quinta-feira, 15 de julho de 2010

O tempo do Nacional-Desenvolvimentismo cf. a Lei

A quem pertencem as riquezas nacionais?

Autor(es): Adriano M. Branco
Valor Econômico - 15/07/2010
 
Quando a Vale eleva o preço do minério, que constitucionalmente é da União, está embolsando uma mais valia que é parte da riqueza nacional
Riquezas nacionais foram entendidas como sendo os recursos minerais encontrados no subsolo, durante muito tempo - ouro, diamante, petróleo, minérios em geral. As constituições federais, entretanto, desde a de 1934, trataram o problema com um dispositivo especial, repetido nas constituições de 1937, 1946, 1967 e 1988 com redações semelhantes, dispondo "As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia elétrica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento e pertencem à União" (C.F. 1988). A Constituição de 1934 denominava tais jazidas de "riquezas do subsolo".
Conquanto muito semelhantes nessa definição inicial, as cartas magnas diferem relativamente à propriedade dessas riquezas. Com efeito, a de 1934 diz que "a lei regulará a nacionalização progressiva das minas" etc.. A de 1937 estabelecia que o aproveitamento desses recursos "depende de autorização federal". Adiante repete praticamente artigo da Constituição de 1934 que "a lei regulará a nacionalização progressiva" etc.
A Constituição de 1946 menciona a necessária autorização ou concessão federal para o aproveitamento dos recursos, "na forma da lei". A de 1967 mais ou menos repete os termos da de 1946, acrescentando que as concessões seriam outorgadas "exclusivamente a brasileiros ou às sociedades organizadas no país".
Mas a Carta Magna de 1988 foi muito além, ao acrescentar ao artigo 176, que distingue a propriedade das riquezas do subsolo daquelas do solo, a seguinte surpreendente liberalidade: "Garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra".
Então, a propriedade daquelas riquezas, ditas da União, pode ser transferida ao concessionário de sua exploração!
Se o aberrante dispositivo constitucional já causa espécie quando se trata de "jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia elétrica", o que se dirá quando nos conscientizarmos de que também são "riquezas" do país as águas (superficiais ou subterrâneas), as florestas e seus produtos, a extensa costa marítima, o ar puro que respiramos e o próprio solo generoso que insistimos em poluir?
Dessa extravagância constitucional já derivam outras inexplicáveis. Por exemplo, a Companhia Vale do Rio Doce tem grandes concessões de minério de ferro. Quando ela eleva em 100% o preço desse minério, que constitucionalmente é da União, está embolsando uma mais valia que é parte da riqueza nacional.
Pior ainda são as concessionárias da exploração dos recursos minerais do país, que podem vender suas reservas a terceiros, lucrando ao negociar a riqueza nacional e, com frequência, transferindo-a a estrangeiros!
Prevenindo tais dilapidações da riqueza nacional, as Constituições de 1934 e de 1937 estabeleceram dispositivos como: "A lei regulará a nacionalização progressiva das minas, jazidas minerais e quedas d " água ou outras fontes de energia hidráulica, julgadas básicas ou essenciais à defesa econômica ou militar do País" (14º, art. 118, Constituição de 1934).
Está evidente a falta de uma regulamentação atualizada e adequada para o aproveitamento dos recursos naturais do país. Não se trata de uma discussão ideológica, mas sim de uma abordagem justa da partilha das riquezas nacionais, que alguns já veem como dever do Estado.
A análise desse problema conduz a um outro, igualmente momentoso: a questão da renda mínima do cidadão, que já deu origem à Lei 10.835 de 08/01/2004. Tal lei decorre de muitas iniciativas, realizadas aqui e no exterior, visando assegurar a todos os cidadãos uma condição mínima de sobrevivência. E já se viu que os recursos empregados com esse objetivo acabam impulsionando a própria economia como um todo.
Mas o defensores da ideia a promovem de modo incondicional. Ou seja, os recursos dos cidadãos provem de seu direito à partilha da riqueza nacional, independentemente da condição de estar ou não trabalhando ou ter ou não o filho na escola. Se preencher essas condições, melhor; mas é preciso reconhecer que a maior parcela dos cidadãos mais pobres é analfabeta, com grande dificuldade de obtenção de emprego. Daí, inclusive, a importância de forçar o estudo e o aprendizado em todas as direções.
Restam, porém, dois problemas: 1) como definir e quantificar a riqueza nacional? 2) A distribuição a todos os cidadãos, como seria justa, pode significar muito pouco recurso para cada um. Esse problema já tem solução apontada pela própria lei: poderá haver uma distribuição seletiva, beneficiando os mais pobres, de forma não equitativa mas socialmente justa.
Para começar a pensar na distribuição da riqueza nacional, é imprescindível admitir que os minérios, por exemplo, têm um valor intrínseco, a ser fixado pelo poder público. E, por outro lado, oscilações favoráveis do mercado devem ser partilhadas com os donos da riqueza: os cidadãos brasileiros. Identificando, enfim, a riqueza nacional e seu valor, pode-se constituir um fundo, a partir do qual se estabelecerá a Renda Básica do Cidadão, prevista na Lei 10.835/04.
Em tempo: este artigo já estava pronto quando a Austrália anunciou que taxará os mineradores em 30%, com o fito de "redistribuir para a sociedade como um todo os ganhos proporcionados pela enorme alta dos metais".

A SOBERANIA NACIONAL E OS RECURSOS MINERAIS DO BRASIL

              Dias atrás eu “descobri” grave impropriedade na Constituição Federal. Com efeito, em seu artigo 176, a Carta Magna estabelece:
“As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra”.

               É evidente o contrasenso: como podem as jazidas e demais recursos naturais ser propriedade da União e do concessionário ao mesmo tempo? Transferir a terceiros a riqueza mineral do País, de maneira incondicional como está aí, é um esbulho em relação ao povo brasileiro, dono desses recursos. Pertencer à União significa pertencer ao povo brasileiro.
               A primeira conclusão a que nos leva o artigo constitucional é que a riqueza mineral não tem valor intrínseco. Concedida a terceiros, estes calcularão os custos de exploração, de refino e de transporte, chegando a um custo final, que se converte em preços mediante o acréscimo do lucro e dos tributos. Se assim é, a concessão deveria prever uma participação dos brasileiros nesse lucro, a partir de um valor mínimo. Com recursos dessa origem e de outras assemelhadas, o País poderia constituir o Fundo de Renda Básica da Cidadania, desiderato de lei federal aprovada em 08/01/2004.
               Fica mais evidente a falta de regulamentação adequada do dispositivo constitucional, quando se vê as mineradoras brasileiras elevarem em 100% o preço do minério de ferro, revertendo os ganhos dessa manobra para o seu patrimônio. Mais ainda, quando se vê mineradoras nacionais venderem as jazidas que lhe foram concedidas, para estrangeiros.
               Impressiona ainda que essa “doação” da propriedade da União aos concessionários aparecem justamente na Constituição de 1998, cognominada de “cidadã” e tida por muitos como estatizante. Com efeito, o artigo 118 da Constituição Federal de 1934 trata do mesmo tema, mas limitando-se a prescrever:
Artigo 118 – As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d’água, constituem propriedade distinta da do solo para efeito de exploração ou aproveitamento industrial”.

               Mas vai além, na defesa do interesse nacional quando estabelece:
§ “4º – A lei regulará a nacionalização progressiva das minas, jazidas minerais e quedas d’água ou outras fontes de energia hidráulica, julgadas básicas ou essenciais à defesa econômica ou militar do país”.

               Por seu turno, a Constituição de 1937, estabelece:
Artigo 143 – As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d’água, constituem propriedade distinta da propriedade do solo para efeito de exploração ou aproveitamento industrial. O aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica, ainda que de propriedade privada, depende de autorização federal”.

               Depender de autorização federal deve significar a existência de lei regulamentadora.
               Em seu artigo 144, a Constituição de 1937 estatui:
Artigo 144 – A lei regulará a nacionalização progressiva das minas, jazidas minerais e quedas d’água ou outras fontes de energia, assim como das indústrias consideradas básicas ou essenciais à defesa econômica ou militar na Nação”.

               A Carta Magma de 1946 prescreve:
Artigo 152 – As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d’água, constituem propriedade distinta da do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial”.
Artigo 153 – O aproveitamento dos recursos minerais e de energia hidráulica depende de autorização ou concessão federal, na forma da lei”.

               Aqui fica explicitado que as concessões se exercerão “na forma da lei” (grifo nosso).
               Por fim, a Constituição Federal de 1967 estabeleceu:
Artigo 161 – As jazidas, minas e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial”.

§ 1º – “A exploração e o aproveitamento das jazidas, minas e demais recursos minerais e dos potenciais de energia hidráulica dependem de autorização ou concessão federal, na forma da lei, dada exclusivamente a brasileiros ou a sociedades organizadas no País”.

               Vê-se, assim, que as constituições a partir de 1934 são unanimes em considerar que as riquezas do subsolo constituem propriedade distinta da do solo, sendo o seu eventual aproveitamento por terceiros sujeitos a concessão federal, na forma da lei (grifo nosso). E obviamente essa lei regulamentará a partilha dos lucros em favor da União. Mas a Constituição vigente – cidadã – autorizou simplesmente a propriedade do produto da lavra ao concessionário, embora dissesse de início que as “jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União”. Vale dizer, ao povo brasileiro. Talvez tenha havido entendimento de que a exploração se refere ao povo brasileiro e o aproveitamento ao concessionário…

Adriano M. Branco

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