segunda-feira, 12 de julho de 2010

Muita demanda para pouca poupança

http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/7/12/muita-demanda-para-pouca-poupanca
Autor(es): Raul Velloso
O Estado de S. Paulo - 12/07/2010

No Brasil existe uma longa tradição estatista, associada à desconfiança em relação ao capital privado e estrangeiro e à ideia de que o Estado pode resolver boa parte das mazelas sociais do País. Mais recentemente, ignorando a enorme escassez de recursos públicos que vigora há muitos anos no País, esse perfil foi fortalecido pela ascensão de governos com viés estatista ainda mais forte por aqui e em outros países da América Latina e pela associação espúria entre a crise econômica recente e a necessidade de maior intervenção do Estado na economia.

É nesse contexto que se vem tentando implementar o "modelo" de crescimento dos gastos públicos correntes consagrado no texto constitucional de 1988, com vistas ao "resgate da dívida social", em que, de tempos em tempos, pressões puramente corporativas pegam carona indevida.
Além disso: 1) tem havido claro recuo das políticas liberalizantes implementadas junto ao Plano Real; 2) tenta-se reforçar o papel do Estado na expansão de setores básicos, como energia elétrica, petróleo e mesmo telecomunicações (cuja privatização foi reconhecidamente um caso de sucesso); e 3) procura-se recolocar em prática a ideia de que o Estado deve ser o grande operador no financiamento das atividades de investimento no País, notadamente das empresas estatais, mediante a colocação de títulos públicos e emprestando com juros subsidiados. >>> PSDB
Ao contrário da China, que, segundo consta, poupa 50% do seu PIB - e onde a linha que separa público e privado é pouco nítida -, lideranças políticas querem que o setor público brasileiro, poupando muito pouco e com baixo grau de eficiência, dê conta, simultaneamente, de muitas tarefas. Seriam: diminuir a pobreza; promover a redistribuição de renda; fornecer serviços básicos de saúde e educação com subsídios ou gratuitamente; pagar o funcionalismo acima do setor privado; investir pesadamente em infraestrutura, energia, petróleo, telecomunicações, etc.; ser o principal financiador dos investimentos no País; interferir nos mercados cambiais depreciando a moeda nacional (como faz a China); sem falar no malsucedido 3.º Plano Nacional de Direitos Humanos.

O ponto central é que, para o governo fazer tanta coisa, precisa poupar muito. E essa não é nossa tradição. Último dado do IBGE para a poupança global interna: 14,2% do PIB, no início deste ano. Minha estimativa para a poupança média das administrações públicas (União, Estados e municípios, sem empresas) em 1995-2009: -0,1% do PIB (ou seja, um déficit corrente). Não é preciso recorrer a diferenças ideológicas - trata-se de mera falta de dinheiro. É preciso diminuir, e não aumentar, os gastos correntes.

Se os gastos são ineficientes, é sempre possível fazer mais com os mesmos recursos. E nada é de graça. Mesmo se fossem eficientes e cobertos por impostos adicionais, os aumentos de gastos correntes no Brasil encerrariam outros problemas: primeiro, redução de produção por causa dos próprios impostos; e, segundo, de poupança privada, não só pela queda de produção, como porque, via transferências orçamentárias, são redirecionados recursos de quem poupa mais para quem poupa menos. Resultado: queda de investimentos privados.

Sem cobertura de impostos adicionais, reduz-se a disponibilidade de recursos para investimentos públicos. Para realizá-los, só aumentando o endividamento público, à custa de subir as taxas de juros e inibir o setor privado. No final, queda dos investimentos e da taxa de crescimento potencial da economia.

Nas fases de bonança internacional, como a que vivemos entre 2003 e 2008, o aporte maciço de poupança externa resolve parte das deficiências, mas à custa de inundar de dólares o País (que, sem poupança suficiente, tem de se endividar internamente para comprá-los, e, mesmo assim, não impede a apreciação cambial com efeitos desfavoráveis sobre certos segmentos). E como nem tudo pode ser importado (especialmente serviços de infraestrutura), o congestionamento de gastos correntes públicos com o investimento privado acaba pressionando a inflação além da conta, levando, finalmente, à subida dos juros e à interrupção da retomada.

E o velho risco de insolvência pública? A crise de 2008 nos pegou com margem inédita para piorar os resultados fiscais, porque vínhamos gerando saldos acima do necessário para estabilizar a razão dívida líquida-PIB. Só que essa margem já se esgotou. E, além disso, criamos um compromisso adicional de R$ 66 bilhões que não existia antes da crise e não consta das estatísticas da dívida pública líquida de ativos financeiros. Trata-se do valor presente dos subsídios de crédito dos novos empréstimos do BNDES, conforme cálculos do próprio banco.

É curioso que, nessas condições, não haja maiores preocupações com o risco fiscal. Talvez porque haja países na Europa em situação bem pior, por não terem acumulado a citada margem para piorar. Só que lá a ameaça à unificação monetária cria um manto de proteção para os países mais fracos, enquanto por aqui a saída tem de vir mesmo é do nosso bolso.


Ajuste de 1999 do Brasil é exemplo, diz Arminio

Autor(es): Sergio Lamucci, de São Paulo
Valor Econômico - 12/07/2010
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/7/12/ajuste-de-1999-do-brasil-e-exemplo-diz-arminio
Os países ricos precisam enfrentar os desequilíbrios fiscais e criar uma âncora de confiança de longo prazo para resolver o impasse atual e retomar o crescimento, acredita o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga. Para ele, a resposta brasileira à crise de 1998/1999 é um caso de ajuste bem sucedido e que traz lições importantes. Insistir num receituário "hiper keynesiano" - como defendem economistas como o Nobel Paul Krugman -, com a manutenção de uma política fiscal excessivamente frouxa, pode causar uma instabilidade maior, diz Arminio.
"Nós vivemos algo parecido no Brasil, na transição de 1998 para 1999, e parte importante da resposta àquela crise foi a Lei de Responsabilidade Fiscal, gestada em 1998, encaminhada e posta em prática em 1999 e aprovada em 2000", afirma ele, que assumiu o BC em março de 1999, para comandar a política monetária. "O exemplo do Brasil é válido", afirma ele. "Ao reforçar a solvência a longo prazo, a LRF reduziu a incerteza, em especial os riscos de inflação e moratória no Brasil."
Sócio da Gávea Investimentos e presidente do Conselho de Administração da BM&FBovespa, Arminio diz que "algo da família de uma lei de responsabilidade fiscal" para a Europa seria uma boa medida, assim como enfrentar questões estruturais ligadas ao envelhecimento da população, como nas áreas de saúde e previdência.
Os países ricos, em especial os europeus, atravessam uma fase delicada por conta dos elevados déficits nas contas públicas, surgidos em virtude das medidas fiscais destinadas a combater a crise de 2008. Ele vê como positivas as medidas de ajuste mais imediatas que tem sido tomadas por alguns países, mas ressalta que "o ideal seria tomar também providências de longo prazo, de tal forma que o ônus do ajuste ficasse mais distribuído ao longo do tempo".
Arminio diz que "o receituário hiper-keynesiano não se aplica a qualquer situação". Segundo ele, "o problema fiscal existe, todo mundo sabe que um ajuste vai ter que ocorrer, de um jeito ou de outro. Ou ocorrerá de modo ordenado, ou ocorrerá algum tipo de crise da dívida ou inflação, ou alguma combinação dessas variáveis".
Quanto ao Brasil, Arminio vê o país bem posicionado para enfrentar um cenário externo que se desenha mais adverso, com menor crescimento e maior aversão ao risco. A situação do balanço de pagamentos é razoável, ainda que o déficit em conta corrente esteja em alta, diz ele, lembrando o volume confortável de reservas internacionais do país. Arminio destaca, porém, ser fundamental manter um padrão de boa gestão macro econômica. "E o ideal seria abordar questões de longo prazo, como o crescimento dos gastos públicos e da dívida, para não falar de temas estruturais como a educação e a infraestrutura."
Para ele, o mundo mais inóspito pode ameaçar o ritmo de crescimento mais alto do país dos últimos anos, de 4,5% a 5% ao ano. "Durante o período da bolha o Brasil pôde crescer sem restrição externa. Mais recentemente isso mudou e o caminho tem que ser trilhado levando isso em conta, sobe pena de se cair em armadilhas que conhecemos bem, como endividamento excessivo e inflação."
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Qual a real extensão da crise europeia?
Arminio Fraga: A extensão é grande, mas o foco continua a ser na periferia, nos países do Mediterrâneo principalmente, embora os demais países europeus vivam um momento de tensão. A França tem uma situação fiscal mais vulnerável do que a Alemanha. O próprio Reino Unido, que não faz parte da união monetária europeia, está vivendo uma fase complicada, à medida que teve que expandir imensamente a sua política fiscal e agora está num momento de contenção, num ambiente meio recessivo. A meu ver, é correto tentar criar uma âncora de confiança de longo prazo, sem a qual o problema não se resolve. Nós vivemos algo parecido no Brasil, na transição de 1998 para 1999, e parte importante da resposta àquela crise foi a Lei de Responsabilidade Fiscal, gestada em 1998, encaminhada e posta em prática em 1999 e aprovada em 2000. Ao reforçar a solvência a longo prazo, a lei de responsabilidade fiscal reduziu a incerteza, em especial os riscos de inflação e moratória no Brasil.
Valor: O senhor tem então uma visão diferente daqueles que dizem que apertar a política fiscal nos países ricos neste momento seria um tiro no pé?
Arminio: O ideal seria ao menos desenvolver uma resposta convincente para as questões de longo prazo. Para ganhar espaço no curto prazo e não ter que ajustar rapidamente, seria importante que vários países abordassem primeiro as questões que têm a ver com envelhecimento, como saúde e previdência. Em segundo lugar, em conjunto, introduzir algo assim da família de uma lei de responsabilidade fiscal. Com isso, seriam menores as preocupações fiscais que muita gente tem, eu inclusive, de que essa política já pode ter chegado ao seu limite para vários países.
Valor: Algum ajuste fiscal já precisa ser feito imediatamente?
Arminio: Em alguns casos, como a da Grécia, eu não vejo como não passar pelo ajuste. E a maioria dos países na Europa já decidiu fazer algum ajuste no curto prazo.
Valor: Isso é bem-vindo?
Arminio: Acho que sim. O ideal seria tomar também providências de longo prazo, de tal forma que o ônus do ajuste ficasse mais distribuído ao longo do tempo. Isso poderia ser algo como a lei de responsabilidade fiscal, uma reforma da Previdência. Nos EUA, por exemplo, perdeu-se uma oportunidade importante com a reforma do sistema de saúde, mas isso poderia em algum tempo ser revisitado lá. Politicamente é complicado, mas chega uma hora em que as questões têm que ser enfrentadas. Quando isso ocorre, a nossa experiência e a de vários outros países mostram que a economia reage. O setor privado começa a gastar, a investir e a consumir. O exemplo do Brasil é válido. Há um certo momento em que, se a crise de confiança for suficientemente grave, é necessário enfrentar essa questão. Quando isso é feito, embora a demanda do setor público diminua, o setor privado pode de certo modo compensar isso, como ocorreu aqui. No Brasil, a previsão era de uma queda no PIB de 4% em 1999. Fez-se o ajuste e, mesmo no ano da crise, crescemos quase 1%. É verdade que nós tivemos a vantagem de um câmbio mais depreciado, mas o euro também está se depreciando. Não é uma coisa linear a conclusão de que será uma repetição do que ocorreu na década de 30. Se o setor privado está acanhado, retraído, com a recuperação da confiança a longo prazo, é possível que isso dê certo. O ideal, como eu disse, seria não fazer um ajuste fiscal muito forte no curto prazo, implementando-o de modo gradual, mas de uma forma tal que se perceba e se acredite numa trajetória de ajuste.
Valor: Existe o risco de a Europa viver 10 anos de estagnação como o Japão nos anos 90?
Arminio: O risco é baixo. Ainda existe muito medo do que está acontecendo no sistema bancário europeu, que é menos transparente que o americano e onde se suspeita que o ajuste não tenha ocorrido de modo convincente como ocorreu nos EUA. Mas é pouco provável que haja uma repetição da história japonesa.
Valor: O senhor acha então exagerada o avaliação de Paul Krugman, de que existe o risco de uma nova depressão?
Arminio: Existem riscos hoje e a questão é saber como fazer uma limonada desse limão. Também existe o risco de uma instabilidade muito grande e crescente se algo não for feito. Krugman pelo visto acha que não. Imagino que ele acredite que dá para esperar e fazer isso mais à frente. Acho que isso fica mais bem feito se for realizado de modo crível, de uma forma mais amarrada. Não dá para tapar o sol com a peneira. Esse problema existe, todo mundo sabe que um ajuste vai ter que ocorrer, de um jeito ou de outro. Ou ocorrerá de modo ordenado, ou ocorrerá algum tipo de crise da dívida, ou inflação, ou alguma combinação dessas variáveis.
Valor: O senhor teme uma overdose de keynesianismo?
Arminio: Eu temeria, com certeza. Já vivi isso. Na minha visão, o mundo está numa viagem sem estepe. Se você está numa longa viagem e no começo fura o pneu, passa a ser uma viagem intensa. A margem de manobra em alguns países hoje é limitada e, em certos casos, é inexistente. É melhor criar condições para recuperar a credibilidade, dando esse tipo de resposta de longo prazo, como foi feito aqui.
Valor: Como deve ser esse ajuste nos países ricos? Por meio de cortes de gastos, por meio de aumentos de impostos ou por uma combinação dessas duas medidas?
Arminio: A experiência mostra que os ajustes mais bem sucedidos focam bastante nos gastos. Mas em muitos casos a resposta exigida é tão grande que provavelmente exigirá ambos. O mais importante é amarrar a meta e mostrar o caminho.
Valor: O senhor acha acha que a união monetária europeia está em risco? Existe a possibilidade de algum país sair da união ou até de o euro acabar?
Arminio: Acho baixíssimo esse risco. Eu não vejo nem do lado político nem do lado econômico nenhum incentivo para um movimento maior. Não se pode descartar eventualmente que um ou outro país reestruture a sua dívida ou até abandone o euro. Mas não acredito em algo mais generalizado. Eles deram um sinal muito claro de compromisso com a união monetária e também de compromisso entre eles, de ajuda mútua. E eles também estão se ajustando. Ao contrário do que alguns economistas têm dito, acho que eles estão fazendo isso com razão. O receituário hiper keynesiano não se aplica a qualquer situação. A partir de um certo ponto, corre-se o risco de uma instabilidade maior.
Valor: Nas últimas semanas, indicadores apontaram uma piora na atividade econômica nos EUA, como produção industrial, emprego, venda de casas. Existe o risco de uma recaída recessiva nos EUA?
Arminio: Há algum risco sim. É uma questão de confiança.
Valor: Também é necessário que os EUA façam algo em relação à questão fiscal?
Arminio: A necessidade de ajuste é imensa. Se você olhar com cuidado e analisar os números agregados da Europa e comparar com o Japão e os EUA, os números europeus não são piores, salvo essa questão do sistema bancário, que é uma ressalva importante. A política americana tem sido até o momento mais keynesiana e, a meu ver, está fazendo falta uma âncora mais de longo prazo.
Valor: Na semana passada, surgiram indicadores mostrando desaceleração em países asiáticos, como China e Coreia do Sul. Em que medida isso afeta a economia global e os países ricos?
Arminio: A China está fazendo ajustes e existe algum receio de que ela possa desacelerar um pouco. A minha leitura é que a China, apesar de tudo, tem uma certa margem de manobra para administrar isso. Todos esses países exportam muito e não estão isolados do resto do mundo. Os problemas em geral afetam a todos, não da mesma maneira, e as soluções na prática precisam vir de todos. Levando isso em conta, parece claro que o mundo não vai entrar numa fase de crescimento acelerado. Pode até voltar a crescer, mas vai ter que se contentar a crescer com um crescimento menor que no pré-crise, que aliás foram anos meio de bolha.
Valor: Já começa a se desenhar um ciclo de crescimento mais fraco também para os emergentes?
Arminio: Ninguém acredita que a China terá mais uma década de crescimento de dois dígitos, crescendo 12% ao ano. Mas como o país é hoje muito maior, se mantiver um crescimento nos próximos dez anos uma taxa de crescimento de 8% ou 9%, será algo extraordinário. Uma economia de US$ 5 trilhões, se crescer 8%, aumenta US$ 400 bilhões por ano. Lá atrás, quando era um país de US$ 2 trilhões, se crescia 12%, aumentava US$ 240 bilhões por ano. Do ponto de vista do mundo, fazendo uma aritmética apenas para exemplificar, o impacto é muito relevante. Mas isso não é suficiente. Um país sozinho não resolve. Acho que continuará a haver uma mudança no mundo em direção natural aos emergentes, que são mais pobres, têm condições de sustentar um crescimento mais acelerado, num processo de convergência. Mas se o mundo todo estiver carregando ainda o ônus da recuperação dos balanços, das famílias, dos governos, que estão muito endividados, fazendo isso com mais impostos, com menos convicção, com menos confiança, é razoável se esperar menos crescimento.
Valor: Também para os países emergentes?
Arminio: Para todos. Mas o crescimento dos emergentes deve continuar bem maior do que o dos países ricos.
Valor: Como esse possível desaquecimento vai afetar a economia brasileira? Pelo fluxo de capitais ou pela economia real, pelo canal comercial?
Arminio: Um pouco de cada lado. O Brasil é uma economia grande, diversificada, mas tem um componente importante de exportações que podem ficar menos exuberantes por um tempo. Além disso, as grandes empresas do mundo e os grandes investidores podem ficar retraídos por um tempo. Mas nós temos um balanço de pagamentos ainda confortável, uma situação de reservas e de dívida também. A meu ver, não é algo que signifique um retorno às tensões que vivemos em vários momentos do passado. Mas isso nos afeta, não tem jeito. É universalmente aceito por quem olha os dados que, no período de crescimento acelerado da economia global, de 2003 a 2007, nós nos beneficiamos muito. Isso foi bom e aliviou várias fontes de pressão, das quais o balanço de pagamentos é a principal, mas não a única. Isso vem com a nossa maior inserção global, que no geral é extremamente positiva.
Valor: Isso se traduz em crescimento um pouco menor e câmbio um pouco mais depreciado?
Arminio: Isso nos expõe ao ciclo. Tudo o mais constante, sim.
Valor: É um crescimento muito menor, um câmbio muito mais depreciado?
Arminio: O câmbio é mais complicado, porque é um preço relativo, é a nossa moeda em relação a outras. Até que ponto isso vai nos afetar negativamente não está claro para mim. O Brasil continua sendo um país que ainda oferece muita coisa positiva, em termos de risco, de oportunidades, de taxa de juros. Eu não antevejo nenhum impacto maior, salvo se nós derraparmos por alguma razão, o que também não é a minha expectativa.
Valor: O que o Brasil deve fazer para enfrentar esse cenário global mais adverso, de menor crescimento e possível maior aversão ao risco?
Arminio: O mínimo: manter um padrão de boa gestão macro. O ideal é abordar questões de longo prazo, como o crescimento dos gastos públicos e da dívida, para não falar de temas estruturais como a educação e a infraestrutura.
Valor: O crescimento brasileiro tem sido liderado pela demanda doméstica. Isso significa que o cenário global mais adverso terá um impacto pequeno sobre o ritmo de expansão da economia do país?
Arminio: Crescimento requer demanda e oferta. Temos que cuidar da oferta também. O mundo econômico oscila, cabe ser realista e prudente para lidar com essa realidade.
Valor: O Brasil cresce a uma taxa mais próxima de 4,5% a 5% por ano de 2004 para cá. Com o mundo mais inóspito, esse ritmo pode ficar ameaçado?
Arminio: Sim. Durante o período da bolha, o Brasil pôde crescer sem restrição externa. Mais recentemente isso mudou, e o caminho tem que ser trilhado levando isso em conta, sob pena de se cair em armadilhas que conhecemos bem, como endividamento excessivo e inflação.
Valor: Os termos de troca [diferença entre preços de exportação e importação] brasileiros melhoraram muito neste ano, em função da forte alta dos preços de alguns produtos de exportação. Esse quadro está ameaçado com o cenário externo menos benigno?
Arminio: Possivelmente, por fatores cíclicos, mas em geral vejo o Brasil bem posicionado.
Valor: O déficit crescente em conta corrente, num cenário global, preocupa?
Arminio: Eu considero que o balanço de pagamentos está razoável, mas nós temos um déficit a financiar. Não é igual o que era há um tempo atrás, mas é uma trajetória natural para nós neste momento. A nossa taxa de poupança é baixa, a nossa economia tem atraído muito interesse, muito investimento externo, o que gera, como contrapartida, um câmbio mais forte e um déficit em conta corrente maior. É normal. Se for longe demais, é perigoso, mas por enquanto não. E, com o câmbio flutuante, menos perigoso do que era no passado.
Valor: Se a desaceleração global for mais forte do que se imagina ou se houver trajetória em W, como isso impacto o ciclo de alta da taxa Selic?
Arminio: Há muitas variáveis cuja resultante não é fácil calcular. Em tese, se houver muita desaceleração, a pressão sobre a inflação diminui, mas é necessário ver o que ocorre com um conjunto de variáveis.

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