Aquisição de terras por estrangeiros
Autor(es): Ricardo Medina Salla |
Valor Econômico - 19/07/2010 |
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/7/19/aquisicao-de-terras-por-estrangeiros |
Não é de hoje que o Brasil é um país atraente para "players" estrangeiros do ramo imobiliário e fundos atuantes no agronegócio. Mesmo estrangeiros interessados em pequenos investimentos têm pulverizado suas compras pelas praias brasileiras. Curiosamente, por onde se passa pela humilde costa nordestina, encontram-se placas e mais placas com os dizeres "for sale", sendo de conhecimento geral que grandes áreas à beira-mar já são propriedade de grupos estrangeiros para implantação de complexos turísticos. Antes de investir no exterior, deve-se analisar o ordenamento jurídico do país receptor, focando-se no segmento em que pretende empregar seus recursos. No caso em tela, tratamos exclusivamente da possibilidade e/ou viabilidade de um estrangeiro empregar capital no ramo imobiliário brasileiro, que, como antevimos, cuida-se de um mercado com alto potencial de exploração, pelo menos até agora. Primeiramente, porque a Emenda Constitucional nº 06, de 1995, revogou o artigo 171 da Constituição Federal, trazendo ao Brasil a equiparação das pessoas jurídicas nacionais às pessoas jurídicas brasileiras controladas por capital estrangeiro. Em segundo lugar, porque o artigo 190 da Constituição, a despeito da equiparação, prevê a imposição de limitações legais às pessoas estrangeiras detentoras de bens imóveis em território nacional, as quais, até hoje, não foram empecilho aos investidores de fora. De fato, embora haja equiparação constitucional entre as pessoas jurídicas nacionais e as estrangeiras, há ainda distinções que são feitas em âmbito regulatório, previsto pela própria Constituição. É o caso da titularidade sobre bens imóveis rurais. Conforme estipulado pelo constituinte, a ordem jurídica brasileira dispõe de textos legislativos que regulamentam o setor imobiliário no tocante à participação de estrangeiros, dos quais destacamos as instruções normativas nº 864, de 2008, e nº 1005, de 2010, da Secretaria da Receita Federal. A Lei nº 5.709, de 1971, e o Decreto nº 74.965, de 1974, que a regulamenta, por outro lado, são constantemente questionados pela doutrina, buscando-se entender se foram ou não recepcionados pela Constituição de 1988. As instruções normativas vêm apenas exigir ao investidor estrangeiro que proceda ao cadastramento junto à Receita Federal. Em outros termos, para ser titular de bem imóvel, o investidor deve obter o CPF, se pessoa física, ou o CNPJ, se pessoa jurídica. Aliás, há quem entenda que, em princípio, seriam essas as únicas condições impostas aos estrangeiros para se tornarem proprietários de bens imóveis no Brasil. Isso porque a Lei 5.709 e o Decreto 74.965, que teriam o condão de estabelecer restrições à aquisição de terras rurais por estrangeiros, foram solapados pela Advocacia Geral da União (AGU), quando, em 1998, esta ratificou sua opinião emitida em 1994, de que tais limitações não teriam motivo para existir, por conta da equiparação constitucional das pessoas jurídicas nacionais e estrangeiras. Desde então, as sociedades controladas por capital estrangeiro, que tivessem sede no Brasil, não mais necessitavam de autorizações especiais para a aquisição de terras. E assim vinha sendo até os dias de hoje. Ocorre que, desde a liberalização promovida pela AGU, os números das incursões estrangeiras aumentaram significativamente, fazendo com que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) perdesse o controle das empresas e pessoas físicas que adquiriram terras no Brasil nos últimos tempos. Em vista dessa perda, não só a AGU vinha considerando revogar sua opinião emitida em 1998, como, agora, o próprio presidente da República resolveu intervir, propondo a aprovação de uma emenda constitucional que permitiria a imposição de restrições contundentes à aquisição de terras por estrangeiros. Em declaração malthusiana, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, demonstrou a preocupação do governo com a segurança alimentar, em detrimento da manutenção e captação de recursos internacionais. Na mesma oportunidade, acenou com a possibilidade da emenda constitucional ter efeitos retroativos, com o fim de se restaurar aquisições imobiliárias já escrituradas, em desfavor do compradores estrangeiros. Em linha com a corrente governista, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no dia 13 de julho, decidiu pela retomada da Lei 5.709, recomendando aos cartórios que procedam ao controle da aquisição de terras por empresas brasileiras com participação majoritária de estrangeiros, pessoas físicas ou jurídicas. Dessa forma, antigas restrições, como a limitação de aquisição de terras por estrangeiros a um quarto da extensão territorial dos municípios, devem voltar a valer em breve. De fato, a decisão do CNJ concedeu o prazo de 60 dias às corregedorias locais para adaptarem suas normas, que terão de ser cumpridas pelos oficiais de registro. Adicionalmente, o CNJ determinou aos cartórios que lhe enviassem a relação das terras até hoje adquiridas por estrangeiros, o que poderia demonstrar o início de um planejamento para aplicação de efeitos retroativos pela nova emenda constitucional. Embora não se rechace a regulação dos meios de aquisição de terra, o receio está na forma como essa se fará. As medidas de preservação dos recursos brasileiros devem se dar de maneira ponderada, para não se incorrer no mesmo erro protecionista gravado na história. Se hoje a economia do Brasil vem se destacando entre a de seus concorrentes, é porque soube, em algum momento, mesclar liberação com regulação, feita esta de forma responsável, sem inviabilizar o ingresso de capital externo. Aguardemos o que virá do tão comentado código de conduta proposto pelo Executivo Federal. Grupo abre capital em Hong Kong para comprar terras20 de julho de 2010 Por Tom Mitchell e Robert Cookson Do Financial Times/ Hong Kong A Agrifirma, grupo brasileiro que trabalha na aquisição e desenvolvimento de terras agrícolas, está esperando para se tornar a primeira empresa nacional a ser listada na bolsa de Hong Kong. Apoiada pelo investidor britânico Jacob Rothschild, a iniciativa ocorre depois de a empresa já ter atraído recursos de alguns dos maiores magnatas do território. Com a entrada na bolsa, a Agrifirma espera levantar entre US$ 100 milhões e US$ 200 milhões a partir da oferta pública inicial de ações, prevista para 2011. "O mercado ficou um pouco ruim em 2008 e 2009, mas agora estamos prontos para prosseguir", disse Charles Brown, diretor da Lake House, empresa com assento no board da Agrifirma. Na semana passada, Ian Watson, presidente da Agrifirma, baseado em Londres, se reuniu com bancos de investimento, representantes da bolsa de Hong Kong e fundos de investimento, incluindo o China Investment Corp. (CIC). No ano passado, o CIC já havia pago US$ 856 milhões por 15% do Noble Group, um operador de commodities de Hong Kong, em um negócio que já demonstrava a crescente preocupação chinesa com a segurança alimentar do país. A empresa brasileira já comprou 60 mil hectares de terras no Estado da Bahia e planeja aumentar suas terras para chegar a 100 mil hectares antes da abertura do capital. O grupo gasta, em média, US$ 2.300 para adquirir cada hectare e transformá-lo em uma terra passível de ser cultivada. O negócio da Agrifirma consiste em comprar terras, especialmente no Cerrado, e transformá-las em áreas produtivas. A empresa já levantou US$ 179 milhões até agora, incluindo investimentos de dois magnatas de Hong Kong - Raymond Kwok e Adrian Fu - e o grupo de investimentos Lake House. "Há uma escassez de terras cultiváveis na própria China", disse Fu, que atua no segmento hoteleiro. "Eventualmente, a China terá de ir ao exterior para originar seus produtos agrícolas", disse. A família Kwok controla a Sun Hung Kai Properties, maior grupo de Hong Kong a atuar no segmento de desenvolvimento de propriedades. Para Watson, da Agrifirma, "a renda no mundo em desenvolvimento está crescendo e isso vai gerar uma alta nos preços dos alimentos". Ele observa que o Brasil tinha 14% da água fresca do mundo, enquanto as populosas províncias do norte da China e suas cidades são permanentemente secas. "Quando você exporta agricultura você está exportando água", afirma Watson. |
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