terça-feira, 20 de julho de 2010

Entrevista com Mantega

Governo quer setor privado financiando o longo prazo

Autor(es): Luciana Otoni e Ribamar Oliveira, de Brasília
Valor Econômico - 20/07/2010
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/7/20/governo-quer-setor-privado-financiando-o-longo-prazo
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse ontem que o custo de equalização das taxas de juros do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), executado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é de R$ 5 bilhões ao ano e que esses dados estão contabilizados no Orçamento da União, na rubrica de subsídios financeiros. Mantega negou que o governo esteja estudando um novo aporte de recursos para o BNDES e afirmou que, agora, o banco terá "que andar com as próprias pernas". O ministro antecipou que o governo estuda novos mecanismos para estimular a entrada do setor privado no financiamento de investimentos de longo prazo. Uma alternativa em estudo é o incentivo à emissão de debêntures para empreendimentos específicos.
Para Mantega, a maturação dos investimentos realizados nos últimos anos permite que o Brasil cresça, sem pressão inflacionária, entre 5,5% e 6% ao ano. Ele estima um crescimento de "um por cento ou um pouco menos" no segundo semestre deste ano, e projeta que, no segundo semestre, o Brasil estará em ritmo de expansão de 5,5%. Ele não quis falar sobre a decisão do Copom de amanhã, mas afirmou que, em sua opinião, a economia brasileira "já entrou no trilho de um crescimento sustentado". Mantega não acredita que vá sobrar receita com o maior crescimento da economia previsto para este ano. ""Mas se sobrar, ela não será gasta", afirmou. A seguir, trechos da entrevista que o ministro concedeu ao Valor.
Valor: A desaceleração do ritmo de crescimento da economia já indica que é possível parar o processo de elevação da taxa de juros?
Guido Mantega: Isso quem tem que responder é o Banco Central. O que posso dizer é que a economia brasileira já entrou no trilho de um crescimento sustentado. O que estava ocorrendo no início do ano era o resultado do estímulo que foi dado para a economia se recuperar da crise. Com os estímulos, a economia recuperou o espaço perdido durante a crise. No ano passado, o país praticamente não cresceu. Nós retomamos aquele patamar anterior à crise e a economia tende a estacionar num patamar de crescimento sustentado, de 5% a 6%, que é o que nós planejamos. Tem aqueles analistas de plantão que se entusiasmam com as próprias análises, que diziam que a economia estava superaquecida. Eu dizia que estava aquecida e não superaquecida, que iríamos retirar todos os estímulos e a economia voltaria a um patamar mais baixo. Foi o que aconteceu. Como os estímulos iriam acabar, a população antecipou as compras e, por isso, o resultado do primeiro trimestre incorporou uma parte do segundo trimestre. Isto significa que nós esperamos um segundo trimestre com um crescimento bem inferior aos 2,7% do primeiro trimestre.
Valor: Qual é a sua estimativa para o crescimento do segundo trimestre?
Mantega: Estimo que de um por cento para baixo. Mas lembrando que dos 2,7% do primeiro trimestre, uma parte pertenceria ao segundo trimestre. Em março, as vendas de automóveis dispararam; em abril, houve uma queda; em maio, uma pequena recuperação e, em junho, as vendas já atingem o patamar médio que devem ficar. Nós devemos comemorar a sólida recuperação do Brasil da crise internacional. Este ano, o Brasil vai crescer 6,5% a 7%, o que será, entre os grandes países, o segundo maior crescimento do mundo, perdendo apenas para a China. Esse é o maior crescimento desde 1986. Porém, como a população está crescendo muito menos, será o maior crescimento do PIB per capita dos últimos 30 anos. A nossa previsão é que o crescimento que será registrado no segundo semestre deste ano, anualizado, não dará mais do que 5,5%, que é uma taxa muito boa para o Brasil.
Valor: O mercado futuro de taxa de juro está apontando para uma redução em relação às estimativas anteriores.
Mantega: O DI para 2011 só hoje está caindo 0,36. Na semana passada, ele deu uma boa despencada.
Valor: Alguns analistas já acreditam em elevação da Selic menor do que 0,75 ponto pelo Copom. Essa também é a sua expectativa?
Mantega: Eu não tenho expectativa nenhuma em relação ao Copom. O BC é autônomo e faz a sua análise. Mas o DI 2012 já deu uma subidinha... É que também depende um pouco da economia internacional, que teve alguns fatos adversos nesses últimos dias. Irlanda, Hungria etc., tudo isso às vezes mexe. Não sei o que vai acontecer com a taxa de juros, nem quero saber, mas com a inflação está acontecendo aquilo que eu também previa no início do ano. E, mais uma vez, os apressadinhos disseram que nós estávamos perdendo o controle da inflação. Eles faziam uma correlação entre superaquecimento e elevação da inflação. Nós dissemos que era choque de oferta, pois foram os alimentos que puxaram essa inflação. Mas tinha gente dizendo que era pressão de demanda...
Valor: Qual é a sua previsão para o comportamento da inflação neste resto de ano?
Mantega: O IPCA zero em junho foi um choque na cabeça desses analistas, que tiveram que refazer todas as contas. Até o Focus (boletim publicado pelo Banco Central com estimativas do mercado) que é lento, já reviu para baixo. Ele chegou a estimar 5,6% de inflação para este ano, o que era evidentemente um equívoco. Como ele revisa a cada semana, ele vai acabar acertando no final do ano. É mais ou menos como aquele relógio quebrado que, em algum momento, acerta a hora. Tem uns analistas que são que nem relógio quebrado: uma hora eles acertam.
Valor: Mas a inflação do setor de serviços não está resistindo muito?
Mantega; Quando a economia cresce 5,5% a 6%, ela tem uma inflação. É normal. Por isso, a nossa meta de inflação não é zero, não é dois por cento. Tem uma razão para isso. Existe uma certa inflação no Brasil. O problema é ela estar dentro da meta que nós estabelecemos. No sistema de metas, o governo diz para a sociedade qual é a inflação que será perseguida e acabaremos alcançando. Quando se tem um ano de atividade mais baixa, como no ano passado, é normal que a inflação fique abaixo do centro da meta. Quando se tem um ano de aquecimento salutar da economia, se tem uma inflação um pouco maior. O setor de serviços é o setor que mais sobe a inflação no momento de aquecimento. Mas ele vai para cima e vai para baixo também. Quando cai o nível de atividade, cai o preço. Mas isso não ocorre com os manufaturados, que podem ser importados. A inflação do setor de manufaturados é bem comportada, mesmo com o aquecimento da economia.
Valor: Para o sr., a inflação deste ano está mais perto de 5% ou de 5,5%?
Mantega: Mais perto de 5%. E 5% está dentro da meta. Por isso é que se tem a margem de dois pontos percentuais para baixo e para cima do centro da meta. Mas é claro que há setores mais aquecidos do que outros. O setor da construção civil está mais aquecido por duas razões. É o setor no qual o governo está investindo, dirigindo recursos, estimulando infraestrutura. Além disso, o governo vem estimulando a construção de habitações. Em 2009, nós financiamos quase 900 mil unidades habitacionais, o que foi um recorde. É um setor que gera empregos e essa é uma das razões por que o estimulamos.
Valor: Este cenário favorável da economia brasileira para este ano não pode ser afetado pelos problemas da economia dos países desenvolvidos, como os da Europa? Existe a possibilidade do duplo mergulho?
Mantega: A hipótese sempre existe, mas mesmo o principal defensor dessa tese, que era o Nouriel Roubini, mudou de ideia. A crise financeira deixou grandes problemas para os países que não estavam bem estruturados. Portanto, eu acho que a probabilidade do duplo mergulho é baixa, porque a própria crise de 2008 gerou um G-20 forte e os países aprenderam a administrar a crise. Podemos ter um problema na União Europeia, como tivemos, mas não quebra, não vai às últimas consequências, porque se tem como remediar.
Valor: O que se teme agora é que uma retirada dos estímulos fiscais dos países desenvolvidos provoque uma nova crise e alguns falam que é necessária nova rodada de gastos.
Mantega: Na última reunião do G -20 prevaleceu a posição de não retirada dos estímulos e de não se exagerar no ajuste fiscal. Ajustes fiscais muito rigorosos levam a crescimento baixo e, portanto, a perpetuar uma deficiência fiscal. Isso nós recomendamos e está no comunicado. Todos concordaram que os países europeus terão que fazer ajuste fiscal, pois estão muito endividados. O problema é a dosagem do ajuste, é fazer um ajuste que não seja hostil ao crescimento.
Valor: Alguns analistas questionam os custos do PSI e dizem que eles não são conhecidos.
Mantega: O Programa de Sustentação do Investimento (PSI) vai até o fim deste ano. É um programa muito eficiente e é um dinheiro bem gasto. Ao contrário do que se diz, o custo desse programa, o subsídio, está explícito no orçamento, que subiu muito.
Valor: Como o sr. avalia a afirmação de que o governo criou uma nova "conta movimento" na relação do Tesouro com o BNDES?
Mantega: Acho um grande equívoco. O BNDES teve que entrar em campo em um momento em que faltava crédito na economia brasileira e havia o risco de se ter uma depressão dos investimentos. Nós impedimos isso justamente com essa atuação específica. Nós colocamos crédito no BNDES que não estava chegando aos investidores. O crédito que colocamos lá não é a fundo perdido, não é jogar dinheiro fora, como fizeram em outros países, que taparam buracos. Nós não tapamos nenhum buraco. Com a exceção de uma pequena parcela que foi capital de giro, uns R$ 11 bilhões a R$ 12 bilhões, mas R$ 200 bilhões foram para investimento.
Valor: A crítica é que não se sabe direito qual é o custo.
Mantega: Sabe-se perfeitamente qual é o custo. No caso do PSI, nós fizemos equalização de taxa de juros. O PSI tem subsídio de R$ 5 bilhões ao ano. Se uma linha de crédito era de 4,5% ao ano e o custo da linha era de, digamos, 8%, nós equalizamos e isso está registrado no Orçamento. É só você ver como aumenta essa despesa, de subsídio financeiro do governo. Ela está lá registrada. Esse custo se paga pelo efeito, pela eficácia que a medida tem. Se não tivéssemos tomado essa medida, teríamos uma demora na recuperação do investimento e da atividade. Se o investimento cai e cai o consumo, o PIB cai, a arrecadação cai. Não se fatura PIS e Cofins, não se fatura ICMS, nem IPI. Então, o subsídio é pago pela recuperação da atividade econômica.
Valor: O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, tem dito que está discutindo alternativas para a redução do funding do BNDES. Quais são essas alternativas?
Mantega: Nós tivemos essa intervenção em um momento de crise. No pós-crise teremos que trazer o crédito privado para dentro dessa equação.
Valor: O que será feito para estimular o setor privado a entrar mais na oferta de crédito, seguro e garantia?
Mantega: O primeiro passo foi criar a letra financeira para os bancos privados. O Ministério da Fazenda está estudando medidas há algum tempo e ainda é cedo para falar nisso. É como se fosse um amadurecimento do sistema financeiro, que financiava, em 2003, R$ 400 bilhões, agora estamos com R$ 1,5 trilhão. Então, estamos ganhando escala, e precisamos de outros mecanismos. Pretendemos estimular debêntures voltadas para empreendimentos específicos. O setor privado precisa entrar mais nisso.
Valor: Haverá novo aporte do Tesouro no BNDES?
Mantega: Não há novo aporte pensado para o BNDES. O BNDES tem nível de recursos próprios entre R$ 60 bilhões e R$ 65 bilhões por ano. O BNDES também terá que aprender a captar no mercado. Pode colocar debênture, pode captar no mercado internacional e também terá que andar com as próprias pernas. Mas não vamos descuidar da infraestrutura. Então, o BNDES ficará mais focado na infraestrutura e o setor privado poderá entrar, por exemplo, no financiamento industrial de longo prazo, de exportações, construção civil, produtos manufaturados.
Valor: Aumentou a capacidade de o Brasil crescer sem gerar inflação?
Mantega: Estamos desde 2004 com o investimento aumentando. Isso ganhou muito impulso a partir de 2006 e 2007 com o PAC. O PIB potencial está entre 5,5% e 6%, pois podemos complementá-lo com importações.
Valor: Isso muda a visão da política monetária?
Mantega: Não muda, porque quando há o sistema de meta de inflação, a autoridade monetária só pode olhar para a inflação. Não pode olhar para outras coisas e não interessa se a economia está crescendo a 3%, 4%, 5% ou 7%. A missão do Banco Central é olhar para a inflação de curto, médio e longo prazo. Mas certamente revolucionamos o produto potencial.
Valor: Com crescimento maior, haverá maior receita. O que o governo fará com essa receita adicional?
Mantega: Não há receita adicional, porque tivemos que fazer desoneração por causa da crise, tivemos que fazer equalização do PSI, que tem subsídio de R$ 5 bilhões ao ano, tivemos problemas com Estados e municípios, que registraram queda na arrecadação, e com os quais gastamos R$ 3 bilhões. Então, ainda estamos pagando essa conta.
Valor: Em abril, o sr. anunciou um corte de R$ 10 bilhões nos gastos do governo federal. A arrecadação adicional com o maior crescimento vai recompor os gastos?
Mantega; O volume da arrecadação foi comprometido no início do ano e isso faz falta. Não estou achando que vai sobrar dinheiro, porque fazer 3,3% do PIB de superavit primário este ano não é meta fácil. Uma meta de pós-crise e ainda pagando o preço da crise... Faremos, porque é um compromisso e está na LDO, mas não será fácil. Não vai sobrar dinheiro.
Valor: E se sobrar dinheiro, o que será feito? Poderá ir para o Fundo Soberano?
Mantega: Se sobrar não será gasto. Mas não acredito que sobrará. Porque a projeção de crescimento de 7% é assim: cresceu muito no primeiro trimestre e nos outros trimestres haverá queda de atividade e acho que vamos terminar de forma equilibrada e não vai dar para reforçar o Fundo Soberano.
Valor: No ano passado, gastou-se mais porque era ano de crise. Este ano, a economia está em retomada e se poderia fazer o movimento contrário...
Mantega: 2010 ainda tem resquício do período de crise, não é um ano totalmente normal. 2011 será um ano normal, com todos os estímulos eliminados, portanto, com arrecadação normalizada. Eu recomendaria ao próximo governo perseguir a meta de 3,3% de superávit, porque reduz a relação dívida/PIB, e se a arrecadação for mais forte recomendo não gastar e destinar ao Fundo Soberano.
Valor: Mas a meta poderá não ser 3,3% porque a LDO de 2011 fixou a meta nominal de superávit de R$ 125,5 bilhões. Por que isso?
Mantega: Fixamos essa meta porque o PIB está sujeito a revisões, felizmente para mais. No ano passado, fixamos uma meta. Aí o IBGE revisou o PIB de 2007. Estávamos em 2009, de repente o PIB de 2007 passou de 5,7% para 6,1%, isso significa que tivemos que avançar 0,4 ponto percentual para cumprir a meta, que era em percentual do PIB. Não é bom ,porque nos vemos às voltas com outro dado. É melhor estabelecer a meta que equivale a 3,3% do PIB em determinado momento e não sujeita a volatilidade.


Vilão da dívida, BNDES é turbinado

BNDES turbinado
Autor(es): Agencia o Globo/Martha Beck
O Globo - 21/07/2010
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/7/21/vilao-da-divida-bndes-e-turbinado 

Depois que a capitalização do BNDES virou a vilã do aumento da divida pública, o governo busca novas formas de continuar reforçando o caixa do banco para financiar grandes obras. O BNDES poderá emitir debêntures e estuda-se a redução do compulsório para que bancos permaneçam emprestando fortemente para compra de imóveis.
Governo estuda medidas para ampliar capacidade de empréstimo do banco 

Preocupado com a capacidade do BNDES de financiar grandes projetos de infraestrutura nos próximos anos, o governo busca medidas para aumentar o fôlego do banco de fomento e, ao mesmo tempo, estimular instituições financeiras privadas a entrarem nesses empreendimentos. A preocupação do governo é com os grandes projetos que estão no horizonte do Brasil, como as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016.

Por isso, a equipe econômica estuda fazer com que o BNDES emita debêntures no mercado. Esse tipo de instrumento foi liberado inicialmente pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para os bancos privados, que passaram a poder emitir Letras Financeiras (LFs) - um papel de longo prazo. A ideia é que ele também seja usado pelo banco de fomento.

Bancos privados devem ter incentivos

Além de tentar dar mais fôlego ao BNDES, a equipe econômica estuda a possibilidade de dar incentivos tributários a instituições financeiras que emitirem debêntures atreladas a projetos específicos na área de infraestrutura. Uma ideia é reduzir o Imposto de Renda (IR) que incide sobre esses títulos de longo prazo, para estimular o setor privado a entrar nesses empreendimentos.

No ano passado, o BNDES fez desembolsos de R$137,4 bilhões, o que só foi possível graças a uma capitalização que o Tesouro Nacional fez na instituição. No início de 2009, em função da crise financeira internacional e da retração do mercado de crédito, o Tesouro capitalizou o BNDES em R$100 bilhões, valor que foi reforçado em mais R$80 bilhões este ano.

O problema é que o mecanismo encontrado pelo governo até agora para aumentar o poder de fogo do BNDES - a capitalização por parte do Tesouro - tem um efeito colateral indesejado: o aumento da dívida pública bruta do país. Essa estratégia, que aumentou em quase R$200 bilhões o potencial de empréstimos do BNDES, fez com que a equipe econômica virasse alvo de críticas de economistas.

Para tentar minimizar esse quadro, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, quer incentivar os bancos privados a fazerem cada vez mais o papel de financiadores.

A dívida pública bruta do país, que era de R$1,74 trilhão em 2008, deve fechar este ano em R$2,20 trilhões, o equivalente a 64,4% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e riquezas produzidos pelo país ao longo de um ano).

- Essa medida (capitalização) não pode ser uma solução permanente. Temos que encontrar novos caminhos a partir de 2011 - admitiu um técnico da área econômica.

Embora o objetivo da capitalização do BNDES tenha sido promover os investimentos na crise, os economistas alegam que tem um custo elevado. Os recursos que o Tesouro injetou no banco têm custo de captação maior (com base na taxa básica de juros Selic, hoje em 10,25% ao ano) do que a remuneração que será paga pela instituição (baseada na TJLP, atualmente em 6% ao ano).

Numa operação já esperada por analistas do mercado, o BNDES informou ontem que vai subscrever até 100% da emissão de R$2,5 bilhões em debêntures conversíveis em ações ordinárias da Marfrig Alimentos. Para analistas, a leitura é positiva, pois se trata de um setor estratégico para o banco - com participações na Marfrig e na Bertin/JBS. Os recursos vão ajudar a gigante brasileira da carne a concluir a compra da americana Keystone Foods.

- O BNDES é uma garantia firme para os investidores e, com isso, a Marfrig garante recursos para as aquisições - disse Luciana Leocadio, analista da Ativa Corretora. 




Do enigma de Mantega ao seguro estatal

Autor(es): Rogério L. F.Werneck
O Estado de S. Paulo - 23/07/2010
 

No início de 2006 havia no País uma visão quase consensual, da qual compartilhava a própria equipe econômica do governo. Tendo em conta a dura realidade do quadro fiscal, o governo não poderia arcar com o esforço de investimento em infraestrutura que o País tinha pela frente. E seria fundamental, portanto, assegurar práticas regulatórias bem concebidas que pudessem atrair capitais privados para a expansão da infraestrutura. Pouco mais de quatro anos se passaram. O quadro fiscal continua o mesmo. Mas o governo agora parece ter recursos para bancar quase tudo. Não há projeto de investimento, por mais dispendioso que seja, que não possa ser financiado com dinheiro público. Qual foi a mágica?

Tudo começou quando Antonio Palocci foi substituído por Guido Mantega no Ministério da Fazenda. Numa entrevista ao Financial Times, o recém-empossado ministro deixou entrever o que estaria por vir, com uma explicação inesquecível que, por encerrar óbvia contradição em termos, passou a ser conhecida como o enigma de Mantega: como o governo não contava com recursos para investir, a solução era recorrer ao investimento privado financiado com recursos do governo.

Desse entalo lógico, Mantega logo se livraria, ao ser convencido por Luciano Coutinho, presidente do BNDES, de que o que estava errado era a premissa de que o governo não tinha recursos. Nada impedia que o Tesouro emitisse mais dívida pública. E emprestasse os recursos assim obtidos ao BNDES, a juros subsidiados. E, se Mantega quisesse evitar que esse aumento de endividamento aparecesse na dívida líquida do governo, poderia recorrer ao artifício contábil de lançar os empréstimos ao BNDES como ativo do Tesouro ao calcular a dívida líquida. Foi essa a mágica que permitiu que o governo possa hoje se dar ao luxo de bancar qualquer tipo de investimento. Tudo, claro, à custa de preocupante aumento do endividamento bruto da União e de vultosa e indefensável conta de subsídios em aberto.

O que se teme é que esse esquema, já de proporções bastante grandes, possa ser apenas o plano piloto de uma operação em escala muito maior, a ter lugar no próximo mandato presidencial. Sem a intermediação de Mantega, direto ao caixa, sob o comando direto do próprio Luciano Coutinho.

A súbita fartura de recursos estatais vem distorcendo a formatação dos novos projetos de infraestrutura. Basta ver o que acabou ocorrendo com a composição do consórcio ganhador de Belo Monte. A Eletrobrás e suas subsidiárias responderão por 49,98% da sociedade formada. Fundos de pensão de empresas estatais - que não são públicos, mas que o governo trata como se fossem - vão deter 27,5%. A participação de investidores efetivamente privados, incluindo construtoras, ficou restrita a pouco mais de 22,5%. O BNDES deve financiar cerca de 80% da obra, diretamente ou através dos sócios. Tudo com juros pesadamente subsidiados e a prazos longuíssimos. Mas, ainda assim, dadas as deformações de Belo Monte, houve investidores privados que concluíram que os riscos do projeto eram excessivos.

É preciso entender que, não obstante todo o viés estatal, o governo não pode abrir mão da participação dos investidores privados. Porque precisa manter a fachada de "consórcio privado", sem a qual a usina teria de ser construída em estrita observância da Lei de Licitações (n.º 8.666), o que o próprio presidente da Eletrobrás declarou ser missão impossível. Para o governo, portanto, tornou-se fundamental evitar que o alto risco envolvido nos seus projetos de infraestrutura impeça a participação necessária de investidores privados.

É isso que explica a última etapa da escalada de contrassensos. Depois de tentar assegurar na marra a modicidade tarifária, com o festival de subsídios de Belo Monte, o governo constata agora que precisa partir para a "modicidade securitária". Quer criar uma seguradora estatal para bancar a preços camaradas riscos envolvidos em obras de infraestrutura, transferindo-os, em boa parte, ao contribuinte. Mais do mesmo.

ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDADE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIONN

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