quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Governo cria conselho que reunirá as centrais e as entidades patronais

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Autor(es): João Villaverde | De São Paulo
Valor Econômico - 23/09/2010
Depois da medida provisória que concede reajustes reais anuais ao salário mínimo e da repartição do imposto sindical à seis maiores centrais sindicais do país, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva criará, até o início de novembro, a última das três grandes demandas que os dirigentes sindicais encaminharam a Lula desde o início de seu governo: o Conselho de Relações do Trabalho (CRT).

O "Diário Oficial da União" publicou, no início do mês, a portaria 2.092 do Ministério do Trabalho, que dá prazo máximo de 60 dias para que o CRT seja institucionalizado. Segundo apurou o Valor, a medida agrada não só sindicalistas, mas também empresários, que terão participação ativa no órgão.
Segundo a portaria, o conselho será composto de um representante de cada uma das seis confederações patronais com registro em Brasília e um de cada uma das seis centrais reconhecidas pelo governo. A lista de nomes, de ambos os lados, deve ser entregue ao ministério até o dia 3 de outubro, cerca de 30 dias antes da instalação formal do CRT.
Enquanto que do lado patronal as indicações ficam a cargo de cada confederação, do lado sindical devem ser seguidos os critérios de representatividade elaborados desde 2008 pelo governo. Assim, as maiores centrais terão mais assentos. Como, no entanto, o número de vagas é fixo - seis cadeiras - essa prerrogativa já gera debates mais quentes.
O interesse em participar do conselho é grande, uma vez que o CRT institucionaliza o antigo Fórum Nacional do Trabalho, criado no início do governo Lula, em julho de 2003, com o objetivo de realizar as "reformas sindicais e trabalhistas". O fórum, coordenado por Ricardo Berzoini e Osvaldo Bargas, respectivamente, ministro do Trabalho e secretário de Relações do Trabalho do ministério no primeiro governo Lula, gerou dissenso no movimento - uma das discussões provocou um racha na Força Sindical, o que gerou a criação da Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST).
"Trata-se de uma luta antiga das centrais, que querem espaço de diálogo contínuo com o Estado e com os empresários", diz João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical, a segunda maior central, de acordo com as estimativas do governo.
O CRT será um espaço para dois tipos de reuniões: uma entre integrantes do governo - indicados pelo Ministério do Trabalho - e sindicalistas; e outra entre governo e representantes empresariais. Essas reuniões terão caráter decisório, isto é, poderão definir regras a serem seguidas pelos dois lados.
Casos como perpetuação no poder de entidades sindicais - tanto de trabalhadores como de empresários - poderão ser atacados por meio de definições do CRT, que servirão, nas palavras de um líder empresarial, de "platitudes".
Há 15 dias, o Sindicato Trabalhista de Carnes Derivados Chapecó (SC), que representa os trabalhadores da fábrica da Sadia na cidade, passou por sua primeira eleição em 22 anos. O pleito, no entanto, não ocorreu por definições internas, mas graças à intervenção do Ministério Público, após ação movida em conjunto por integrantes do Conlutas e da CUT.
"O Ministério Público não deve entrar em assuntos sindicais, mas isso só ocorreu porque o sindicato não teve práticas democráticas", diz Juruna, para quem o CRT pode estabelecer um marco fundamental. "Podemos definir a realização de eleições a cada três anos, por exemplo, o que também daria maior legitimidade ao sindicato nas negociações salariais com as empresas", avalia.
Para Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), o conselho pode servir para evitar a criação de diferentes sindicatos para uma mesma categoria. Patah, que se encontrou na semana passada com o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, avalia que o país vive uma "anarquia sindical". Para ele, "os sindicatos se desmembram de acordo com interesses econômicos, e a sociedade perde muito com isso".
Situação semelhante ocorre do lado patronal. O empresário Nelson de Abreu Pinto acumula a presidência de três entidades: o Sindicato de Hotéis, Restaurantes e Bares de São Paulo (SinHoRes-SP), da federação do setor em São Paulo (FeHoRes-SP) e da Confederação Nacional do Turismo (CNTur). Além disso, na semana passada, o SinHoRes-SP aprovou, em assembleia, a subdivisão em duas entidades - o SinHoRes-Osasco e o SinHoRes-Santana de Parnaíba.
Segundo apurou o Valor junto a fonte próxima à CNTur, uma das novas entidades será presidida pelo filho do presidente do SinHoRes-SP. Além disso, o próprio SinHoRes-SP passou por uma divisão interna. São dois sindicatos agora: o Sindicato dos Hotéis de São Paulo e o Sindicato de Bares, Restaurantes e similares de São Paulo. O primeiro continua sendo presidido por Pinto, e o segundo por outro filho do empresário. Procurado pela reportagem ao longo dos últimos 15 dias, o empresário não se pronunciou.
"Regras claras e transparentes para criação de sindicatos e sua filiação a federações e confederações, tanto do lado dos trabalhadores quanto do lado patronal, são boas para todo mundo. Especialmente para dirimir acusações e dúvidas nas negociações entre as partes", diz Juruna.


Um passo além do peleguismo

O Estado de S. Paulo - 24/09/2010
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Estejam todos avisados: o governo tem pressa, decidiu instalar até novembro o Conselho de Relações do Trabalho (CRT) e não vai admitir atrasos. A advertência é do ministro Carlos Lupi. Se até o começo de novembro alguma confederação patronal ou central sindical não tiver indicado os nomes de sua representação, ele cuidará do assunto, consultando, segundo seu critério, "entidades sindicais de grande projeção e representatividade". O alerta está no parágrafo primeiro do artigo 11 da Portaria n.º 2.092, assinada pelo ministro do Trabalho em 2 de setembro.


Dificilmente alguma central ou confederação deixará de indicar os nomes no prazo fixado - até o começo de outubro - para a instalação do conselho no mês seguinte. Seus dirigentes podem até achar boa a ideia da criação de mais esse órgão, mas a advertência, ou ameaça, não deixa margem para dúvida. Sugerida ou não por entidades sindicais, derivada ou não do Fórum Nacional do Trabalho instalado em 2003, a criação do CRT é agora uma decisão de governo e constitui, claramente, parte de um projeto de poder.

O Fórum foi constituído em 2003, no início da primeira gestão do presidente Lula, para esboçar um projeto de reforma sindical e trabalhista. Representantes de empregados e empregadores foram chamados para discutir o assunto com dirigentes e burocratas do Ministério do Trabalho. Desse esforço resultou a Proposta de Emenda à Constituição n.º 369, de 2005, concebida, segundo seus autores, para modernizar a atividade sindical e o tratamento das questões trabalhistas. A proposta chegou à Câmara dos Deputados em março de 2005 e a tramitação foi interrompida em março de 2008. O assunto foi abandonado há dois anos e meio. O governo, seu partido e seus aliados parecem haver perdido o interesse em qualquer aspecto modernizador daquele projeto.

Mas houve mudanças na relação entre governo e sindicatos nos anos seguintes. A administração petista conseguiu estender às centrais sindicais as benesses do imposto sindical. A partir daí, as centrais passaram a lutar pelo domínio do maior número possível de sindicatos, no esforço para conseguir parcelas maiores do imposto.

Sindicatos chegaram a mudar de central mais de uma vez, nos últimos tempos, leiloando sua adesão em troca de vantagens. Nunca antes na história deste país o peleguismo foi tão descaradamente guiado pelo fisiologismo.


Que as centrais sindicais defendam a criação do CRT é compreensível. Algumas dessas organizações não são, hoje, mais que extensões do governo, tal como concebido e moldado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os principais colaboradores de seu projeto de poder.


Mas as confederações patronais, ao que se informa, também apoiam o projeto e estão dispostas a participar do empreendimento. O CRT deverá, segundo a portaria, apresentar estudos e subsídios para a formulação de anteprojetos de lei, de outros atos normativos e de programas e ações governamentais. Na prática, não podem rejeitar o chamado, porque o governo já decidiu constituir o conselho e, como esclareceu o ministro no texto da portaria, tomará providências para nomear representantes de cada lado, se as confederações e centrais não o fizerem.


A própria ideia de um organismo tripartite já desperta justificadas apreensões. Em princípio, empregadores e empregados deveriam ser capazes de cuidar de seus interesses, dentro dos limites da lei e com recurso à Justiça ou a outro canal de mediação, quando o acordo é difícil.


Quando se fala de um conselho "tripartite", o dado importante não é a referência a trabalhadores e empregadores, porque são os participantes originais do jogo. O dado politicamente importante é a inclusão oficial do governo - a terceira parte - na mesa das conversações. A portaria também se refere a câmaras bipartites, mas um dos participantes dessas câmaras será sempre o governo, por meio do Ministério do Trabalho.


A preocupação do governo obviamente não é com a modernização das relações do trabalho, mas com a consolidação de sua presença e de sua dominação nesse jogo.

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