segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Movimentos

O custo da comida saudável

Autor(es): Carolina Khodr
Correio Braziliense - 26/12/2010
SAÚDE
Pesquisa da USP mostra que verduras, legumes e cereais são proporcionalmente a parte mais cara da alimentação do brasileiro
 
Com uma lata de leite condensado é possível consumir metade das 2 mil calorias diárias recomendadas para um adulto saudável a um custo de menos de R$ 3. Mas para ingerir a mesma quantidade de calorias com frutas seriam necessárias 10 maçãs, um gasto total de R$ 8. Apesar de frutas, verduras, legumes e cereais serem alimentos que devem compor a base da dieta do brasileiro, um estudo da Universidade de São Paulo mostra que, proporcionalmente, essa é a parte mais cara da alimentação.

O Correio simulou a compra de alimentos suficientes para suprir o consumo aconselhado de uma pessoa por uma semana — sendo 2 mil calorias diárias. Em um dos carrinhos, foram utilizados apenas produtos de preparo rápido, fácil consumo e alto valor calórico, e R$ 73,10 se mostraram suficientes para completar a quantidade de energia estipulada. Já no segundo carrinho, foi gasto quase o dobro para atingir o total de calorias com frutas, hortaliças, legumes e outros alimentos considerados saudáveis.

Rafael Claro, autor da pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP sobre a influência do preço dos alimentos na composição da dieta do brasileiro, acredita que políticas de ajuste de preço podem ajudar a melhorar os hábitos alimentares da população. De acordo com o estudo, se o preço de frutas e hortaliças baixasse em 10%, o total de calorias ingeridas vindas desses itens aumentaria em quase 7,9%. “Hoje, apenas 2,5% da dieta dos brasileiros é composta pelo consumo de frutas e hortaliças. Se o preço desses produtos diminuísse, com certeza ocorreria um estímulo na demanda”, diz.

Em contrapartida, a ingestão de produtos industrializados, com muitas calorias e baixo teor nutricional só tem aumentado. “Nos últimos anos, esses produtos sofreram baixa de preço significativa. Quem viveu nos anos 1980 lembra como era caro um refrigerante. Hoje essa é uma das bebidas mais acessíveis”, lamenta. Para o especialista, as bebidas adoçadas estão associadas aos casos de sobrepeso e obesidade — condição que favorece o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, hipertensão e diabetes tipo 2.

Claro defende a intervenção do governo para estimular o consumo de alimentos saudáveis e reduzir a ingestão daqueles que, em excesso, podem ser prejudiciais à saúde. “Num primeiro momento, os impostos das frutas, hortaliças e legumes produzidos no país deveriam ser removidos. A parcela de arrecadação do governo oriunda desses produtos é muito pequena e o impacto poderia ser compensado com a economia em gastos com saúde. Em seguida, alimentos com muita caloria e baixo teor nutricional deveriam sofrer maior taxação, para desestimular o consumo”, sugere. O estudo constatou que se o preço de bebidas adoçadas (refrigerantes, energéticos e sucos com adição de açúcar) aumentasse 10%, o consumo poderia cair em 8,4%.

De acordo com o especialista, além de alterações nos preços dos alimentos, a propaganda também tem grande influência na escolha dos produtos. “O ideal seria estabelecer uma equidade no ambiente para favorecer a compra de alimentos saudáveis. As empresas de produtos industrializados têm condições de manter promotores de venda nos supermercados e também de posicionar os itens em pontos estratégicos para estimular a venda. Frutas, verduras e legumes ficam em desvantagem”, explica.

Mudança de hábitos


Especialistas, no entanto, alertam que só uma política de ajustes de preços não resolveria o problema. Kênia Baiocchi, especialista em nutrição da Universidade de Brasília, acredita ser necessária uma mudança de comportamento para que o brasileiro cultive novos hábitos. “O preço é um ponto importante, mas é um conjunto de fatores que faz as pessoas seguirem certos hábitos de dieta. Apenas políticas de redução do preço de produtos naturais não resolveriam esse problema”, explica.

Para a nutricionista, falta de tempo e comodidade também atrapalham. “A correria do dia a dia, aliada ao forte apelo publicitário de produtos industrializados, dificulta bastante. Hoje você vai abastecer o carro e no posto de gasolina existem inúmeras opções de salgadinhos ou doces a baixo custo que podem enganar a fome naquele momento”, diz.

O servidor público aposentado Sebastião Andrade, 64 anos, concorda com a especialista. “As pessoas preferem alimentos de fácil preparo e acesso”, diz. Mas ele acredita que esse pensamento está começando a mudar. “Acho que chega um momento que elas percebem que a comodidade não vale a pena, já que vão gastar tempo e dinheiro com academia, ou até cirurgias, para se livrar do excesso de peso”, diz.

Maria Lúcia Mello, 58 anos, mora no Rio de Janeiro e diz que busca manter uma alimentação balanceada, e com muitas frutas por causa das vitaminas. “No Rio, as pessoas valorizam o cuidado com a saúde. Acredito que mais do que preço, é uma questão de conscientização”, diz. Já José Inácio Ferreira, 83 anos, diz que aprendeu a se preocupar com a alimentação com a idade. Morador de Rio Preto (MS), ele acha os preços das frutas e dos legumes muito altos no Distrito Federal. “Moro perto da região produtora, então o valor dos produtos é muito mais acessível. Aqui em Brasília as coisas são muito caras”, afirma.

"Hoje, apenas 2,5% da dieta dos brasileiros é composta pelo consumo de frutas e hortaliças. Se o preço desses produtos diminuísse, com certeza ocorreria um estímulo na demanda”

Rafael Claro,
pesquisador da USP

Novas regras

» A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou em junho deste ano uma série de novas regras para a publicidade e promoção de alimentos e bebidas com baixo teor nutricional e elevadas quantidades de sódio, açúcar e gordura saturada ou trans. Um pacote de biscoito recheado, por exemplo, chega a conter 60g de açúcar em 100g de biscoitos, mais de quatro vezes superior ao limite. As empresas têm até a próxima quarta-feira para se adequar às novas regras.

Opções de consumo

A especialista em nutrição da UnB Kênia Baiocchi apresenta algumas alternativas para melhorar a qualidade da alimentação, economizar na compra de produtos saudáveis e fugir do apelo publicitário da indústria de guloseimas. Para quem come sempre fora de casa e não quer gastar muito, ela recomenda optar por restaurantes do tipo self-service que ofereçam boas opções de saladas e evitar alimentos congelados ou lanches rápidos. “Além de muito calóricos, esses produtos geralmente têm grande quantidade de sódio e de  gordura saturada”, explica. Para os intervalos entre as refeições, a nutricionista indica as frutas de fácil transporte, como maçã e banana. “Se não tiver acesso a locais com frutas, tem que levar de casa”, recomenda.

E para melhorar o acesso às frutas, a dica é aproveitar as estações. “Tem que ficar atento às safras. As frutas da época são mais baratas”, explica. Fazer pesquisas de preços e procurar fim de feiras também são boas opções.

“Alguns produtos podem não ser tão vistosos, mas nem por isso estão estragados ou são menos nutritivos”, esclarece.

A preocupação maior da nutricionista é com as crianças. “É importante trabalhar o comportamento alimentar desde cedo. Acostumar o paladar da criança com produtos saudáveis. Mudar de atitudes depois de adulto é mais difícil”, diz. De acordo com a especialista, a maioria das pessoas sabe como manter uma alimentação saudável, mas poucas colocam esse conhecimento em prática. “As pessoas sabem que é importante comer frutas e verduras e praticar exercícios. Por isso, aliado à informação, são necessários outros incentivos”, diz.

Entrevista: Eduardo Nunes

Autor(es): Luciano Pires
Correio Braziliense - 26/12/2010
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/12/26/entrevista-eduardo-nunes
 
Passaporte para a prosperidade


Quis o destino que o Brasil batesse às portas de 2011 como uma das economias mais pujantes do mundo, dono de um mercado interno vigoroso, ostentando taxas de inflação moderadas, com o emprego em alta e embalado pelos bons ventos que sopram de fora. Com tudo isso, quis o destino também que o país fosse presenteado com um fenômeno populacional único na história de qualquer nação, o bônus demográfico, que, se aproveitado, será uma espécie de passaporte para a prosperidade.

Potencialmente, as condições para o crescimento sustentado estão à mesa. Os saltos rumo ao desenvolvimento pleno — com justiça social e melhor distribuição de renda —, no entanto, serão maiores caso governos e o setor privado saibam extrair as vantagens de uma pirâmide etária em mutação. As projeções oficiais indicam que, em 2022, ao contrário do que ocorre hoje, a população em idade produtiva (15 a 64 anos) será maioria frente a de dependentes (crianças e idosos).

O presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Eduardo Nunes, diz que o momento abre uma janela de oportunidades quase infinitas. “A experiência europeia durante o pós-Segunda Guerra Mundial, quando houve uma expansão da economia muito grande e o aumento da população em idade produtiva, proporcionou um avanço formidável”, diz, em referência a países que colheram frutos do bônus demográfico.

Mas tão importante quanto entender as mudanças que estão por vir é reconhecer que há obstáculos a serem superados e que se preparar para o que virá depois da bonança populacional é crucial. Desde já, recomenda o presidente do IBGE, o Brasil precisa pensar em como abrir mais e melhores vagas no mercado de trabalho, em formalizar trabalhadores, qualificar mão de obra e estimular que toda essa massa de pessoas contribua para a Previdência Social. “O futuro também chega. Podemos tomar medidas desde já. Não é justo jogar o ônus sobre uma única geração”, completa. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista de Nunes ao Correio Braziliense.

Que proveito o Brasil pode tirar do bônus demográfico?
Países europeus passaram por isso. O aspecto positivo precisa ser analisado sob o ponto de vista do momento econômico pelo qual o país passa. A experiência europeia durante o pós-Segunda Guerra Mundial, quando houve uma combinação da expansão da economia muito grande com o aumento da população em idade produtiva, mostra que o bônus demográfico proporcionou um avanço formidável. A economia cresceu e contava com mão de obra suficiente. No caso brasileiro, temos uma economia em crescimento, com potencial de continuar crescendo, combinada com essa vantagem populacional. Isso é extremamente importante.

Quais os desafios?
O desafio é aproveitar o potencial que existe para que, uma vez incorporada, a mão de obra contribua para o aumento da produção, para a maior produtividade da economia e, principalmente, para a assimilação de novos conhecimentos e de novas tecnologias.

O principal é abrir espaço no mercado de trabalho, oferecer emprego para tanta gente?
Não apenas isso, apesar de uma economia em crescimento ter grande capacidade de gerar emprego. O importante é aproveitar essa mão de obra em duas direções necessárias para garantir a colheita do bônus no futuro, ou seja, canalisá-la para o aumento da produtividade e a formalização do mercado de trabalho. Essas pessoas que hoje estão em idade ativa produzirão em número suficiente para sustentar aquelas que delas dependem.

E o futuro? No futuro, esse contingente vai envelhecer e vai depender ou de uma nova geração que a sustente ou de fundos criados para o sustento dessa população envelhecida. Para que esses fundos existam, é importante que as pessoas em idade ativa estejam inseridas formalmente no mercado, contribuindo para a Previdência para que depois tenham a assistência adequada. Esse desafio para o Brasil é peculiar porque temos uma parcela não desprezível que desempenha atividades econômicas informais.

O ideal seria abrir vagas com qualidade e formalizar o mercado?
Exatamente. Se olharmos os dados de geração de emprego nos últimos anos, cresceu de forma expressiva a parcela da população que participa do mercado formal. Está aumentando e tem de permanecer aumentando. Outro pilar é a educação, que precisa continuar avançando, além, é claro, de uma especialização maior dessa nova mão de obra. Economias competitivas demandam profissionais qualificados.

Qual é o papel do setor privado?
O primeiro passo é criar oportunidades para aumentar a formalização e o número de vagas de qualidade e não procurar baratear o produto, tornando os empregos precários.

O que o Brasil pode aprender com as nações que passaram esse momento histórico? Canadá, Estados Unidos, Japão, países europeus e Coreia do Sul deram saltos de qualidade em seus processos de desenvolvimento, enriquecimento e distribuição da riqueza nacional. Mas esse momento passa. Hoje, esses países têm populações muito mais envelhecidas, como é o caso da Alemanha, da Espanha.

Como resolver o problema de ter uma população em processo de envelhecimento?
Atraindo mão de obra. Quando a economia está em crescimento, a atração de mão de obra é positiva, mas, quando se está em crise, a entrada de mão de obra passa a ser vista de outra forma. Veja o exemplo de brasileiros que foram barrados na Espanha.

Daí a importância de pensar soluções de longo prazo?
Creio que os resultados do Censo 2010 vão ajudar, vão permitir que tomemos consciência do presente para olhar o futuro. O Brasil tem uma vantagem comparativa: podemos projetar essa nossa população do futuro, daqui a 30, 40 anos, e perceber que o perfil demográfico do país será muito semelhante ao da França. O governo francês enfrentou enormes dificuldades para reformar o sistema previdenciário e evitar maiores desequilíbrios, aumentando a idade de aposentadoria. Isso gerou distúrbios sociais grandes. Nós podemos diluir em 30 anos o que a França fez em um ano. O futuro também chega. Podemos tomar medidas desde já. Não é justo jogar o ônus sobre uma única geração.


Renda per capita de US$ 25 mil

Vicente Nunes 
Não será apenas o bônus demográfico que fará a diferença nos próximos 20 anos, quando o Brasil decidirá se será uma nação rica ou um país que ficou na promessa. Na avaliação do Cláudio Porto, presidente da Consultoria Macroplan, dois ativos farão a diferença rumo ao Primeiro Mundo. De um lado estão a diversidade e a abundância de fontes de energia, engrossadas, agora, pela camada de petróleo no pré-sal. De outro, recursos naturais, com água, minérios e a maior área agricultável do mundo. “Não é à toa que o Brasil desponta como uma das melhores opções para investimentos do planeta”, afirma.

Nas projeções de Porto, tudo leva a crer que, entre 2010 e 2030, o Brasil conquistará uma prosperidade sustentável, com a renda per capita chegando a US$ 25 mil ante os atuais US$ 10 mil. “Esse me parece ser o cenário mais provável”, diz. Mas, diante dos gargalos que ainda assombram o setor produtivo, como o baixo nível de escolaridade dos brasileiros, a péssima formação profissional, os elevados níveis de violência nas cidades e a má qualidade dos gastos públicos, há a possibilidade de o Brasil ser um retardatário no esperado protagonismo dos países emergentes na economia mundial. Ou mesmo desperdiçar as melhores oportunidades da história.

Para o presidente da Macroplan, apesar das desconfianças que rondam o governo Dilma Rousseff, diante da falta de uma agenda e de um ministério medíocre, esse é o momento ideal para o Estado liderar as transformações que estão em curso no país. Mas não por meio de intervenções, elegendo setores específicos para receber benefícios ou ressuscitando seu lado empresário. “O protagonismo deve vir por meio da redução de impostos, sobretudo aliviando a folha de salários do setor privado, e do aumento dos investimentos em infraestrutura”, ressalta.

Na opinião do economista Felipe França, do Banco ABC Brasil, as demandas cada vez maiores da classe média emergente por serviços e produtos de qualidade vão empurrar o governo a enfrentar questões prementes, mas politicamente custosas, como a reforma da Previdência Social. “A população, que está em franco processo de envelhecimento, perceberá que não dá para ficar dependente da total tutela do Estado”, ressalta. Também essa classe média emergente — seus integrantes já são maioria da população, somando 103 milhões de brasileiros — exigirá eficiência na educação. Com as principais necessidades básicas de consumo atendidas, ela quer um ensino de qualidade, que lhe permitirá conquistar um posto mais bem remunerado no mercado de trabalho.

No campo, o retrato é de avanços tímidos

Autor(es): Tiago Pariz
Correio Braziliense - 26/12/2010
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/12/26/no-campo-o-retrato-e-de-avancos-timidos

DE LULA PARA DILMA
Índices de produtividade, assentamento de famílias e redução dos latifúndios pouco avançaram nos dois mandatos de Lula. Violência no campo caiu, mas movimentos sociais se mostram insatisfeitos com o modelo implantado nos últimos anos
 
Antes de chegar ao Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva criticava os donos do poder por incapacidade de distribuir propriedades de terra, pressionados pelos ruralistas. Oito anos depois, o retrato do campo brasileiro é de estagnação ou de avanços tímidos, com a política agrária, em muitos aspectos, voltada para o agronegócio, justamente o alvo das antigas críticas do petista. Para se ter uma ideia da relevância estratégica que o tema recebeu, nas 310 páginas do balanço dos oito anos produzidas pelo Executivo, só seis foram dedicadas ao setor.

O presidente não conseguiu atualizar os índices de produtividade nem assentar o número de famílias que o governo estabeleceu como meta em janeiro de 2003. Não reduziu, ainda, o número de latifúndios espalhados no país. Paradoxalmente, reduziu o conflito de terras e o interesse de famílias sem terra em busca de propriedades rurais, mas deixa o governo sob críticas dos principais movimentos sociais — MST, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Via Campesina. Mesmo desgostosos, apoiaram a candidatura de Dilma Rousseff à Presidência.

Segundo dados da CPT, os conflitos agrários diminuíram de 1.335, em 2003, para 854, no ano passado. O pico ocorreu em 2004 (1.389). O número de assassinatos caiu de 71, no primeiro ano do governo Lula, para 24, em 2009. Os dados são acompanhados de uma redução no número de invasões de terras. Em 2004, as ações no campo mobilizaram 76 mil famílias sem terra. A queda no período foi progressiva: 46 mil, em 2006; 37 mil famílias, em 2008; e pouco mais de 25 mil, em 2009.

A redução do conflito agrário, segundo especialistas, deve-se ao aumento no acesso ao programa Bolsa Família. A CPT, em seus balanços anuais, critica o governo por não ter tido uma atuação diferente dos antecessores na luta contra o latifúndio. Outro dado que comprova, segundo a comissão, a redução do interesse por terras, é o número de novas famílias agregadas a acampamentos: em 2003, eram 59 mil; caiu para 10 mil, em 2006, chegando a 2.755 famílias, em 2008
.

No livro Os Anos Lula, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, professor aposentado da USP, diz que a maior parte dos acampados de 2003 continua debaixo das lonas pretas, mais de 100 mil famílias. “O princípio que norteia a reforma agrária do governo é não entrar em conflito com o agronegócio e fazê-la apenas em áreas que possam contribuir com o agronegócio”, escreveu.

Contestação
O governo diz que assentou 586 mil famílias de 2003 até outubro de 2010. Os movimentos sociais contestam o número e usam um dado de 2007. Informações apresentadas pelo professor Ariovaldo para embasar sua tese mostram que, nos quatro primeiros anos do governo Lula foram emitidas, na verdade, 448.954 relações de beneficiários pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Desse contingente, 163 mil foram assentados, 113 mil tiveram regularizadas a situação fundiária, 171 mil foram reordenados e 2 mil famílias reordenadas por terem sido atingidas por barragens.

O índice de produtividade, parâmetro usado pelo Incra para avaliar se uma terra pode entrar na lista da reforma agrária, também pouco avançou. A avaliação é de que se ele tivesse atualizado o parâmetro, que data de 1975, teria liberado 400 mil propriedades para atender demandas de famílias sem terra. Isso representa 10% do total do país. Em número de latifúndios, o Brasil só fica atrás do país africano Serra Leoa. O argumento da CPT para atualizar o índice é que em 1975 eram produzidos 10,8 quilos de carne bovina por hectare. A produção hoje está em 38,6 quilos. A produção de carne de aves saiu de 372,7 mil toneladas em 1975 para 10,2 milhões de toneladas, em 2008.

Conquistas

A principal conquista apontada pelo governo no meio rural é a redução do número de pessoas pobres. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 4 milhões saíram da pobreza. Outro êxito levantado é a regularização de terras na Amazônia legal através da Medida Provisória 458. A MP, que virou lei, permite que posseiros formalizem o direito a essas propriedades. Dessa forma, na avaliação do governo, é possível monitorar desmatamento e punir quem cometer crimes ambientais.

A Amazônia Legal é hoje a principal área de conflito agrário do Brasil, sobretudo no Pará. Em 2009, a região —que congrega os estados do Norte mais Mato Grosso e Maranhão— foi responsável por 48% dos conflitos do país. O Pará concentra 32% do total de assassinatos relacionados com a disputa por terra. No total, a Amazônia Legal concentra 68% das mortes no campo de todo o país.

Outro dado celebrado pelo governo é o aumento na quantidade de bens duráveis nos domicílios rurais. Entre 2004 e 2009, o número de geladeiras aumentou de 4,9 milhões para 6,8 milhões nas residências. Televisores cresceram de 5,5 milhões para 7,4 milhões. E telefone, de 2 milhões, para 4,8 milhões, sempre no mesmo período de comparação. Nesse ponto, segundo informações do governo, houve influência do projeto Luz para Todos, que levou energia elétrica a setores das zonas rurais.

Violência no campo (2000-2009)

Ano    2003    2004    2005    2006    2007    2008    2009

Conflito - 659 - 752 - 777 - 761    615 - 459 - 528

Invasã - 391 - 496 - 437 - 384 - 364 - 252 - 290

Acampamentos - 285 - 150 - 90 - 67 - 48    40  - 36

Assassinatos  - 71    37 - 38 - 35 - 25 -27 - 24

Fonte: Comissão Pastoral da Terra

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