quarta-feira, 14 de julho de 2010

Entre exportar e morrer

Frase de FHC transforma-se em mote do debate
entre especialistas sobre mercados comuns
Exportar ou morrer! Ao parafrasear D. Pedro I, o presidente Fernando Henrique Cardoso provocou a polêmica entre os especialistas em globalização e comércio internacional, já que, com as economias em desaceleração nos principais países importadores e as barreiras protecionistas em vigor, fica difícil escapar da segunda alternativa. “Não se sabe a quem esta frase foi dirigida: se aos empresários ou à população”, declarou durante a Cientec o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, ex-diretor de Relações Internacionais do Itamaraty, que acaba de ser dispensado do cargo. 
Guimarães é um crítico do atual governo, no que se refere ao entusiasmo em firmar alianças comerciais que considera de resultado duvidoso. Uma delas é a Alca, que o embaixador vê como uma iniciativa sob controle e interesse dos Estados Unidos e não dos demais integrantes. “Os aspectos negativos da Alca vão além das barreiras tarifárias, pois interfere nas políticas de financiamento dos países envolvidos, até na gestão do meio ambiente. Tende a ser uma extensão do Nafta à América Latina, esperando obter ainda maiores concessões”. O ex-diretor do Itamaraty considera que a área englobada pela Alca é um ambiente heterogêneo, com 34 países assimétricos, onde apenas os EUA detêm um PIB equivalente ao de 80% da região. O Brasil, segundo este ranking, possui 50% do PIB da América Latina, excluindo o México.
Diante deste quadro desigual, a tendência é de os norte-americanos atraírem a maior parte dos investimentos, para uma gestão e distribuição dentro de sua lógica aos demais membros, o que representa um sério risco para os países mais pobres. De acordo com o embaixador, aceitar tais condições significa, para o Brasil, abrir mão de definir sua política comercial, industrial e tecnológica. “O país precisa ter políticas ativas de desenvolvimento e a Alca retiraria sua independência”. 
Guimarães assinala duas características singulares do Brasil, que são “as extraordinárias disparidades e vulnerabilidade externa, além de uma vulnerabilidade ideológica inacreditável!”. O embaixador acrescenta: “Talvez seja o único país no planeta que tem estrangeiro com coluna diária na mídia, dando palpite sobre os rumos, e onde tais palpites viram verdade absoluta para o governo e a opinião pública”. 
Samuel Guimarães analisa a situação atual como sendo de uma crise singular, resultado de um modelo econômico que reduziu investimentos sociais e de infra-estrutura, “revelando um grau de incompetência técnica extraordinária”. Em sua opinião, o Brasil precisa retomar a idéia de desenvolvimento e o Estado atuar como alavanca. A crise energética é um sinalizador, segundo o embaixador, pois evidencia uma característica óbvia da empresa privada, que só decide se investe ou não diante da certeza do lucro.
Para José Ripper, diretor-presidente da AsGa Eletrônica, existe um desequilíbrio adicional na Alca, que é o de a legislação norte-americana pretender se sobrepor a qualquer lei do próprio acordo. “Os Estados Unidos não respeitam acordos que coloquem sua economia ou suas empresas em desvantagem”, relembra Ripper.

O país de “almas tortuosas”
Agenor Gasparetto*

Mal acabara de remeter o texto para publicação, assistindo o Jornal das Dez, da Globo News, 3 de setembro, vi-me surpreendido com o retrocesso do presidente Fernando Henrique quanto à sua última frase de efeito.  Não era mais “Exportar ou morrer”, mas “Exportar para viver”.  Seguramente, esse retrocesso foi um avanço. A frase ficou mais humana e menos trágica, ou melhor, ficou mais “redonda”.
 Todavia, na inauguração de uma barragem no interior do Ceará, no mesmo dia, cunhou outra expressão: “almas tortuosas”, dirigida aos que, estando cegos, não compreendem o alcance das ações de seu governo, que não aparecem, mas que ficarão e mudarão esse país. As“almas tortuosas”, as que “não têm o que fazer”, não têm nada a ver com as “almas penadas”, nem com os “vagabundos”, não importando sua natureza.  É possível que, sem o sabermos, sejamos uma nação de “almas tortuosas”, pelo menos é o que as pesquisas sugerem.
 A expressão “almas tortuosas” parece realmente um achado. Ainda que remeta às “penadas”, porque são merecedoras da compaixão do presidente, parecem radicalmente distintas. Há um divisor entre elas: umas vivas e do aquém, as outras, do além; as primeiras vivem errantes por sua natureza, digamos, tortuosa; as últimas, erram penantes. Estariam as “almas tortuosas”  prenunciando as “penadas”?   
 Como o presidente mudou a sua frase de efeito, penso que também deva acompanhá-lo, fazendo alguns acréscimos ao texto“Independência ou morte” e “Exportar ou morrer”?, agregando outras expressões que marcaram época.
 O general João Batista Figueiredo (1979-85), no final de seu governo, disse categórico: “Só peço que me esqueçam”. Contudo, não pode ser olvidado quem disse que se ganhasse um Salário Mínimo “daria um tiro de revólver na cabeça”. Também gerou perplexidade a franqueza do seu “Prefiro o cheiro de meus cavalos ao cheiro do povo”. No entanto, no fundo, talvez “o diabo não fosse tão feio”. Na mobilização das “diretas-já”, por exemplo, quando foi informado de que haveria um milhão de pessoas na praça clamando pelas eleições diretas teria dito que seria a pessoa número “hum milhão e um”. Acredito que não fossem as “forças ocultas” de Jânio Quadros que, de tempos em tempos, parecem fazer aparições, como “almas do outro mundo”, mesmo sem serem “almas penadas”,  nemgasparzinhos, uma outra imagem seria revelada. Figueiredo foi o presidente da  transição  do governo militar para o civil, sucedido por José Sarney, face a inesperada morte, às vésperas de assumir a presidência, de Tancredo Neves. Retornando ao “Exportar é o que importa”, no período após o Golpe Militar de 1964, nessa mesma linha,  foi adotada a expressão “Exportar é a solução”.  “Exportar”, portanto, independentemente das razões, que parecem mudar ao sabor das circunstâncias, é uma condição permanente deste país.
 Algumas frases parecem ter tantos praticantes e estarem tão popularizadas que seria uma injustiça atribuir-lhes uma autoria ou individualizá-las. Entre essas está o “Rouba, mas faz”, ainda que não haja muita clareza e discernimento com relação a sua segunda parte, nem qualitativa e nem quantitativamente.
  José Sarney,  com seu sonoro “Brasileiras e brasileiros” trouxe à memória os ecos graves e longínquos do “Trabalhadores do Brasil”, de Getúlio Vargas. Quando o Plano Cruzado, que elevou sua popularidade às nuvens, começou a “fazer água”, e aquela despencar feito granizo,  e o “boi gordo” escancarou de vez a porteira para dar passagem triunfal  à boiada do ágio e ao dragão da inflação, José Sarney cunhou a expressão “Tem que dar certo”. Essa revelou poder equivalente a de um técnico de futebol prestigiado, num time afirmado como perdedor. O colapso do governo Sarney inviabilizou a candidatura Ulisses Guimarães, do então poderoso PMDB, abrindo espaço para alguém que tivesse nascido “com aquilo roxo” e capaz de collorir o Brasil, como na propaganda na televisão, em que, como num toque mágico, as cenas pálidas em preto e branco tinham suas cores avivadas. Um show de tecnologia.
 O ex-ministro do Trabalho de Collor, Rogério Magri, já esquecido, deixou frases ou palavras que ainda ecoam, destacando-se: “Cachorro também é gente” e “Imexível”, que mexeu com a Língua Portuguesa, e acabou deixando-a um pouquinho mais rica.
  Uma frase de efeito muito forte, talvez inigualável como marketing político,  foi a do governo de Juscelino Kubitschek, no final dos anos 50: “50 anos em 5”.  Como definidoras das pretensões de governos, há também as frases “Brasil em ação” e a ainda vigente “Avança Brasil”, embalada em out-doors nas cores da bandeira, ocupando, na mesma, o lugar de “Ordem e Progresso”.
 Às vezes, penso nessa estória de “luz no fim do túnel”, ou do “chegar ao fundo do poço”. Desconfio que esse túnel não tenha fim, assim como esse poço não tenha fundo. Até me espanta que ainda não tenham encontrado o ”bode”. Não qualquer um, mas o“expiatório”, aquele que sinaliza que, estando o fim iminente, é preciso um sacrifício. O recurso ao “bode expiatório” é sintomático de algum desespero tomando conta e o imperativo de uma saída emergencial. Nesse sentido, se esse “bode” ainda não “deu o ar se sua graça”, alguma coisa me diz que, se real,  o túnel é mais longo, e o poço, mais profundo. Seriam as “almas tortuosas” um “bode” difuso, anônimo? Creio que não. Todavia, parece importante ficar atento ao “bode”. Esse pode “tardar, mas não falha”.
 Na agricultura ficou famosa a frase “Plante que o João garante”, no caso, João Batista de Figueiredo. E com isso chegamos à nossa região, em que frases de efeito também são muitas e algumas palavras são mais poderosas que a própria assinatura de seus donos:“Cuma?”, diria alguém menos familiar à região.  E é isso mesmo.
 Nesta região, de Ilhéus e Itabuna, na Região Cacaueira, com fortes marcas rurais, ainda ecoa o “Só cresce quem renova”. Todavia, na segunda metade dos anos 70 e primeira dos anos 80, o produtor implantou novos cacauais e foi arredio à badalada campanha da renovação. Preferiu crescer expandindo área. Hoje, após a avassaladora vassourada da Bruxa Crinipelis  Perniciosa (eis aí um nome que parece combinar com “almas tortuosas”), mesmo sem nenhuma campanha publicitária de renovação, sem nenhuma frase de efeito, produtores estão reencontrando e reconstruindo a confiança sobretudo em si mesmos e no futuro da lavoura, graças à enxertia ou à clonagem. Caso o crédito anunciado recentemente pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso na sua vinda à Ceplac, no último 24 de agosto, de fato chegue aos produtores e seja efetivamente aplicado na lavoura, haverá um ressurgimento dessa lavoura e uma renovação da fé no cacaueiro e nos seus frutos dourados. E o que já foi o “melhor negócio do mundo”  olhos fará novamente brilhar.
 Assim como “Nem só de pão vive o homem”, nem sempre frases de efeito têm poder de transformação da realidade ou são necessárias. Para finalizar, não lembro qual “alma tortuosa” disse que “Ou o Brasil acaba com as saúvas ou as saúvas acabam com o Brasil”. Penso que seja uma “alma tortuosa”, porque se não fosse não poderia ter dito essa barbaridade e se disse não o sendo, seria inacreditável que não estivesse, hoje, engrossando  a legião das “almas penadas”.
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*Agenor Gasparetto, Sociólogo, professor da UESC.
Itabuna, 6 de setembro de 2001.


31/08/2001 - 16:08
"Exportar ou morrer": Interbrás e contrapartida


O presidente FHC redescobre em boa hora a importância da exportação e respectivos saldos comerciais positivos, neste país endividado por obra de sua própria equipe, ausentes, muitos deles, às batalhas heróicas dos choques de petróleo de 73 e de 79 a 81. 
"Exportar é a solução" já fora um chamado do início dos anos 70, quando o parque industrial paulista descobriu a importância de mercados externos para sua expansão, experiência impressa no DNA paulista por força de um século de economia cafeeira exportadora. 
As trading-companies, criadas por lei em 1972, buscavam expressar tal demanda da economia paulista, copiando, por seu turno, a badalada experiência exportadora japonesa deflagrada na década anterior e já narrada por Peter Drucker em monografia específica. 
"Exportar é a solução" fora o grito da Fiesp, via Delfim Netto, o ministro do milagre econômico e conhecedor do tema como expressa em sua clássica monografia sobre o café de 1959. 
Com o primeiro choque do petróleo, em 1973, cujos preços subiram de US$ 3 para 12 por barril, num Brasil importando 800 mil b/d ou 80% de seu consumo, até a Petrobras se viu obrigada a criar uma trading-co., buscando minimizar junto à opinião pública seu impacto negativo sobre a balança comercial, impacto que crescera ao longo da década de US$ 1 bilhão para mais de US$ 10 bilhões em importações do cru. 
Ao colaborar para a exportação de produtos brasileiros através de sua recém criada trading-co., a Petrobras exibia seu interesse em contrabalançar a sangria de divisas que forçosamente impunha ao país. Por um golpe de marketing nascera a Interbrás, sem, contudo se inserir nalguma geopolítica econômica, o que só fora percebido bem mais tarde, quando extinta. 

A Interbrás em grandes números 

Ao longo de seus 14 anos de existência - 1976/89 - o Sistema Interbrás exportou cerca de US$ 27 bilhões (cerca de 25% das importações de cru no período), equivalentes a 10% das exportações brasileiras de então, obtendo divisas quando o país mais delas carecia, até por força das importações de petróleo, buscando obtê-las mesmo com ágio, ou via desvalorização de sua própria moeda ou via pagamento de juros mais elevados à banca internacional. 
Ao longo dos anos a Interbrás acumulou patrimônio líquido de US$ 187 milhões (31/01/90), que somados aos US$ 87 milhões de dividendos pagos à Petrobras totalizavam US$ 266 milhões, equivalentes a 1% de deságio sobre as divisas obtidas em suas exportações acumuladas de US$ 27 bilhões, atuando assim na contramão dos fluxos cambiais do país, ávido por divisas a qualquer custo. 
Este lucro foi o resultado de milhares de operações comerciais que abriram novos mercados ao país, colocaram mercadorias no exterior mantendo empregos na economia interna, exportando-as na modalidade custo&frete através da frota nacional posteriormente extinta (para o que colaborou a própria extinção da Interbrás), e sobretudo, como em qualquer escola privada, suas despesas de pessoal auxiliaram-na a formar mão-de-obra especializada em comércio exterior (cerca de três mil técnicos ao longo de 14 anos) que não logrou ser reconhecida oficialmente em sua profissão, por falta de tempo para o devido lobby. 
Habituado aos superávites comerciais da década de 80, quando chegou a exportar 1,5% do comércio mundial (justamente por causa de uma Interbrás) contra 0,8% atualmente, foi fácil a executivos ignorantes em comércio exterior, no início do Governo Collor, destruir esta estrutura arduamente montada na década anterior. Fácil desmontar. A própria Petrobras não percebeu que haveria de permanecer em comércio exterior - com o cru, derivados e equipamentos - devendo, portanto, auxiliar estrategicamente a economia nacional através da prática da contrapartida destes insumos por produtos e serviços nacionais. 
Ademais, por ter sido pesada importadora de petróleo desde sua fundação e assim consumidora de divisas, sempre competiu moralmente à Petrobras continuar lutando para inverter este sinal que auxiliou a mergulhar o país em sua década perdida, justamente por falta de divisas. Mas nunca é tarde. 
A Petrobras continua em comércio exterior e continuará. A extinção da Interbrás pelos sábios de plantão do Planalto eliminou a prática da contrapartida de petróleo importado por produtos e serviços brasileiros, mas não eliminou a fatalidade da qualidade do cru produzido no país, mais pesado, não podendo ser usado internamente em toda a sua produção, carecendo de trocas no mercado mundial do petróleo por óleos mais leves. 
O novo organograma da companhia contempla, entre as suas grandes áreas, a internacional que, entre outros objetivos busca "gerar fluxo de caixa em moeda forte". 
Ao ser obrigada a atuar em comércio exterior, mesmo quando o país alcance a auto-suficiência em petróleo em 2005, em virtude da qualidade de seu óleo, a Petrobras deve rever a política das operações de contrapartida, essencial na estratégia de exportar para não morrer. 

O petróleo: ferramenta de contrapartida 

Além desta fatalidade - os tipos de petróleo produzidos no país obrigam a trocas que viabilizem a produção para todo o consumo interno -, a auto-suficiência a ser conquistada em 2005 não obriga a que se explore 100% do petróleo para consumo interno. 
De modo a conservar parte das reservas atuais e futuras de petróleo, deve muito bem o país importar parcela expressiva de seu consumo de outros produtores, trocando-os por produtos brasileiros, mas agora numa relação de troca mais elevada. Se outrora trocava apenas 20% de suas compras em óleo por produtos brasileiros, hoje pode impor relações mais duras, na base do um por um, já que possui o produto para seu consumo. 
Poderá ainda ampliar suas compras de óleo para 30%, usando 10% de sua produção para exportar aos grandes países consumidores, com os quais desenvolverá uma nova agenda comercial e financeira, obtendo linhas de crédito a menores juros ou ainda lançando bônus no exterior tendo o petróleo como colateral, em operações capazes de minimizar e reduzir a dívida externa e alterar o inadequado rating do país. 
Para exportar com seriedade, a política de contrapartida em comércio exterior precisa ser redescoberta pelos novos governantes. Sem memória, realmente o país pode ir à breca. Ou como diz apropriadamente o presidente: morrer. 

Paulo Guilherme Hostin Sämy 
Conselheiro da Abamec-Rio. Experiência em bancos, comércio exterior, marketing e mercado de capitais. Autor de Criatividade em Equipe, Ed. Suma Econômica. 






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