Em comunicado, o Copom avaliou que há um "processo de redução de riscos para o cenário inflacionário" causado pela " evolução recente de fatores domésticos e externos"
A queda rápida da inflação, a desaceleração da economia doméstica e a fragilidade da economia internacional representaram uma mudança "dramática" no balanço de risco inflacionário e levaram o Comitê de Política Monetária (Copom) a rever, também, a dosagem do aumento dos juros. Ontem, o Copom decidiu por unanimidade elevar a taxa Selic em 0,50 ponto percentual, para 10,75% ao ano, sem viés.
A medida surpreendeu os analistas e economistas ligados às instituições financeiras, mas não as tesourarias dos bancos, que desde a semana passada já apostavam numa redução do ritmo de aperto monetário dos 0,75 ponto percentual das duas últimas reuniões do Copom, para o patamar de ontem.
De acordo com o comunicado, o Copom avaliou que há um "processo de redução de riscos para o cenário inflacionário que se configura desde a última reunião". Esse novo balanço de riscos, ainda de acordo com o documento, se deve "à evolução recente de fatores domésticos e externos". O comitê, continua o texto de dois parágrafos do comunicado, longo para os padrões do Copom, acredita que a decisão de novamente elevar a Selic "irá contribuir para intensificar" esse processo de melhora dos riscos.
O consenso de que o Copom manteria a mesma trajetória de elevação da Selic, estabelecido desde a última reunião, em junho, começou a ser quebrado na semana passada, com a divulgação dos dados de queda nas vendas de varejo. Na quarta-feira, o Banco Central divulgou seu índice de atividade econômica, o IBC-Br, que apontou estabilidade no mês de maio, em relação a abril, reforçando o cenário de desaceleração do ritmo de crescimento econômico. Novos dados de emprego também sinalizaram um desaquecimento mais acentuado do que o esperado.
Houve uma mudança "dramática" de cenário nos últimos 45 dias que separaram ontem da penúltima reunião do Comitê, em junho. E foi isso que o presidente do Banco Central verbalizou nas entrevistas da semana passada, quando disse que o Copom levaria em conta os dados e indicadores colhidos nos últimos dias.
O ambiente externo indica uma recuperação mais lenta, tanto da Europa quanto dos Estados Unidos, o que funcionará como uma força deflacionária para o Brasil. Isso, associado ao desaquecimento doméstico, já como fruto da retirada dos estímulos fiscais e monetários desde o primeiro trimestre e a uma dinâmica da economia internacional que têm se mostrado diferente de 2008 para cá, representa um poderoso contrapeso nos riscos inflacionários do país. As decisões das empresas globais têm sido ágeis, e se ontem estavam fazendo estoques, hoje estão interrompendo as encomendas, e os canais de transmissão dessas decisões para a economia brasileiras têm sido quase que instantâneos.
Foi com essa realidade que o Copom lidou para tomar a decisão de ontem, segundo informações oficiais. Assim, na avaliação de economistas do governo, o que pareceu a alguns analistas ter sido uma atitude incoerente do Copom se confrontada com a ata da reunião de junho, foi, na verdade, uma adequação a essa nova dinâmica de um cenário extremamente volátil.
Os números da inflação, base para o processo de acomodação das expectativas, também mudaram de forma acelerada desde a última reunião do Copom. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de junho veio zerado, seguido por deflação na prévia do IPCA-15 para julho. As medidas de núcleos também recuaram, assim como a inflação de serviços e dos preços livres.
As discussões, agora, se concentram no quando parar o processo de elevação dos juros. O atual ciclo de aperto teve início em abril, quando a Selic passou de 8,75% para 9,5% ao ano. No encontro de junho, nova elevação de 0,75 ponto percentual, para 10,25%. Até agora, portanto, houve uma elevação de 2 pontos percentuais na taxa básica de juros. A ata da reunião de ontem será divulgada no dia 29 e deverá fornecer subsídios para esclarecer essa dúvida do mercado. A próxima reunião do Copom será realizada no dia 1º de setembro.
O último processo de contração monetária aconteceu no início de 2008, com alta total de 2,5 pontos percentuais, seguido por um corte acentuado de 5 pontos no início de 2009, como forma de distensão para aliviar os efeitos da crise internacional.
O aumento da taxa Selic em 0,50 ponto, para 10,75% ao ano, não tirou o Brasil da liderança do ranking de juros reais praticados em 40 países. A liderança é mantida quando se olha para frente ou para trás.
Para o cálculo de juros atuais, descontada a inflação projetada pelo mercado para os próximos 12 meses, o juro real é de 5,6%. Atrás do Brasil vem a China, com juro real de 2,3%.
Jason Vieira, operador da Cruzeiro do Sul Corretora, responsável pela compilação dos dados, indica, a título de exemplo, que o juro real brasileiro é de 3,8% ao ano, considerando a taxa acumulada nos últimos 12 meses, descontada a inflação no período. Nesse caso, o Brasil é seguido pela Rússia com juro real de 3%.
Um aumento da Selic em 0,75 ponto ou em 1 ponto percentual elevaria o juro real brasileiro a, respectivamente, 5,8% e 6,1% ao ano, descontada a inflação 12 meses a frente.
Dos 40 países listados, 24 estão convivendo com juros reais negativos que vão de 0,1% no Chile a 10% na Venezuela.
Vieira lembra que alguns países perdem posições no ranking por terem projeções inflacionárias mais fortes. "O Brasil ocupa o topo do ranking em todos os cenários devido à combinação de projeções mais modestas de inflação e uma taxa nominal alta", conclui o economista.
Decisão do BC opõe empresários e mercado financeiro
Valor Econômico - 22/07/2010 |
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O aumento da taxa Selic foi recebido de forma distinta por entidades da indústria e do comércio e do setor financeiro. Enquanto a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Federação do Comércio do Estado de São Paulo o classificaram como "desnecessário" e "um medo exagerado", o setor financeiro queria um aumento maior. A CNI viu "com algum alento" a redução de ritmo na elevação da taxa Selic. Em nota, disparada ontem, o presidente em exercício da entidade, Robson Andrade, avaliou como "desnecessário" o processo de alta dos juros, pois a economia brasileira já dá sinais de arrefecimento. Para o diretor executivo da Fecomercio, Antonio Carlos Borges, o "momento pede uma parada técnica para que o BC análise melhor a situação a partir dos aumentos dos juros básicos nos meses anteriores e possa tomar a decisão mais acertada daqui para a frente." Para Walter Machado de Barros, presidente do Conselho de Administração do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (IBEF SP), "ainda não é possível afirmar se a redução do ritmo de crescimento da economia é apenas pontual, ou se, por outro lado, representa uma tendência". Diante desta incerteza, ele defendeu que o aumento deveria ter sido de 0,75 ponto. |
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