quarta-feira, 14 de julho de 2010

Economia mundial, a partir do G7

As rachaduras não desapareceram

Autor(es): Martin Wolf
Valor Econômico - 14/07/2010
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/7/14/as-rachaduras-nao-desapareceram
Líderes das principais economias do mundo precisarão fazer, juntos, reformas profundas para que o mundo não sofra terremotos adicionais nos próximos anos
Quase três anos se passaram desde que o mundo se conscientizou dos tremores financeiros. Desde então experimentamos um terremoto do setor financeiro, um colapso na atividade econômica e uma reação fiscal e monetária sem precedentes. A economia mundial já se recuperou. Mas esta crise está longe de ter acabado.
Conforme observa Raghuram Rajan, da Escola de Administração de Empresas Booth da Universidade de Chicago e ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), num novo livro intelectualmente instigante, as "rachaduras" básicas ainda persistem. Pode haver mais problemas adiante. Vale a pena ouvir a sua voz: em 2005, ele apresentou um artigo polêmico, mas agora aclamado, na conferência monetária anual Jackson Hole, denominado "Terá o desenvolvimento financeiro tornado o mundo mais arriscado?" Sua resposta? Sim.
Já sabemos que o terremoto dos anos passados prejudicou as economias ocidentais, deixando, ao mesmo tempo, as economias dos países emergentes, particularmente a Ásia, de pé. Ele também destruiu o prestígio ocidental. O Ocidente tem dominado o mundo econômica e intelectualmente por pelo menos dois séculos. Essa época acabou. Até agora, os dirigentes dos países emergentes tinham aversão às pretensões do Ocidente, mas respeitavam a sua competência. Isso já não é verdade. O Ocidente nunca mais terá a palavra definitiva. A ascensão das economias mais avançadas do G20 reflete novas realidades de poder e autoridade.
No seu livro, Rajan aponta para os estresses políticos domésticos dentro dos EUA. Estresses relacionados estão despontando na Europa Ocidental. Eu os considero como o fim do "acordo". Mas qual acordo? Foi o entendimento pós-Segunda Guerra Mundial: nos EUA, o acordo concentrou-se no pleno emprego e no elevado consumo pessoal. Na Europa, ficou centrado no Bem-Estar Social proporcionado pelo Estado.
Nos EUA, a desigualdade galopante e os rendimentos reais estagnados há muito ameaçaram esse acordo. Assim, Rajan observa que "de cada dólar de crescimento de renda real que foi gerado entre 1976 e 2007, US$ 0,58 migrou para o 1% superior das famílias". Isso certamente é chocante.
"A resposta política à desigualdade crescente... foi expandir a concessão de empréstimos às famílias, especialmente às de baixa renda". Isso conduziu ao colapso financeiro. Como observa Rajan: "As falhas (do setor financeiro) na crise recente incluem incentivos distorcidos, arrogância, inveja, fé descabida, e comportamento de rebanho. Mas o governo ajudou a fazer esses riscos parecerem mais atraentes do que deveriam ser e impediu que o mercado exercesse disciplina".
A era de crédito fácil agora acabou. Enquanto isso, em todos os países ocidentais, o Estado apoia o Bem-Estar do indivíduo. Mas as consequências fiscais dessa crise - uma alta enorme nos déficits - interagirão com pressões oriundas da população que envelhece, para transformar o rigor fiscal no tema de política pública por décadas. O prolongado mercado baixista em ações e as perspectivas de uma "recuperação sem postos de trabalho" se somam ainda mais a esses infortúnios.
Não admira, portanto, que as políticas dos países ocidentais e, acima de tudo, dos EUA, tenham se tornado discrepantes. O presidente Barack Obama - um pragmático de tendência centrista - é caluniado. À direita, a ordem é derrubar o governo moderno na tentativa de retornar ao século XVIII. Essa, portanto, é a crise do próprio governo.
Essas rachaduras internas dentro das economias ocidentais estão sendo exacerbadas pelas existentes na economia mundial. Aqui, Rajan observa dois riscos: primeiro, a dependência estrutural em exportações por parte de vários países, particularmente Japão, Alemanha e, agora, China e, segundo, o conflito não resolvido dos sistemas financeiros. A interação entre rachaduras globais e as existentes no interior das economias domésticas dos países ocidentais, especialmente os EUA, ajudaram a deflagrar a crise e agora dificultam sua reconstrução.
Conforme aponta Rajan, várias economias importantes construíram suas economias em torno de exportações. A resultante dependência sobre a demanda externa significa que a dependência de crédito que elas orgulhosamente evitam em casa desponta no exterior. A restrição imposta a elas é o que Rajan descreve como "um setor voltado para o mercado doméstico, politicamente sólido, mas muito ineficiente". O problema é que os países que costumavam suprir a demanda - os EUA, no nível mundial, ou a Espanha, na zona do euro - possuem setores privados exageradamente endividados. Portanto vemos uma batalha de somatória zero em torno de ações de uma demanda global estruturalmente deficiente. Isso representa uma ameaça à sobrevivência da zona do euro e até à economia mundial aberta.
Analogamente, ficou comprovado que é extremamente difícil administrar a integração de sistemas financeiros baseados no mercado com os baseados em relacionamentos pessoais ou políticos. Episódios de ingressos de capital em larga escala desses primeiros para os últimos resultaram em crises. Isso por sua vez levou a enormes acúmulos de reservas cambiais que ajudaram a impulsionar a crise recente. Hoje, os riscos decorrentes de fluxos de capital em larga escala por meio das fronteiras são evidentes demais. Poderá até ser difícil sustentar a integração financeira.
A crise, portanto, pode ser vista como o produto de rachaduras no interior das economias ocidentais avançadas - acima de tudo, os EUA - e nas relações entre países avançados e o resto do mundo. O desafio de retornar a alguma forma de estabilidade razoável, ao mesmo tempo mantendo uma economia global aberta, é enorme. Qualquer pessoa que pense que a frágil recuperação atual representa um sucesso com essas tarefas é míope, na melhor das hipóteses. >>> O CAOS DA ECONOMIA DE MERCADO
Podemos distinguir duas enormes ameaças à nossa frente. A primeira é a incapacidade de reconhecer a força das pressões deflacionárias. O perigo de que o aperto monetário e fiscal prematuro acabe levando a economia mundial a se inclinar na direção de um retorno à recessão não é pequeno, ainda que os maiores países emergentes estejam bem capacitados a se protegerem. A segunda ameaça é a incapacidade de assegurar as mudanças estruturais de médio prazo nas posições fiscais, na gestão do setor financeiro e na dependência em exportações, necessárias para que ocorra uma recuperação global vigorosa e sustentada.
O Ocidente não é mais a potência que já foi; seus consumidores movidos a dívida não são a fonte de demanda do passado; o sistema financeiro do Ocidente não é mais aquela fonte de crédito; e a integração das economias não é a força propulsora que comprovou ser ao longo das três décadas passadas. Líderes das principais economias do mundo - tanto as avançadas como as emergentes - precisarão, juntos, fazer reformas profundas para que o mundo não sofra terremotos adicionais nos próximos anos.



O fantasma chinês

Brasil
Autor(es): Assis Moreira
Valor Econômico - 14/07/2010
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/7/14/o-fantasma-chines
A China continua a surpreender e amedrontar o mundo. O novo recorde de exportação, com crescimento de 44% em junho comparado ao mesmo mês do ano passado, reacendeu questões sobre sua moeda fortemente valorizada. E a expansão de 34,1% das importações, bem abaixo dos 48,3% de maio, confirma a "acomodação" da demanda doméstica, que poderá se manter nos próximos meses.
Desde que o Banco Central chinês anunciou, em 19 de junho, que estava abandonando a indexação do yuan ao dólar americano, a moeda chinesa só se valorizou cerca de 0,80%, ou seja, algo para inglês ver. Certos economistas calculam que o yuan está desvalorizado em 30%, dando uma vantagem gigantesca para os produtos chineses já baratos.
É verdade que os chineses quase nunca tomam medidas sob pressão internacional e reagem no seu próprio ritmo. Em todo caso, como diz Alfredo Valladão, professor do Instituto de Ciência Política de Paris e novo presidente do conselho curador da entidade UEBrasil, é um absurdo pensar que o câmbio vai mudar o intercâmbio comercial chinês com o resto do mundo. Uma valorização súbita do yuan desestabiliza as finanças internacionais. O que pode mudar o intercâmbio é se o chinês começar a consumir. Hoje, a China tem uma das mais baixas taxas entre consumo final e Produto Interno Bruto (PIB), por volta de 30%, comparado a 70% no resto do mundo.
Para Valladão, a China só vai comprar mais no exterior se fizer reformas no país. "Não é questão de ter moeda mais forte", diz ele. "Se não há seguro social, o chinês vai continuar a poupar muito. E só há consumo importante com liberalização do crédito. Ora, o controle do crédito é a principal arma de poder que o Partido Comunista dá para os amigos, para os dirigentes locais etc."
Mesmo se o yuan se valorizar, Pequim vai continuar tentando abocanhar fatias de mercados externos, dopado por financiamento subsidiado para a produção. E como os Estados Unidos e a Europa estão crescendo pouco, Pequim só pode manter a alta de exportações de 20% por ano, em média, se vender mais para a América Latina e a África, para compensar as perdas com os dois parceiros gigantes.
Nesse cenário, o Brasil tende a contabilizar perdas. Na América Latina, para onde o país exporta 25% de seus produtos com valor agregado, as exportações chinesas aumentaram até 400%, segundo o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge. Na África, o Brasil perde no setor de serviços. É a única região para a qual as exportações brasileira caíram nos últimos tempos, conforme o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral.
O Brasil deve se preparar também para os efeitos de acordos de livre comércio que a China assinou com o Chile e o Peru. Os dois são membros da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi). Pela sua regra de origem, o produto para obter a preferência (redução tarifária no mercado do parceiro), precisa ter 50% do conteúdo local. Mas negociadores admitem que será extremamente complicado calcular esse percentual quando envolver produtos chineses. Na prática, haverá triangulação de comércio e mais exportações chinesas para o mercado brasileiro.
Produtores brasileiros devem se acostumar igualmente com concorrência mais acirrada, porque em 2016 a China terá automaticamente o status de economia de mercado reconhecido pelos parceiros, pelos termos de sua adesão na Organização Mundial do Comércio (OMC). O Brasil não poderá mais aplicar medidas antidumping baseadas no preço de terceiro país. Terá que enviar missão a China para examinar o preço da produção local.
Recentemente, pela prática atual, o Brasil determinou dumping de US$ 13,85 por par de calçado chinês. E para evitar uma longa investigação, o país aumentou de 2% para 35% a tarifa de importação de caminhões com guindaste procedentes da China. Isso tudo será mais difícil dentro de alguns anos.
"A China é um problema que tem de ser enfrentado, não adianta tapar o sol com a peneira", diz Miguel Jorge. Ele promete atenção redobrada sobre as importações. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior atua mais em cooperação com o Ministério da Fazenda e Receita Federal, para atacar também o subfaturamento.
Em Madri, na recente cúpula UE-América Latina e Caribe, Carlos Mariani, representante da Confederação Nacional da Indústria (CNI), disse aos europeus que o temor brasileiro é com a China e não com a indústria europeia, e alertou que a Europa também perde terreno na América Latina em proveito de Pequim.
Valladão nota que, de um lado, boa parte da produção chinesa é feita por empresas europeias que se instalaram naquele país. Mas, de outro, tem muitas empresas europeias sofrendo com a concorrência de Pequim.
Assim, ele vê entre o Brasil e a Europa certos interesses comuns para se manterem competitivos frente à China. Acha que está na hora de europeus e brasileiros cooperarem mais em cadeia produtiva, investimentos cruzados e dentro da OMC em matéria de antidumping contra Pequim, por exemplo. "Todo mundo precisa da China, mas o Brasil e a UE podem ajudar Pequim a sair da noção de multilateralismo lucrativo, de que o sistema tem ônus também e não só vantagens."


Aumenta o déficit
O rombo comercial dos Estados Unidos em maio ficou bem maior do que o esperado: US$ 42,3 bilhões, o mais alto desde novembro de 2008. As importações estão crescendo bem mais (2,9% em maio) do que as exportações (2,4%).

Por trás, outro rombo
O grande beneficiário desse déficit continua sendo a China, que exportou US$ 22,3 bilhões a mais para os Estados Unidos do que importou. Por trás de tudo está o rombo fiscal que se aproxima de US$ 1,5 trilhão.

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