Laura Antoniazzi
Os critérios que determinam o poder de cada país
O mundo já tem sete bilhões de pessoas e até 2050 estima-se que serão nove bilhões, sendo a quase totalidade desse aumento nos países em desenvolvimento. A questão de como alimentar adequadamente toda essa população vem sendo ouvida, cada vez mais, na academia, na imprensa, e nos governos mundo afora. O aumento de produtividade na agricultura é resposta central, junto com crescimento e melhor distribuição da renda mundial.
O Brasil deverá ter papel fundamental no aumento da oferta de alimentos, agroenergia, e outros produtos agrícolas, e com isso, o país deverá aumentar sua influencia econômica e política mundial. A emergência do Brasil e de outros grandes países em desenvolvimento ainda não está refletida na atual distribuição do poder na agricultura.
Esta é a avaliação do recente relatório da Scottish Agricultural College (SAC), lançado no tradicional encontro de agricultores do Reino Unido – Oxford Farmimg Conference. A Europa e os Estados Unidos dominam fortemente o poder na agricultura, amparados tanto por sua eficiência como por fortes políticas públicas que incluem subsídios e mercados protegidos.
A Conferência decidiu discutir o tema ‘poder na agricultura’ pela percepção de uma alteração no jogo de forças globais na economia como um todo e na agricultura em particular. Os agricultores britânicos estão percebendo que seu poder está sendo ameaçado por agricultores de outras partes do mundo, especialmente dos países emergentes, e o momento agora é de reflexão sobre como lidar com tais mudanças.
A concentração dos mercados agrícolas, assim como o gradual processo de liberalização comercial, também tornam o assunto de transformações do poder global na agricultura relevante. Por fim, a forte dependência do clima e de recursos naturais, grande parte não-renovável, faz com que hoje a agricultura esteja especialmente vulnerável a mudança do clima e a escassez de recursos.
Segundo o relatório, o que determina o poder dos diferentes países são o seu domínio econômico, as suas capacidades de influência política e suas dotações de recursos naturais. Participação no comércio internacional e sediar empresas transnacionais indicam poder econômico.
Nestes dois quesitos, a concentração é marcante: os 20 países que mais comercializam são responsáveis por 78 e 70% das exportações e importações globais, respectivamente; quatro companhias comercializam cerca de 80% dos grãos no mundo; sete empresas controlam a oferta mundial de fertilizantes; três companhias comercializam 50% do mercado global de sementes.
No quesito comércio, o relatório britânico defende que o que dá poder é a participação total no comércio, tanto importações como exportações. Assim, como o Brasil participa muito ativamente apenas como exportador, e não como importador, ele não recebe tantos pontos nesse critério.
Tal critério é discutível e levanta a dúvida de quem são os atores poderosos e quem são os vulneráveis em uma relação comercial. Ainda assim, Brasil e Argentina são os países que mais aumentaram o saldo líquido de comércio agrícola (exportações menos importações) entre 1997 e 2009, enquanto a Europa apresentou queda.
Com relação ao poder econômico das empresas transnacionais, verifica-se que a forte dominância dos Estados Unidos, que controlam 30% das gigantes do agro, incluindo insumos, produção, comercialização e varejo. Na sequência estão colocados Reino Unido, França e Alemanha, sendo que o Brasil não aparece na lista, a qual é baseada em estudo da UNCTAD com as maiores 150 empresas na agricultura do mundo.
Mesmo considerando o movimento de internacionalização de algumas empresas brasileiras nos últimos anos, o País ainda tem uma participação desproporcionalmente baixa nesse quesito, tendo em vista sua produção agrícola.
O poder político foi analisado pelo relatório da SAC por meio de análises de força política em organismos multilaterais como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Banco Mundial. Como esperado, os Estados Unidos e os países europeus, por serem os maiores financiadores de tais organizações, concentram poder de decisões, mas tendências de mudança nesse padrão já são observadas.
O Brasil é o décimo país em termos de contribuição para o orçamento da OMC, mas está em 4º lugar nos países que mais usaram os seus mecanismos de disputa. Também é destaque o forte poder de lobby das grandes corporações, assim como outras formas de influência de políticas públicas.
Assim como o poder econômico e político, a distribuição dos recursos naturais também é altamente concentrada. Terras aráveis, água, minerais usados como fertilizantes, e energia são a base para produção agrícola e estão distribuídos de forma bastante desigual pelo mundo. Brasil, Estados Unidos, China, Austrália e Rússia concentram um terço das áreas que atualmente poderiam ser usadas para agricultura, segundo levantamento da FAO.
Além de estar bem posicionado em termos de terras agricultáveis – a despeito de diversas restrições ambientais – o Brasil é também o país com a maior reserva de água do mundo. Os principais fertilizantes são nitrogênio, fosfato e potássio, sendo que o primeiro é produzido a partir do petróleo e os demais são minerais.
São todos, portanto, recursos não-renováveis. No quesito de rochas fosfáticas, o Oeste da África, especialmente o Marrocos é destaque, detendo quase 80% das reservas mundiais de fosfato, o que poderia dar uma posição privilegiada no médio e longo prazo. A produção atual de fosfato, no entanto, é encabeçada por China e Estados Unidos, sendo que o Brasil também produz bastante, ocupando a 7ª posição mundial.
As reservas de potássio estão concentradas na Ucrânia, Brasil, Canadá e Rússia, sendo que esses dois últimos são hoje os principais produtores. Estados Unidos e China também possuem importantes reservas, enquanto os países europeus são mais vulneráveis nesse recurso. Já na disponibilidade de energia, o relatório britânico destaca apenas as reservas de petróleo.
A agricultura moderna é altamente dependente de petróleo e seus derivados, mas apenas um terço dos gigantes da agricultura são também gigantes do petróleo. Ou seja, os outros dois terços dependem de importações e, portanto, podem apresentar fragilidades no futuro. Novamente, o Brasil se encontra em posição confortável, agora e nas perspectivas futuras.
A partir das análises apresentadas, foi criado um índice de poder para cada uma das dimensões, que está detalhado no quadro abaixo. Não sabemos precisamente o método para obter os índices, e provavelmente não estaríamos de acordo com ele, pois verifica-se um claro viés em favorecer os países desenvolvidos, e o Reino Unido em particular.
Como ranquearam o Brasil na dimensão “recursos” abaixo da Europa? Se o Brasil já ultrapassou o Reino Unido como sexta maior economia do mundo, não estaríamos também em melhor posição no poder da agricultura?
Índice do Poder Agrícola Regional – (Pontos de 1 a 5)
Fonte: Alan Renwick, Md. Mofakkarul Islam and Steven Thomson. Power in Agriculture: resources, economics, politics. Scottish Agricultural College (SAC), 2011.
De qualquer forma, a avaliação do quadro pode nos fornecer algumas considerações interessantes. Mesmo com crise e tendência de mudanças, a agricultura mundial ainda está fortemente dominada por Estados Unidos e Europa, que na pontuação final tem praticamente o dobro de poder do que o Brasil.
Destaques na pontuação são as dimensões “corporações” e “política”, onde os primeiros obtiveram nota máxima e o Brasil apenas 1 ponto. Estou de acordo que o País tem um longo caminho a percorrer nesses importantes quesitos, caso tenha interesse em ser líder mundial no agro.
Também vale refletir se todas essas cinco dimensões analisadas deveriam, ou não, ter pesos iguais e a forma como uma influencia a outra. Para o Brasil, que se destaca nas dimensões “recursos” e “minerais”, é especialmente importante analisar como pode alavancar poder político e econômico a partir dessas.
Também vale refletir se todas essas cinco dimensões analisadas deveriam, ou não, ter pesos iguais e a forma como uma influencia a outra. Para o Brasil, que se destaca nas dimensões “recursos” e “minerais”, é especialmente importante analisar como pode alavancar poder político e econômico a partir dessas.
O atual debate sobre o (falso) perigo da desindustrialização põe lenha nessa fogueira. O caminho para essa alavancagem são políticas públicas ancoradas em um planejamento de longo prazo para o País, de modo a incentivar a produção sustentável do agro, garantindo, assim, segurança alimentar e energética para o Brasil e para o mundo, entre muitos outros benefícios socioeconômicos. Todos os brasileiros têm a ganhar com isso.
Laura Antoniazzi é pesquisadora da Rede Agro
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