Autor(es): Sílvio Figer |
Valor Econômico - 24/01/2012 |
Os desdobramentos da crise internacional nas economias centrais, desde o seu início, apontam para o verdadeiro fantasma dos bancos centrais: o mercado de crédito interbancário. Apesar de mencionado no noticiário quase que apenas nas entrelinhas - por motivos nada inocentes -, se prestarmos atenção, é este o alvo de todas as medidas de salvamento; e é esta a medida do quase-pânico com que os bancos centrais atuam, atropelando qualquer parâmetro de política monetária. Nem é para menos. É no mercado interbancário que os bancos se financiam, trocando posições de excesso e falta de dinheiro, diariamente, em volumes que, em muitos casos, excedem o valor de seus patrimônios líquidos. Não bastasse tal disparate de risco, o leitor atento terá anotado o prazo de giro: diário. A cada dia se joga, nas mesas de operações, a liquidez do sistema financeiro inteiro. E isto implica em uma sutileza despercebida: os bancos centrais sempre estiveram preparados para uma corrida bancária, que requer uma rápida injeção de liquidez no banco-alvo para ser debelada. Já no mercado interbancário não há corrida, nem banco-alvo. O que há é uma súbita suspensão do crédito interbancário, por um surto de desconfiança entre todos os bancos, simultaneamente. É o temido risco sistêmico. Um evento do gênero desencadearia uma quebradeira em cascata que, dada a globalização do sistema, atingiria a totalidade do sistema internacional, em questão de dias. Não foi outro o argumento do então secretário do Tesouro americano, Henry Paulson, quando, acompanhado do presidente do Federal Reserve (Fed, banco central americano), Ben Bernanke, reuniu-se a portas fechadas, com os líderes do Congresso americano, após a quebra do Lehman Brothers: "Ou os senhores nos dão US$ 700 bilhões agora, sem votação, ou o sistema econômico mundial recuará décadas, em questão de dias". Há testemunhas disso. Motivo: em setembro de 2008, os mercados interbancários estavam paralisados. Foi o início da incontinência monetária dos bancos centrais, que, agora, com a crise europeia, atinge o seu paroxismo. Em novembro de 2011, um sexteto de bancos centrais - o Fed, o Banco Central Europeu (BCE), e mais os da Inglaterra, Japão, Suíça, e Canadá - anunciou a ampliação dos fundos de resgate, por meio de linhas de swaps cambiais. Estas linhas funcionam pela simples troca de moedas nacionais (sempre abundantes) por moedas estrangeiras (eventualmente escassas), entre os BCs, para atender os mercados interbancários garantidos por cada um deles. No caso, estamos falando de uma cesta de dólar americano, euro, libra esterlina, iene, franco suíço, e dólar canadense - o núcleo das moedas que movimentam o mundo, que assim ficam comprometidas, para pior. Se, do fim de Bretton Woods (1971) aos dias de hoje, o câmbio caracterizou-se pela volatilidade, é de se imaginar daqui para frente, com divisas estrangeiras podendo ser livremente obtidas por swaps cambiais. Não se tratou, como anunciou o Fed, de disponibilizar mais crédito para famílias e empresas - uma impossibilidade nas atuais condições. Assim como é meia-verdade que os swaps cambiais do sexteto representam a disponibilização de dólares pelo Fed aos demais. Falta dizer que os swaps cambiais operam igualmente para o Fed resgatar um banco americano, curto de francos suíços, ou de qualquer uma das demais moedas comprometidas. Tratou-se, mais uma vez, do quase-pânico provocado pela perspectiva de travamento dos mercados interbancários, desta vez pela exposição de centenas de bancos à inadimplência soberana. Pois é neste contexto que o Banco Central do Brasil (BC) teve um cochilo macroprudencial, desconsiderando a volatilidade dos mercados interbancários. Assim dizemos porque permitiu aos bancos brasileiros alavancarem sua posição de endividamento externo, sujeitando-os aos humores súbitos deste mercado. Conforme informa o próprio BC, em setembro de 2008, por ocasião da quebra do Lehman Brothers, a dívida externa dos bancos brasileiros era de US$ 89 bilhões, que, em um movimento coerente com a situação de retração do mercado de crédito, foi se reduzindo até atingir US$ 63,6 bilhões em dezembro de 2009. A partir daí, em um movimento ininterrupto e, estranhamente, na presença de um BC que, à época, se dizia preocupado com o excesso de crédito, a tendência se inverte, com o valor atingindo US$ 103,1 bilhões em dezembro de 2010. E esta tendência manteve-se até setembro de 2011 (último número publicado), com o valor atingindo US$ 139,7 bilhões. Um acréscimo de 120% em um ano e nove meses! Afinal, quem resiste a tomar recursos a 6% para emprestar a 38,96% (taxa média geral de aplicação), com a moeda de aplicação prometendo um prêmio adicional em relação à moeda de captação?! Considere-se agora a enxurrada de liquidez adicional que será criada, com a coordenação acordada entre os seis bancos centrais, e pode-se imaginar a tentação que aguarda os nossos banqueiros, atraídos por uma arbitragem de juros psicodélica. Resta a verificação da hipótese de que esta dívida externa representaria números miúdos em relação ao porte de nossos bancos. Não parece ser o caso. O total do patrimônio líquido, do total do Sistema Financeiro Nacional (SFN), monta a R$ 458,3 bilhões (setembro de 2011). Convertendo-se a dívida externa dos bancos à taxa média de R$ 1,80, temos o valor de R$ 251 bilhões, o que representa 55% do total do patrimônio líquido do total do SFN. O mínimo que se pode dizer é que o risco está presente, apesar dos swaps cambiais. Ou, dito de outra forma: o endividamento externo dos bancos brasileiros compromete 40% das nossas reservas internacionais, de US$ 350 bilhões. |
quarta-feira, 25 de janeiro de 2012
O risco externo dos bancos brasileiros
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