segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O novo caminho traçado pela Usiminas

http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/12/6/o-novo-caminho-tracado-pela-usiminas

Autor(es): Ivo Ribeiro | De São Paulo
Valor Econômico - 06/12/2010
 

 
Em julho de 2008, a Usiminas, de presidente recém-empossado, anunciou um plano de crescimento ambicioso. Alguns meses depois, o projeto, que incluia uma nova fábrica, de US$ 6 bilhões, foi atropelado pela crise financeira mundial. Desde então, essa estratégia entrou em revisão e, há poucas semanas, os acionistas da Usiminas decidiram cancelar o investimento. Justificativa: a demanda mundial, principalmente na Europa e EUA, ainda mostra sinais fracos de recuperação, há um excesso enorme de aço no mundo sem perspectivas de redução, o câmbio valorizado tornou o Brasil caro para investir em aço, com isso, o retorno do projeto ficou negativo. Essa é a avaliação de Wilson Brumer, no comando executivo da companhia há sete meses, depois de ser conselheiro e presidir o conselho da Usiminas. Na entrevista concedida aoValor no escritório de São Paulo, ele informou que o novo caminho da siderúrgica é ganhar competitividade na cadeia produtiva, com investimentos em mineração de ferro, logística, energia e na agregação de valor de seus produtos para ganhar força de competição. O executivo alertou também para o que considera um grave problema: a desindustrialização. "Não acredito que o país suporte esse cenário de moeda forte por muito tempo". Até 2015, a Usiminas tem plano de investimentos em suas quatro áreas de negócios de cerca de R$ 11 bilhões. Abaixo, os principais trechos da entrevista.
Valor: Por que a Usiminas decidiu cancelar um projeto para uma nova usina, de US$ 6 bilhões, que representava um importante salta de crescimento para a empresa?
Wilson Brumer Em 2008, esse projeto foi desenhado dentro de uma lógica que não é a mesma apresentada hoje pelo mercado siderúrgico mundial. Está estimado em 1,8 bilhão de toneladas de capacidade, com um terço disso na China, um terço em operação e um terço espalhado em vários países do mundo com capacidade ou ociosa ou paralisada. Há excesso de aço no mundo hoje. Esse é um ponto. O outro é que quando avaliamos a situação, não só no presente, mas no médio e longo prazo, não vemos uma reversão de cenário que garanta investir US$ 6 bilhões e obter retorno. É um somatório de fatores, que vai de excesso de aço no mundo à nossa moeda fortalecida, que aumenta os custos de investimentos, além de problema da localização [em Santana do Paraíso-MG], que dificulta suprir as necessidades futuras da usina de Cubatão (SP). Por tudo isso, apresentava, inclusive, valor presente negativo.
Valor: Então, não se fala mais em aumento de capacidade no curto e médio prazo na Usiminas...
Brumer Neste momento, antes de falar em expansão, devemos pensar no que podemos fazer para elevar a competitividade, a produtividade e a eficiência dos ativos que já temos. São duas usinas, com capacidade de 9,5 milhões de toneladas por ano. Há muita otimização a ser feita e ao se comparar, a otimização traz mais agregação de valor que um "greenfield" (fábrica nova). E com isso há também possibilidades de elevar a capacidade.
Valor: A invasão de produtos importados, direta e indiretamente, foi fator fundamental nessa decisão?
Brumer Primeiro, é importante dizer que não sou contra importação, pois não seria coerente, já que o Brasil é grande exportador de aço. A Usiminas não é tanto: entre 20% e 25% da produção. O que defendemos é ter isonomia, regras parecidas... E o que vemos no Brasil é a consequência do excesso de aço no mundo, real valorizado e, por incoerente que possa parecer, um país em crescimento. Ou seja, com moeda forte e oferta excedente, torna-se um porto natural para entrada de produtos. Há algum tempo, estamos alertando que o Brasil poderia fechar o ano com volume correspondente à capacidade de uma Usiminas, com importação direta e indireta. Outro ponto ao qual devemos estar muito atentos é a importação de produtos acabados. Se não tivermos clientes, não teremos a quem vender. Temos de discutir uma política industrial para toda a cadeia produtiva.
Valor: Quais são as medidas fundamentais, na sua opinião, para equilibrar a competição nesse jogo?
Brumer Muita gente fala que o preço do aço no Brasil é o mais caro do mundo. Atenção: quase tudo hoje, em dólar, no Brasil é mais caro que o resto do mundo. Até o Big Mac (sanduíche da rede McDonald"s). Eis, por isso, nossa decisão de investir mais em aumento da competitividade do que em aumento de capacidade. O mundo siderúrgico, ao meu ver, está sendo repensado. Até pouco tempo atrás, principalmente numa economia como a brasileira, era muito mais fácil dizer "meu custo aumentou" e aí repassava ao cliente que acabava aceitando, mas, por sua vez, transferia ao cliente dele. Cada vez mais a palavra repasse, transferência de problemas, de custos e até de eficiência, vai deixar de existir. Diante disso, as siderúrgicas vêm repensando suas cadeia produtiva e boa parte delas está investindo em mineração, em geração de energia, em logística, tornando-se mais integrada e reduzindo custos. Se ante se discutia muito escala de produção, hoje fala-se mais em aumento de competitividade.
Valor: Significa, então, que o modelo da siderurgia agora passa pela integração da minha ao porto e por especialização em produtos finais com maior valor agregado?
Brumer A indústria siderúrgica tem de ser cada vez mais uma prestadora de serviços. Chegar mais próximo dos clientes. Não basta mais vender uma bobina de aço.
Valor: Anos atrás, a entrada de usinas na mineração de ferro era visto como heresia no setor, criando um mal estar no setor. E vice-versa.
Brumer Havia uma linha tênue. Nem mineração ia para a siderurgia e nem fabricantes de aço iam para a atividade mineral. Esse paradigma foi quebrado. A partir do momento que houve uma grande demanda - de carvão e de minério de ferro -, com fortes aumentos de preços, as empresas entenderam que era preciso pensar em integração. Hoje, pensar em fazer aço sem integração é um risco muito alto. No caso da Usiminas, nossa intenção é mais fazer um hedge (proteção) do custo.
Valor: Diante desse cenário, conclui-se que o Brasil não é mais competitivo para instalação de novas usinas siderúrgicas?
Brumer Dá para contar nos dedos o número de segmentos no Brasil com vantagem competitiva. São poucos. Um deles ainda pode ser o siderúrgico. Muitos anos atrás, era natural considerar que o Brasil, numa mudança de geografia da produção de aço no mundo, teria uma base produtiva de placas, laminados a quente... e o acabamento disso mais próximo do mercado consumidor. Hoje, em função de valorização da moeda, questão tributária, logística, mão de obra [não é mais diferencial], preço similar do minério de ferro, importação do carvão, custo de energia, essas vantagens não existem mais. Por isso, vemos que projetos anunciados no país estão em banho-maria.
Valor: Você vê um processo de desindustrialização no Brasil?
Brumer Não sei se podemos dizer que já existe uma desindustrialização no país, mas acho que já é um fator de muita preocupação. A participação da indústria, nacionalmente, vem reduzindo de maneira muito rápida. Percebemos que vários elos da cadeia produtiva ficam mais fracos e, numa visão de longo prazo do país, não se pode permitir isso.
Valor: Então, o que se deve fazer?
Brumer Não é um processo fácil. Tem de ver tudo de maneira integrada. A nós não interessa que o carro seja importado da China, pois tira espaço para fabricação de carro aqui e reduz a venda de aço. Ninguém defende fechamento da economia, porém, condições isonômicas. Acho que o Brasil se abriu a uma velocidade alta sem estar preparado para aplicar as mesmas regras que existem no mundo, criando ferramentas e sistemas de proteção à indústria. Guerra fiscal é um problema no aço e vale para todos os setores. Como se pode financiar impostos por 20 anos? O problema não é só câmbio e precisa envolver governo e setor privado.
Valor: Num ano em que o Brasil terá o melhor consumo interno, as siderúrgicas não tiram proveito dessa bonança. Como você isso?
Brumer Nossa percepção é que já há uma diminuição da velocidade de entrada de aço, caindo a partir dos primeiros meses de 2011. O Brasil, no entanto, vai ter enfrentar uma nova realidade: conviver com aço importado. Uma participação de 10% não é nada assustador, mas não esses índices acima de 20% que vemos. Porém, observo, uma fatia do importado entre 10% e 15% significa um novo "player" competindo no nosso mercado, pois vai continuar sobrando aço no mundo.
Valor: Você defende medidas mais drásticas para conter essa avalanche de importação, como aumento da alíquota de importação?
Brumer Acho que seria uma forma de protecionismo para um elo da cadeia produtiva, o que não é sustentável. Assim, como se cogitou em algum momento a reduzir as alíquotas de 14% para zero, o que teria sido um desastre.
Valor: Você não acha que as siderúrgicas foram com muita sede ao pote no começo deste ano, praticando prêmios de 40% a 50% sobre o preço do aço importado?
Brumer No Brasil, historicamente, se pratica prêmios sobre o produto estrangeiro. Vai continuar existindo, de 10% a 15%, mas desde que tenha uma assistência técnica, entregas jus-in-time e prestação de serviços aos clientes. Já os níveis de cinco, dez anos atrás podemos esquecer. No início do ano, como houve uma redução drástica de preços internacionais e, ao mesmo tempo, uma valorização rápida do real, de certa maneira criou ambiente para acelerar importações.
Valor: Que cenário você traça para 2011 em termos de demanda?
Brumer Este ano, em que vamos crescer 7,5%, houve predominância da força do consumo. Minha expectativa é que em 2011 sejam acelerados os investimentos da infraestrutura brasileira, pois não podemos contar só com Copa do Mundo, Olimpíada... Esperamos que sejam deslanchados a partir do segundo trimestre projetos de estradas, portos, ferrovias, energia, óleo e gás, além da indústria naval.
Valor: Diante do excesso de aço no mundo e a competição das importações, qual a sua opinião sobre a entrada da Vale na siderurgia?
Brumer Eu sempre defendo que a discussão da siderurgia do país deve ficar na mão da siderurgia. A Vale sempre terá um papel e, como produtora de minério, a ela interessa, certamente, que empresas estejam investindo aqui, pois será um cliente cativo. A Vale tomou esse papel talvez porque o próprio setor não o fez. Até acho que ela não queira esse papel, mas há alguns projetos que são de natureza mais política. O Estado do Pará, por exemplo, é natural que, sendo pouco industrializado e boa parte do minério da Vale sai de lá, queira agregar valor à sua riqueza. Não vejo mal em um projeto, ou dois.
Valor: Na Usiminas, o foco estratégico será mineração e logística e aumento de valor agregado na cadeia de produção do aço.
Brumer Cada vez mais, na siderurgia, estamos falando de gestão. Não basta ser um produtor de tantas milhões de toneladas. Temos de falar de agregação de valor, porque as margens já não são altas como no passado. Na Usiminas buscamos, antes de aumento de capacidade produtiva, otimização do que já temos: aceleração dos investimentos no ativo mineral e projetos de agregação de valor, que começaram em 2007 e envolvem redução de custos em vários pontos da empresa. E essa nova fase que o conselho aprovou, que é verificar dentro de nossas fábricas o que pode ser feito para cortar custos, aumentar a eficiência energética... O foco da empresa nos próximos anos é elevar a competitividade.
Valor: E internacionalização?
Brumer Esse é um ponto que sempre se discutiu. Mas não acredito mais nele, porque simplesmente comprar um ativo lá fora para produzir aço, certamente estaríamos perdendo dinheiro e destruindo valor da companhia. Um dia, se a Usiminas vier a se internacionalizar, deve começar primeiro produzindo aço aqui (material semiacabado) e fazendo o acabamento do produto próximo ao cliente, usando, talvez, a Soluções Usiminas.
Valor: E a venda da participação de 14% na siderúrgica Ternium, que é controlada pelo grupo Techint?
Brumer A Ternium é um belo ativo, que para nós, hoje, é mais financeiro que estratégico, como visto lá atrás. Em algum momento, em harmonia com o controlador, vamos nos desfazer desse ativo. Sem pressa, pois esse ativo vale hoje mais de US$ 1 bilhão.
Valor: Está previsto abrir o capital da empresa de mineração?
Brumer Primeiramente, vimos como mais atrativo chamar um parceiro, sem ir direto para um IPO. No seu desenho, está considerada a possibilidade dos atuais sócios reduzirem suas participações, mas a Usiminas sempre será controladora (no mínimo 50% mais uma ação). Hoje, é 70%. A ideia é ter pelo menos 25% na Bolsa para criar liquidez e atrair investidores.
Valor: Como vê o desempenho da economia no próximo ano, já sob um novo governo do país?
Brumer Acho que o Brasil tem todas as condições para continuar crescendo no ritmo de 4% a 4,5% ao ano. É com essa expectativa que trabalhamos.
Valor: No câmbio, você vê necessidade de medidas mais efetivas?
Brumer Há um problema estrutural a ser vencido. Um país como o nosso dificilmente aguentará uma moeda forte por muito tempo. Vemos que "n" cadeias produtivas estão sofrendo muito. Enquanto os preços das commodities estão altos, de certa maneira compensam essa situação. O Brasil está atraindo muitos investimentos, mas não acredito que isso se sustente por muito tempo. Algo tem de ser feito rápido, mas não defendo desvalorização da moeda.
Valor: Qual seria uma taxa de câmbio adequada?
Brumer Cada um tem o seu, mas não é R$ 1,70 de hoje. Também não acho que seja R$ 2,50. Defendo que seja flutuante. E acho que está mais para R$ 2 do que para R$ 1,70. Não é só ele o vilão da história. Temos problemas estruturais na nossa economia.

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