Edmilson Lopes Júnior, sociólogo que nasceu e vive, ainda hoje, no Nordeste, analisa o peso desta região nas eleições presidenciais, assim como a influência da Igreja Católica neste processo há pouco terminado. Ele concedeu a entrevista por telefone e e-mail à IHU On-Line. Nela, ele analisa principalmente a força que a Igreja tem no Nordeste e como o povo nordestino, ao apoiar a eleição de Dilma, fez um movimento inverso do que o país esteve acostumado a viver até então. “A leitura desta população mais pobre, goste ou não, é de que, com o governo Lula, a sua situação de vida melhorou, e essa população fortemente católica tendeu a não apenas defender o voto na candidata de Lula, independente de quem fosse, mas, além disto, cobrar as pessoas, de seus representantes, prefeitos, vereadores e do clero que assumissem uma posição. O interessante é que foi uma força mais de baixo para cima do que tradicionalmente ocorre”, explicou. Edmilson Lopes Júnior é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, realizou o mestrado em Sociologia e na Universidade Estadual de Campinas fez o doutorado em Ciências Sociais. Atualmente, é professor na UFRN. Confira a entrevista. IHU On-Line – O Censo de 2000 apontou que os estados mais católicos do Brasil são nordestinos, mas o senhor afirma que a contribuição da Igreja Católica não tem sido devidamente avaliada pelos nordestinos. O que está acontecendo nessa relação? Edmilson Lopes Júnior – As pessoas fazem uma leitura muito reducionista do impacto político do trabalho da Igreja Católica. É como se quando os religiosos fizessem pregações e assumissem posições mais de esquerda isso significasse o favorecimento dessas posições políticas. Na verdade, esse tipo de leitura do mundo social é extremamente empobrecido. As pessoas incorporam de forma muito processual e reflexiva as informações do mundo e as pregações religiosas. Por exemplo, existem congregações que têm uma atuação muito forte no Sertão nordestino, como é o caso do Sagrado Coração de Jesus, que geralmente se distancia bastante do que nós podemos chamar de esquerda. Na maioria das vezes, eles têm uma atuação muito “apolítica”, criando na população uma ideia de que devem desconfiar dos discursos políticos. Nos setores populares, a eleição não tem o significado que tem para a classe média que está mais ligada no dia a dia da vida política. IHU On-Line – Avaliando o resultado e o mapa dos votos da última eleição, qual o papel desempenhado pela Igreja Católica no voto dos nordestinos? Edmilson Lopes Júnior – Ela tem um papel significativo e fundamental. Durante décadas no nordeste, a Igreja alimentou um processo reflexivo muito importante para a constituição da cidadania. Ela fez uma avaliação criteriosa, foi além das aparências e dos discursos políticos e fez com que as pessoas confiassem mais uma nas outras. Há municípios extremamente católicos. No Rio Grande do Norte, o catolicismo é muito forte por toda a região oeste. Já no litoral deste mesmo estado, há uma intensa presença evangélica e ali a Dilma perdeu. Esse elemento religioso, essa variável, é muito importante para pensarmos o posicionamento das pessoas. É interessante pensar que a população católica não é aquela que valoriza só o posicionamento contra ou a favor ao aborto. Ela também avalia o conjunto das posições. Isso é muito interessante porque mostra um grau de reflexividade deste eleitorado, apresenta uma capacidade de discernir o que é central e o que é periférico no debate político. Se não observarmos isso, cairemos em uma análise que, além de ser empobrecida, é preconceituosa de que a população votou simplesmente porque recebe o Bolsa Família, o que não é verdade. Há outros elementos em jogo. Há mapas culturais que guiam as escolhas das pessoas e, no caso do semiárido, esses mapas foram muito segmentados pelo trabalho da Igreja. Trabalho que, óbvio, tem uma cultura do interior do Nordeste que mostra certa desconfiança em relação ao clero. Ela tem inclusive um olhar desconfiado em relação à hierarquia da Igreja. O que há aqui no nordeste é um catolicismo diferenciado. Por isso, às vezes, quem está em São Paulo ou no Rio de Janeiro tem dificuldade de entender, pois nosso catolicismo pode ser considerado como “conservador, mas desconfiado”. IHU On-Line – Que peso teve o trabalho desenvolvido pela Igreja Católica no interior do nordeste na eleição de Dilma? Edmilson Lopes Júnior – Tem setor que se engajou fortemente no processo da campanha, isso é inegável. Setores da Igreja Católica, inclusive, que estavam muito adormecidos, paralisados, de fora da política e agora assumiram uma posição mais militante em favor da Dilma. Isso é muito interessante, porque a leitura desta população mais pobre, goste ou não, é de que, com o governo Lula, a sua situação de vida melhorou, e essa população fortemente católica tendeu a não apenas defender o voto na candidata de Lula, independente de quem fosse, mas, além disto, cobrar as pessoas, de seus representantes, prefeitos, vereadores e do clero que assumissem uma posição. O interessante é que foi uma força mais de baixo para cima do que tradicionalmente ocorre. Nesse aspecto, há elementos que não são somente econômicos, mas também culturais. Essa população tem uma relação de empatia muito grande, porque a história do Lula é uma história que bate fortemente com a deles. Eles conhecem as dores da migração de perto. A história de um nordestino que chega à presidência da República tem um peso fortíssimo nesta região. IHU On-Line – Qual a influência da CNBB na política atual? Edmilson Lopes Júnior – A CNBB tem uma influência muito grande, o peso da hierarquia é desmesurável, é um peso além daquilo que seria normal, do que seria esperado. E aí você tem um descompasso, pois nem sempre as posições expressas pela CNBB representam exatamente o que ela faz. Este debate em relação ao aborto, por exemplo, é muito utilizado por uma parcela da população. E a CNBB tem um peso forte nesse sentido, na formulação e no direcionamento das políticas públicas, na indicação de nomes para cargos importantes, desde o executivo até o judiciário, mas nem sempre essa posição é assumida e incorporada pelo conjunto da população católica. IHU On-Line – É verdade que as classes emergentes estão no Norte e no Nordeste, enquanto o Centro-Sul e o Sudeste são mais reativos ao lulismo? Edmilson Lopes Júnior – Certamente. Termos um boom no setor da construção civil no nordeste, por exemplo, é uma coisa fascinante. Hoje nas capitais nordestinas você conversa com o pessoal da construção civil e percebe que um dos problemas é a ausência de mão de obra, porque os trabalhadores que migravam das cidades do interior para trabalhar com construção civil não querem mais ir, porque eles têm oportunidade de trabalho nas suas cidades. O interior agora tem mercadinhos, pequenas lojas de materiais de construção... lugares para trabalhar que antes não existiam. Esses donos de mercadinhos formam a classe emergente do lulismo. Obviamente que esta base é muito frágil porque ela começa também a perceber que o lulismo tem algumas coisas que lhe são problemáticas, como, por exemplo, os impostos. Talvez o lulismo tenha uma classe média aqui que, por enquanto, lhe apóia, mas esse apoio não é tão consolidado como se pensa. IHU On-Line – Podemos dizer que estas eleições manifestaram o surgimento de um movimento ultraconservador no Brasil? Edmilson Lopes Júnior – Eu diria que o setor conservador teve um peso muito forte no resultado, mas ainda estamos no calor do resultado eleitoral e precisamos de mais tempo para avaliar. A tendência, nesse momento, é exagerar em muitos destes aspectos que foram colocados como fundamentais para o resultado da eleição. No final, questões como o preconceito contra os nordestinos não foram tão decisórios. O que há é uma pauta conservadora e é importante que ela não se traduza em atitudes racistas e, por isso, daqui para frente, temos que ter muito mais cuidado. Apenas isso. |
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
A Igreja e as eleições no Nordeste. Entrevista especial com Edmilson Lopes Júnior
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