05 horas da mahã nos salões frios do palácio, Descartes faleceu por pneumonia cinco meses depois. Mais um importante nome da Matemática na França durante o século XVII foi Pierre de Fermat, um matemático amador que foi um dos principais de seu tempo. Era defensor da popularização da Matemática e foi responsável pela proposição de um número grande de teoremas e conjecturas. Um de seus teoremas é a base dos códigos que protegem cartões de crédito. É o inventor da Teoria dos Números moderna, tendo encontrado diversos padrões nos números, que desafiavam os matemáticos havia séculos. Em seu teorema mais famoso, afirmava que x² + y² = z² para expoentes 2 ou menores, mas que x³ + y³ = z³ e assim por diante para expoentes maiores que 3. Entretanto não conseguiu obter a prova, que seria demonstrada somente três séculos mais tarde (em 1995) pelo inglês Andrew Wiles. Não menos importante para a Matemática no século XVII foi o francês Blaise Pascal. De inclinação religiosa, era obcecado por teologia, porém, aos 12 anos já era um prodígio em Matemática. Em parceria com Fermat, desenvolveu o cálculo de probabilidades. Seu famoso triângulo resulta de análises combinatórias e tem importante aplicação em espectroscopia de RMN (ressonância magnética nuclear), cujos acoplamentos de spin seguem a mesma lógica do Triângulo de Pascal, a partir do qual é possível se prever a forma do espectro e a intensidade das linhas. Além disso, desenvolveu e construiu a primeira calculadora mecânica, a Pascaline. Acredita-se que teria antecipado descobertas matemáticas que outros fizeram nos séculos posteriores, se sua vida não tivesse sido tão breve por conta de sua saúde frágil desde criança. Outro gigante do século XVII, considerado um dos maiores de todos os tempos, foi o britânico Isaac Newton. Embora tenha se destacado principalmente por sua Física, devido a suas Leis da Mecânica e teoria gravitacional publicados em 1687 em sua obra famosa intitulada Principia, Newton também teve grande destaque na Matemática, em que desenvolveu uma ferramenta denominada Cálculo Diferencial e Integral. Esta poderosa ferramenta matemática é enormemente utilizada nas ciências em geral, pois descreve com precisão as variações, tais como deslocamentos de corpos, mudanças de grandezas físicas, processos de transformação e até o movimento de astros no céu. Porém, de personalidade difícil, Newton relutou em publicar suas descobertas por cerca de 20 anos. Isso até ficar sabendo que outro matemático, Gottfried Leibniz, estava por desenvolver o cálculo de maneira semelhante ao que ele havia concebido. Gottfried Leibniz, também britânico, desenvolveu o cálculo de maneira independente, o que provocou a ira de Newton. Como presidente da Royal Society, Sir Isaac Newton não reconheceu o mérito de primeiro desenvolvedor do cálculo a Leibniz e ainda acusou-o de plágio. Entretanto, como uma ironia, o formalismo do cálculo de Leibniz que é hoje adotado na matemática, devido à sua simplicidade e beleza frente ao formalismo truncado de Newton. Leibniz também tentou desenvolver uma máquina de calcular baseada no sistema binário, uma precursora dos computadores modernos, entretanto, não chegou a construí-la, pois o projeto mostrou-se complicado demais. O seu projeto só sairia do papel no século XX em uma universidade britânica. Referências: 1. CARL B. BOYER, História da Matemática, 3ª Ed, São Paulo: Edgard Blucher, 2010. 2. LEONARD MLODINOW, A Janela de Euclides - a história da geometria, das linhas paralelas ao hiperespaço, São Paulo: Geração Editorial, 2010. 3. REVISTA GALILEU, Eureka - A matemática divertida e emocionante, Ed. Especial, São Paulo: Globo, 2003. Sugestões de Vídeos: 1. MARCUS DU SAUTOY, The Story of Maths, BBC Four, 2008. 2. TERRY JONES, The Story of One, BBC, 2005.
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A Matemática ao longo da História - Século XX ao Período Atual, artigo de Valderi Pacheco dos Santos e Edimar Lia
No século XX, a Matemática tinha como desafio principal a comprovação de teoremas e conjecturas até então sem solução. Isso ficou delineado após a palestra de um jovem e proeminente matemático alemão, David Hilbert, em um importante congresso em Paris em 1900. Em sua palestra, Hilbert enumerou 23 desafios que passariam a ser a obsessão dos matemáticos durante o século XX, e que, se provados, dariam à Matemática fundações lógicas sólidas. Para Hilbert, não existiam problemas insolúveis em Matemática. Costumava dizer: "Temos de saber! Iremos saber!"
O 1º desafio (Hipótese do Contínuo) tinha sido proposto por Georg Cantor durante o século XIX. Cantor foi o primeiro matemático na história a compreender a fundo o significado de infinito, dando-lhe precisão matemática ao diferenciar o infinito de números inteiros do infinito de frações. Este último sendo muito maior, pois apesar de ser infinito, ainda podemos adicionar infinitas novas frações entre os inteiros. Quando estas frações forem infinitesimalmente pequenas, teremos os números irracionais.
Diferentemente dos racionais, que apesar de infinitos são contáveis, os irracionais, além de serem infinitos são também incontáveis. Entretanto, Cantor não conseguiu resolver um impasse: Haveria um conjunto de termos entre o infinito de inteiros e o infinito de frações, ou todos correspondiam a uma única série? Esta ficou conhecida como a hipótese do contínuo, resolvida pelo americano Paul Cohen na década de 1960. Cantor era portador de um sério distúrbio psiquiátrico e, segundo muitos, teve seu quadro agravado devido a sua Matemática extremamente abstrata.
Além de Cantor, outro matemático do século XIX que ousou lidar com o infinito, mais precisamente com os números irracionais, foi o alemão Julius Dedekind. Utilizando a técnica de limite, ele demonstrou como se podia efetuar cortes na reta dos números racionais para incluir nela os infinitos números irracionais. Assim, números inteiros, frações e irracionais passaram todos a fazer parte de um mesmo conjunto, o dos números reais.
Um matemático muito influente do século XIX, o francês Henri Poincaré é o autor de um dos principais desafios matemáticos do século XX - a Conjectura de Poincaré, que se tratava de um problema de Topologia. Apesar de já ter sido criada anteriormente, a topologia atingiu outro patamar nas mãos de Poincaré. Para ele, duas formas eram topologicamente iguais se por deformação uma convertesse-se na outra sem que houvesse cortes. Segundo a conjectura de Poincaré, um universo bidimensional plano poderia curvar-se e assumir quaisquer formas possíveis, porém não se sabia a forma que um universo tridimensional poderia assumir. A solução foi dada pelo matemático russo Grisha Perelman em 2002. Porém, excêntrico e indiferente a prêmios e fama, Perelman recusou-se a receber uma Medalha Fields, equivalente ao Nobel da Matemática, bem como não aceitou cargos de professor em importantes universidades dos Estados Unidos.
Poincaré também lançou, ainda que acidentalmente, as bases de outra área nova da Matemática. Enquanto tentava descrever matematicamente a estabilidade de órbitas envolvendo mais de dois astros, a fim de receber um prêmio oferecido por Oscar II da Suécia, ele percebeu que cometera um erro em suas aproximações e que mesmo uma pequena alteração nas condições iniciais já era suficiente para provocar órbitas totalmente diferentes. Eram as bases daquilo que passou a ser conhecido como Teoria do Caos durante o século XX.
Outro matemático do século XIX que merece destaque é o francês Evariste Galois, um revolucionário republicano com inclinação para a Matemática. Precoce, aos 17 anos submeteu um artigo ao matemático Cauchy, que perdeu seu trabalho. Aos 19 anos enviou um novo trabalho à Academia de Ciências, porém, o então secretário Joseph Fourier faleceu ao levar o trabalho para análise e o texto jamais foi recuperado. Sem perspectiva, Galois alistou-se na Guarda Nacional e chegou até a ser preso. Envolvido em uma trama amorosa, foi desafiado para um duelo por causa de uma mulher. Na noite anterior ao duelo, dedicou-se a concluir um trabalho revolucionário em que desenvolveu uma nova linguagem matemática, a Teoria de Grupos, a partir da qual Galois justificou porque não havia fórmulas simples para resolver equações com grau superior a quatro.
No outro dia Galois foi gravemente ferido no duelo e faleceu aos 20 anos, uma grande perda para a Matemática. São os trabalhos de Galois que motivaram o 10º Desafio de Hilbert: há um método universal de resolução com números inteiros para todas as equações? Na segunda metade do século XX, o russo Yuri Matiyasevich e a americana Julia Robinson demonstraram definitivamente que não há um único método de solução envolvendo números inteiros para todas as equações.
Mas ainda nas primeiras décadas do século XX, a Matemática passaria por uma crise existencial, muito graças às ideias do matemático austríaco Kurt Gödel, que instalariam a incerteza no coração da Matemática. Anteriormente, por volta de 1900, com a descoberta dos trabalhos de Gauss e Riemann sobre geometria não euclidiana e a consequente contestação dos axiomas de Euclides, a Matemática deixava de ser considerada como passível de comprovação no mundo físico para tornar-se somente uma linguagem especial fundamentada em axiomas, cuja consistência lógica de suas estruturas deveria ser provada por demonstração.
Neste contexto, Bertrand Russel e Alfred Whitehead, na tentativa de restabelecer a ordem, em sua obra intitulada Principia Mathematica de 1910-1913, alegaram ter reduzido toda a Matemática a um sistema básico de axiomas, a partir dos quais todos os teoremas podiam ser demonstrados. Mas a crença de Russel e Whitehead, juntamente com o sonho de Hilbert, de que não existiam problemas insolúveis em Matemática, cairiam por terra com a publicação dos trabalhos de Gödel em 1930.
Kurt Gödel interessava-se pelo 2º Desafio de Hilbert, sobre a consistência dos axiomas da Matemática. Na busca por uma base lógica para toda a Matemática, ele propôs o Teorema da Incompletude, em que contrariava a suposição de Hilbert, demonstrando que em qualquer sistema lógico era possível existirem afirmações verdadeiras, porém impossíveis de serem provadas. Isto levava a Matemática a contradições e paradoxos. Devido às consequências que, segundo ele próprio, seu trabalho traria à confiabilidade das demonstrações de teoremas, Gödel passou a ter crises depressivas e daí por diante jamais se recuperou totalmente.
Mas as coisas ainda iriam piorar bastante para a Matemática europeia ao final dos anos 1930. Com o fortalecimento do Nazismo, na Alemanha e na Áustria, muitos matemáticos perderam seus cargos públicos e alguns deles, ou suicidaram-se, ou foram executados nos campos de concentração. A Europa, que tinha sido formadora de grandes matemáticos nos últimos 500 anos, saía de cena e perdia espaço para a América como protagonista na Matemática, devido à fuga de seus melhores matemáticos do regime nazista. Nomes como, Hermann Weyl, cuja pesquisa teria enorme impacto em Física Teórica; John Von Neumann, que desenvolveu a teoria dos jogos e foi pioneiro na ciência computacional; ou mesmo Albert Einstein, já famoso por suas descobertas revolucionárias.
Mas o grande desafio, dos 23 enumerados por Hilbert, que é considerado o Santo Graal da Matemática, é a Hipótese de Riemann, uma conjectura ainda sem solução que trata sobre a distribuição dos números primos a partir de uma função denominada Zeta de Riemann. A Hipótese de Riemann é considerada o principal desafio entre os Sete Problemas do Milênio, para os quais se oferece um milhão de dólares como prêmio pela solução, pois tem importantes consequências em Física e na teoria da informação, cuja aplicação principal está associada à criptografia.
Um dos grandes matemáticos do século XX e início do século XXI é Alexander Grothendieck, a quem muitos atribuem uma possível solução da hipótese de Riemann devido à sua imensa capacidade. Grothendieck foi membro de um grupo de matemáticos franceses conhecido pelo pseudônimo Nicolas Bourbaki, o qual apresentou contribuições significativas em várias áreas da Matemática, publicando um número grande de obras sobre diversos temas. Grothendieck, por sua vez, tinha interesse nas estruturas por detrás de certos padrões matemáticos e, para isto, desenvolveu uma nova linguagem que revolucionou a Matemática no século XX, a Geometria Algébrica.
Por fim, mais recentemente (nos séculos XX e XXI), além da procura por respostas a conjecturas ainda sem solução, a Matemática busca também a descrição exata de fenômenos naturais a nossa volta, bem como das propriedades do espaço e da matéria, a partir de antigas e novas teorias, tais como: Topologia, aperfeiçoada por Roger Penrose, com implicações da torção do espaço na relatividade; Geometria dos Fractais de Benoit Mandelbrot, que descreve dimensões fracionárias e faz aproximações mais exatas de áreas ou volumes de formas irregulares; Teoria dos Fluidos de Claude Navier e George Stokes e suas aplicações em hidrodinâmica e na engenharia automotiva e aeronáutica; Cibernética, fundada por Norbert Wiener, que estuda o controle e a comunicação em máquinas e, mais recentemente, o desenvolvimento da inteligência artificial pela robótica; Teoria da Probabilidade de Thomas Bayes, aplicada em pesquisas científicas que envolvam fenômenos populacionais, como a eficácia de uma vacina ou o estudo da ação de um medicamento; Teoria dos Jogos de John Von Neumann, com importantes implicações em economia por John Nash e no comportamento dos animais por Maynard Smith; Teoria do Caos, introduzida por Henri Poincaré e aplicada por Robert May no estudo de ciclos epidemiológicos e por Edward Lorenz em previsões climáticas; Teoria M de Edward Witten, uma evolução da teoria das cordas que contempla todas as forças de interação da matéria e unifica a Física; entre outras.
Referências:
1. CARL B. BOYER, História da Matemática, 3ª Ed, São Paulo: Edgard Blucher, 2010.
2. REVISTA GALILEU, Eureka - A matemática divertida e emocionante, Ed. Especial, São Paulo: Globo, 2003.
Sugestões de Vídeos:
1. MARCUS DU SAUTOY, The Story of Maths, BBC Four, 2008.
2. TERRY JONES, The Story of One, BBC, 2005.
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