terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Usineiros buscam prestígios perdidos

Autor(es): RENÉE PEREIRA, JAMIL CHADE , CORRESPONDENTE
O Estado de S. Paulo - 16/01/2012
 

Eles eram unidos, tinham as mesmas reivindicações e poder. Hoje, companhias estrangeiras dominam o setor e a classe se enfraqueceu

A chegada de megainvestidores à indústria de açúcar e etanol criou dois mundos diferentes. De um lado, os usineiros tradicionais, que até a última década protagonizaram o desenvolvimento do programa brasileiro de biocombustível. Do outro, gigantes do setor de petróleo, tradings e grandes companhias internacionais. Com a crise desencadeada nos últimos anos, as diferenças - até então toleradas - passaram a incomodar.
A alteração nos ânimos dos produtores chegou ao ponto de a União da Indústria da Cana-de-açúcar (Unica), principal porta-voz do setor, decidir colocar um novo presidente no conselho da entidade para mediar atritos. O nome do principal executivo da multinacional Bunge, Pedro Parente, foi aprovado no fim de 2011, mas ainda depende de detalhes a serem acertados para total oficialização. Marcos Jank, que acumulava duas funções, continuará na presidência executiva da associação e deve cuidar de assuntos mais técnicos.
Um dos principais objetivos é fortalecer a interlocução do setor com o governo, em especial com a presidente Dilma Rousseff. Nesse aspecto, os produtores acreditam que Parente, que foi o ministro do apagão no governo de Fernando Henrique Cardoso e tem canal aberto com Brasília, poderá dar grandes contribuições.
Desde que Dilma assumiu o governo, a Unica tenta um encontro para discutir os problemas e não consegue ser atendida, dizem fontes. "O setor está completamente perdido e desorientado, perdeu a guerra da comunicação", disse um produtor.
Voz. Na visão dos usineiros tradicionais, eles foram os maiores prejudicados pelo enfraquecimento político da associação, pois dependem de um porta-voz para levar suas reivindicações ao governo. Já os grandes grupos têm canal aberto com o Planalto e podem discutir questões particulares de cada empresa.
Um exemplo do desconforto que isso tem causado ocorreu numa reunião da Unica, contou um conselheiro que prefere não se identificar. Na ocasião, o presidente de uma grande empresa de açúcar e etanol começou a contar sobre uma viagem que fez com a presidente Dilma. Dizia ter falado dos problemas do setor e, em seguida, feito uma reunião com a presidente para comunicar as reivindicações da empresa. O relato causou constrangimento entre os demais produtores que têm sentido a perda de espaço - e poder - no setor.
"Os interesses dos principais participantes do mercado mudaram. Antes eram usineiros de primeira, segunda e terceira geração. Usavam ternos brancos, moravam no interior e conheciam cana como ninguém. Havia uma coincidência enorme de interesses", lembra o consultor da Expressão Gestão Empresarial, Eduardo Pereira de Carvalho, ex-presidente da Unica.
Hoje a situação é diferente. A participação de estrangeiros no setor já soma 23%. Em 2007, era de 7%. A Cosan, por exemplo, que tem a petroleira Shell como acionista, responde sozinha por 10% de toda cana moída no País.
O setor, que sempre foi muito pulverizado, caminha para uma forte consolidação, sem espaço para pequenas empresas. A tendência é que sejam incorporadas pelos grandes grupos que já mostraram a que vieram. São empresas como Petrobrás, Bunge, Cargill e British Petroleum (BP).
Junta-se a esse grupo a ETH, da Odebrecht, com capacidade instalada de 36 milhões de toneladas de cana (7% do mercado).
Até 2014, a capacidade da ETH deve atingir 42 milhões de toneladas, diz o presidente do grupo, José Carlos Grubisich. De acordo com fontes do mercado, a empresa está na disputa por duas unidades da Clealco, de 9 milhões de toneladas - o que faria da empresa uma nova Cosan.
"Cada empresa tem interesses distintos. Uma trading, que negocia outros produtos agrícolas, tem objetivos diferentes de uma petroleira. que é diferente de um usineiro tradicional", diz um executivo da área. Os usineiros culpam essa nova configuração pelo atual momento. A impressão, segundo um produtor, é que "a experiência está sendo menosprezada".
Produtividade. O produtor se refere à queda na produtividade dos últimos anos - a média de 83,6 toneladas de cana por hectare na região Centro-sul caiu para 68,9 toneladas. Na corrida pela expansão, muitos investidores não se preocuparam com as diferenças climáticas e de solo das novas fronteiras agrícolas. Usaram a mesma variedade de cana plantada na região de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo.
"Os usineiros mais antigos estão melindrados. Desenvolveram o setor e vão ficar de fora do melhor da festa", destaca um produtor. De fato, a tendência é essa. Com a abertura do mercado americano ao etanol brasileiro - fato atribuído ao trabalho de Marcos Jank -, mais estrangeiros e investidores nacionais devem entrar no setor. "Muitas empresas vão querer aproveitar as oportunidades. O etanol da cana é o único que pode se beneficiar das regras do biocombustível avançado", afirma Grubisich, da ETH, que investiu nos últimos anos R$ 8 bilhões em etanol.
Nestlé vê riscos na competição
Temendo sofrer uma concorrência pelo setor de energia, a Nestlé alerta para os riscos da expansão dos biocombustíveis e não disfarça sua preocupação em relação a alta dos preços de commodities. Paul Bulcke, presidente da Nestlé, deixou claro em entrevista no fim de semana ao diário Finanz und Wirtschaft que a competição entre o setor de energia e de alimentos pelas commodities pode ter um impacto negativo para a sociedade e exigiria que a produção agrícola mundial fosse multiplicada por três para atender a todos.
Em sua avaliação, se a meta estabelecida por governos for de ter 10% dos combustíveis vindo do etanol, a produção agrícola mundial terá de triplicar para garantir o abastecimento de energia e de alimentos. Para Bulcke, o debate precisa ser mais "honesto" em relação ao futuro do uso do etanol.
Sustentada na compra de matéria-prima para produzir seus produtos, a Nestlé admite que a alta nos preços de commodities e produtos agrícolas é uma ameaça e seria o "outro lado da moeda" da história da expansão dos mercados emergentes.
Segundo ele, a combinação de um nível de vida mais elevado e de um investimentos ainda baixo no setor de pesquisa coloca em perigo a segurança do fornecimento de alimentos. Na Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), 2011 entrou para a história como o ano com o maior índice de preço de alimentos desde que a entidade começou a calcular os valores pelo mundo, em 1990. Dezembro, porém, registrou uma queda diante da crise na Europa.
Apesar da ameaça dos preços de commodities, a Nestlé deve conseguir uma expansão que variaria entre 5% e 6% em 2011. Nessa perspectiva, foram os países emergentes que garantiram a expansão.
Segundo o executivo, o futuro da empresa está mesmo nos países emergentes. Até o fim da década, Bulcke aponta que metade dos negócios da Nestlé ocorrerá nos países em desenvolvimento.
O Brasil já o terceiro maior mercado mundial para produtos Nestlé. Mas o desenvolvimento do consumo na China e Índia deve ampliar ainda mais essa expansão dos mercados emergentes.
Para garantir presença nessas economias, a companhia suíça vem desenvolvendo uma estratégia que inclui a abertura de produção local e a aquisição de empresas nos países emergentes. Só no ano passado, a Nestlé comprou duas empresas chinesas.

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