terça-feira, 14 de setembro de 2010

A 'maldição das commodities' em xeque

http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/9/14/a-maldicao-das-commodities-em-xeque
Autor(es): Fernando Lopes
Valor Econômico - 14/09/2010
Lançado pelo Banco Mundial ontem em São Paulo e em Miami, o relatório "Recursos Naturais na América Latina: Indo além das altas e baixas" questiona um diagnóstico que ganhou força e se transformou praticamente em dogma sobretudo a partir da década de 1970: a ideia de que a abundância de recursos naturais prejudica o crescimento econômico de um país ou região no longo prazo.

Conhecida como "a maldição das commodities", esta conclusão, importante norteadora de investimentos, é colocada em xeque absoluta e relativamente. "A "maldição das commodities", se existir, não é forte nem inevitável. As evidências preponderantes indicam que a riqueza em recursos naturais, em média, não prejudica nem promove desproporcionalmente o crescimento econômico", conclui o relatório a partir de estudos na América Latina e outros países ricos em recursos naturais, inclusive do mundo desenvolvido.

O trabalho foi elaborado por três unidades do Banco Mundial na América Latina e no Caribe e é assinado pelos graduados economistas Emily sinnott, John Nash e Augusto de la Torre. Para o Brasil, que vive a febre do petróleo na camada pré-sal, tem vultosos aportes em mineração e espera se consolidar como o grande exportador de alimentos deste século, pode ser uma profícua mudança de paradigma.

Cabe realçar, porém, que o conceito de "maldição das commodities" se disseminou por experiências que o fortaleceram, o que significa que ninguém está livre dele. Riscos econômicos e políticos nesse sentido, portanto, permeiam o relatório. "A hipótese da maldição não pode ser ignorada", disse Francisco Ferreira, economista-chefe adjunto do Banco Mundial para a América Latina e Caribe, no lançamento do estudo, na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Mal administrada, uma forte dependência de recursos naturais pode gerar sintomas, por exemplo, do mal conhecido como "doença holandesa", resultado da concentração de estruturas de produção e de exportação e com elevada dependência de receitas fiscais. Os preços das commodities em geral também são mais voláteis que a de produtos industrializados, o que pode provocar efeitos negativos sobre bem estar e investimentos - e, portanto, de crescimento econômico.

Nesse sentido, aponta o estudo, é preciso encarar as consequências da mais recente bonança de preços internacionais das commodities - de dezembro de 2001 a junho de 2008 - com cuidado. Particularmente na América Latina, esse cuidado deve ser ainda maior, já que em geral os países exportadores de commodities da região são menos dotados de recursos naturais per capita, mas dependem muito mais das receitas oriundas deles.

Como mostra o gráfico acima, a fatia dos recursos naturais nas exportações mundiais em geral tem diminuído, mas na América Latina e outras regiões consideradas emergentes esta redução tem sido menor. Para o setor de agronegócios no Brasil, este cenário transformou-se em argumento de pressão por políticas de apoio. Afinal, afirmam seus representantes, o superávit comercial do setor tem sido fundamental para a balança consolidada do país.

Ainda que alguma dependência de recursos naturais em si não seja necessariamente um problema, o relatório do Banco Mundial aponta alguns pontos que podem motivar preocupações na América Latina. Um deles é que os exportadores da região se concentram mais em um número menor de commodities, com uma variação de destinos ainda relativamente restrita.

O caso do Brasil foi citado por Nash, durante o evento de ontem, como um bom exemplo de diversificação. Afinal, citou, na década de 60 o café representava 53% das exportações totais do país e hoje sequer figura entre os produtos mais embarcados. Na contramão, está a Venezuela. Na década de 60, o petróleo respondia por 67% das exportações, e em 2006 o percentual era de 92%.

Outro alerta é que a fatia da América Latina e do Caribe nas exportações mundiais de muitas commodities é maior que o peso desses exportadores no PIB mundial. No Brasil, casos como o do minério de ferro e da soja enquadram-se no alerta.

Segundo o relatório, a mais recente bonança dos preços das commodities foi, para América Latina e Caribe, a mais duradoura e abrangente quanto à variedade de commodities afetadas e ao número de países beneficiados. O Banco Mundial destaca "que os preços do petróleo alcançaram ápices históricos, enquanto os preços dos metais estiveram mais altos que em qualquer outra época desde 1916". Em contrapartida, "os preços das commodities agrícolas se mantiveram bem abaixo do pico da década de 1970".

Com maior ou menor grau de diversificação, o relatório sustenta que a produção de commodities tem, sim, potencial para promover crescimento econômico no longo prazo, vide Noruega, Nova Zelândia e Canadá, países ricos que estão entre os grandes do mundo em capital natural. E que declarações como "o petróleo é o excremento do diabo", do ex-ministro de Energia da Venezuela e fundador da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), Perez Alfonzo, podem ser questionadas - dependendo, é claro, de como se dá a governança dos recursos.

Sinal positivo para países que dependem de commodities é que as tendências de produtividade nesse campo têm sido tão boas quanto em outros setores. Além disso, a produção de commodities, quando bem administrada, é capaz de gerar externalidades e ligações para outros setores, além de fartas rendas econômicas - e aqui a ameaça da já citada "doença holandesa" aparece com todas as duas cores, especialmente quando os recursos são esgotáveis como minerais e hidrocarbonetos.

Portanto, pondera o banco, um país dependente de recursos naturais deve diversificar sua matriz produtiva e melhorar a gestão de suas receitas públicas para que, como isso, consiga estabelecer uma qualidade institucional capaz de maximizar vantagens e diluir riscos. "Os recursos naturais podem envenenar as instituições e a debilidade institucional pode, por seu turno, abalar o crescimento", afirma o estudo.

Outro ponto importante, que diferencia países ricos em recursos naturais entre si, é a participação privada nas cadeias de commodities. Conforme o relatório, prudência e planejamentos eficientes de longo prazo são, em tese, qualidades alcançadas com mais facilidade "em ambientes nos quais prosperam empresas privadas". Na América Latina e no Caribe, diz o estudo, o rápido salto das receitas com commodities nas bonanças tem se refletido em expansões fiscais - e há casos de gastos subindo mais do que as receitas.

Com gastos públicos ineficientes na bonança, o produto da equação pode ser um nível de endividamento crescente que, entre outros reflexos, pode resultar na apreciação das taxas de câmbio reais - daí porque o Banco Mundial sugere metas fiscais com ajustamento cíclico, fundos de estabilização e câmbio flexível aos países que lidam com a volatilidade das cotações das commodities.

Os custos sociais e ambientais da intensiva exploração de recursos naturais não passaram despercebidos no estudo. Há consequências negativas e elas podem ser exacerbadas por subsídios que estimulam a exploração abusiva de recursos hídricos e o uso excessivo de produtos químicos. A aquisição de terras de agricultores por investidores, crescente no Brasil atual e recentemente limitada pelo governo, também pode gerar tensões. Para o Banco Mundial, são alertas que podem diferenciar uma benção de uma maldição.

Oferta de bois confinados cai e reforça alta no mercado

Autor(es): Alda do Amaral Rocha
Valor Econômico - 14/09/2010
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/9/14/oferta-de-bois-confinados-cai-e-reforca-alta-no-mercado
Num ano de oferta já escassa de boi para abate pelos frigoríficos, o confinamento de gado deve recuar de forma expressiva no país. De acordo com estimativa da Associação Nacional dos Confinadores (Assocon), considerando seus 50 associados, o número de animais confinados deve cair 20% este ano. Em 2009, os pecuaristas ligados à Assocon colocaram 374 mil bois sob engorda intensiva.

Extrapolando para todo o mercado do Brasil, o confinamento deve recuar ainda mais, cerca de 30%, de 1,9 milhão de animais para 1,3 milhão de cabeças, de acordo com Ricardo Merola, presidente da Assocon.

Ele explica que uma das razões para a queda é que entre abril e junho o mercado futuro sinalizava preços baixos para o boi nos meses de setembro e outubro. Mas, naquele momento, quando o pecuarista tinha de decidir quantos animais confinaria, o boi magro estava em alta. " O mercado futuro sinalizava R$ 78,00 a arroba e o boi [magro] estava em R$ 90 a arroba", diz Merola. "Isso acabou desestimulando o confinamento porque a margem era negativa mesmo com os grãos baratos", acrescenta o presidente da Assocon, que promove a partir de amanhã a 3ª Conferência Internacional de Confinadores, em Goiânia (GO).

Há outra razão para o recuo do confinamento este ano. Ele afirma que entre 2002 e 2006, havia no mercado um "estoque" de animais com 300 quilos a 400 quilos, peso ideal para serem colocados sob engorda intensiva até alcançar os 500 quilos. Além da demanda pelo confinamento - inclusive de frigoríficos -, a venda desses animais foi estimulada também pela descapitalização dos pecuaristas.

De acordo com Merola, nesse quadro não houve tempo hábil para recompor o rebanho de animais com essas características. Afora isso, a produção de bezerros também diminuiu já que até 2006 houve elevado abate de matrizes em função da descapitalização dos criadores.

Oferta mais apertada de animais para abate significa preços mais altos. A menor disponibilidade de bois confinados só agrava uma situação vista desde o começo do semestre, quando a arroba começou a subir de forma expressiva. Desde o início de junho, a alta é de 14,2% em São Paulo. Ontem, a arroba estava em R$ 92,00, segundo a Scot Consultoria.

Além de o rebanho bovino ainda não ter sido recomposto após o forte abate de matrizes, a seca deste ano também afetou a engorda dos animais de pasto.

Merola observa que a seca começou cedo, no fim de março, na região Centro-Oeste. Depois disso, houve apenas precipitações esporádicas e a previsão é que só volte a chover no fim de outubro. "O boi a pasto perdeu peso [pois as pastagens foram afetadas] e não tem condição de abate", diz. Segundo o dirigente, serão necessários mais 70 a 90 dias para que atinjam peso para abate.

Na avaliação de Merola, é a demanda, hoje aquecida, que irá definir o comportamento do preço da arroba do boi. "O mercado deve ser firme por muito tempo. O mercado externo está bom, o doméstico também e todo os países estão "perdendo" boi", acrescenta.

Para Ricardo Merola, o governo pode contribuir para a recuperação da oferta de bovinos de corte. Ele defende juros subsidiados de longo prazo para o pecuarista investir na reforma das pastagens e assegurar o rebanho para aumentar o número de bezerros. Já existe um linha de crédito para reforma de pastagens, com limite de R$ 300 mil por pecuarista, prazo de cinco anos e juros de 6,75%. Merola defende limite e prazo maiores e juros menores.


O mercantilismo chinês é bom?

Autor(es): Dani Rodrik
Valor Econômico - 14/09/2010
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/9/14/o-mercantilismo-chines-e-bom
A balança comercial chinesa está a caminho de registrar outro grande superávit, neste ano. Enquanto isso, a preocupação com a recuperação americana continua crescendo. Esses dois fatos sugerem que a China estará sob renovadas pressões para que valorize substancialmente sua moeda. O conflito poderá emergir nas audiências sobre o renminbi, em setembro, no Congresso americano, onde muitas vozes exortarão o governo Obama a ameaçar com medidas punitivas se a China não agir.
As discussões concentram-se na necessidade de reduzir o superávit comercial do país e corrigir desequilíbrios macroeconômicos no mundo. Com uma moeda menos competitiva a China exportará menos e importará mais, dando uma contribuição positiva para a recuperação dos EUA e de outras economias.
O yuan é visto principalmente como uma questão entre os EUA e a China, e os interesses dos países pobres são praticamente ignorados, mesmo em fóruns multilaterais. Entretanto, um aumento perceptível do yuan pode ter implicações significativas para os países em desenvolvimento. Se eles têm a ganhar ou perder com uma valorização do yuan, porém, é uma questão muito discutida.
Os países pobres poderiam ter feito o mesmo. Por isso, talvez não devêssemos culpar a China por cuidar de seus próprios interesses econômicos, mesmo que tenha, nesse processo, agravado os custos das políticas monetárias equivocadas de outros países.
De um lado está Arvind Subramanian, do Peterson Institute e do Center for Global Development. Ele argumenta que os países em desenvolvimento têm sofrido com a política chinesa de manter sua moeda desvalorizada, o que tornou mais difícil para eles competirem com produtos chineses nos mercados mundiais, retardou sua industrialização e reverteu seu crescimento.
Se o yuan fosse valorizado, as exportações de países pobres se tornariam mais competitivas e suas economias ficariam mais bem posicionadas para colher os benefícios da globalização. Assim, argumenta Subramanian, os países pobres devem assumir causa comum com os EUA e outras economias avançadas, pressionando a China a modificar sua política cambial.
Em outro campo posiciona-se Helmut Reisen e seus colegas no Centro de Desenvolvimento da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), para os quais os países em desenvolvimento, especialmente os mais pobres, seriam prejudicados se o yuan sofresse uma valorização acentuada. O raciocínio deles é que a apreciação de moeda acarretaria quase certamente um lento crescimento chinês e que qualquer coisa que implique isso é necessariamente má notícia também para outros países pobres.
Eles apoiam seu argumento em estudo empírico que sugere que o crescimento nos países em desenvolvimento tornou-se progressivamente mais dependente do desempenho econômico da China. Eles estimam que a desaceleração de um ponto percentual na taxa de crescimento anual chinesa reduziria as taxas de crescimento dos países de baixa renda em 0,3 ponto percentual - ou quase um terço (da eventual desaceleração chinesa).
Para compreendermos essas duas perspectivas contrastantes, precisamos dar um passo atrás e considerar os motores fundamentais do crescimento. Descartadas as tecnicalidades, o debate se resume a uma questão fundamental: qual é o melhor e mais sustentável modelo de crescimento para países de baixa renda?
Historicamente, as regiões pobres do mundo frequentemente apoiaram-se no que é denominado modelo de "exportação de excedentes". Esse modelo implica exportar produtos primários e recursos naturais, como produtos agrícolas ou minerais, para outras partes do mundo. [Conceituado de sentido da colonização tropical, porque nossa balança não se define pela exportação do excedente, mas pela internacionalização integral da dinâmica produtiva, rebaixando o ambiente doméstico - que não consome aquela maior e mais custosa parte por definição estrutural. Quanto à equação do artigo, no caso (1) de permanência do yuan desvalorizado, não há alteração para o Brasil no curto prazo, mantendo-se exportador de produtos primários - cujo montante vem sendo puxado pela própria China. De se duvidar que o governo brasileiro irá contra "um fato". Há de se observar que tal solidariedade sul-sul, no entanto, pode não passar de uma artimanha chinesa: no médio prazo, nacionalizam-se as patentes industriais de ponta sem o receio de embargo sério à manobra, liderando o G20 contra o G7, para tomar lugar nele. Depois do mercantilismo, como sabemos, vem a Revolução Industrial etc.. No caso do Brasil, coisa semelhante deveria ser tramada, como, por tanto tempo, sugeriu Celso Furtado. Mas não vejo que tipo de importações teríamos para substituir neste passo. A resposta estaria no mercosul? Infelizmente, a Conceição Tavares não deu pista para o passo seguinte à atual bonança. Talvez, chutando, ela e "os desenvolvimentistas" estejam apostando nas pequenas e médias empresas - mais ainda, estas, concentram-se no setor de serviços. A pesquisa e a educação estão, claramente, sendo orientadas pelo BID, desde 1995, para o aprimoramento do setor primário. (2) Se o yuan valorizar-se, as exportações brasileiras seriam mais rentáveis. Mas o crescimento que vem puxando seu montante estaria comprometido. Ao que parece, nem tanto, porque aquele país não dispõe de recursos naturais. Entretanto, as aquisições chinesas pelo mundo, no Brasil, na África etc., indicam que um relativo fechamento está previsto e teria salvaguardas, para o controle dos preços. Neste caso, ainda mais necessário que o mercosul defenda-se e, internamente, alguma política de autonomia industrial seja encampada. Ainda me pergunto como, se a riqueza do estado brasileiro está calcada na pobreza dos vizinhos. Se a China passar a atrair os mercados de commodities menos pelo volume da demanda do que pela rentabilidade, com a valorização do yuan, não haverá solidariedade, mas subimperialismo sul-sul, diante do "novo fato": os empresários brasileiros estarão, definitivamente, capturados. O crescimento brasileiro estará, ainda, com o "influxo externo". Entre parênteses, meio ridículo que suponhamos, da parte da China, oposição ao G7, porque lá estão as sedes tecnológicas das multinacionais e os mercados que consomem sua produção. É bem provável que a eleição dos representantes nos EUA não indique outra coisa que a sua inocuidade definitiva - senão o avanço do patrimonialismo e da balconização do poder no centro do Império -, e os conglomerados passem a ditar o comércio interestatal a partir das bolsas, diretamente. O plano de reduzir o desemprego nos EUA, de baixa qualificação, sinaliza que pode processar-se, sem dificuldade, a internalização do crescimento chinês. Este seria, nada menos, que uma extensão da compensação norte-americana. Com conseqüências diferentes; enquanto ao norte, por demagogia, instauraria na China as condições para o fortalecimento de sua autonomia e, quem sabe, oposição ao G7, arrastando consigo a Índia e o Japão, descolando, de vez, o modo-de-vida norte-americano do solo do Novo Mundo. A dream within a dream? Mas o giro do pião pára, não há moto-contínuo, falando sério. (3) Temos que cogitar da proposição da emancipação, sem os falsos problemas de acima: o socialismo. Neste caso, atacaríamos os títulos e as dívidas internas. Para forçar que as negociações sejam retomadas das bolsas para os estados soberanos. Entretanto, como superar o sentido da colonização, que um economista chama de "exportação de excedente", valha-me Édipo!, sem a derrocada do imã externo? Não é um problema falso, embora um putza problema. A associação do Estado com a Empresa constituiu o capitalismo; a oposição da sociedade, por si só, sem a tomada do primeiro, não teria força. A crise de 2008-9, o neoliberalismo, em suma, vem deixando claro a diferença entre as três forças, a tal ponto que à sociedade civil, onde também a empresa, temos substituído por popular, que identifica as populações para-além das categorias e setores. O ajuste fiscal irá ainda mais sublinhar os contornos da luta de classes.]
Foi assim que a Argentina enriqueceu no Século XIX, e como os países produtores de petróleo tornaram-se ricos durante os últimos 40 anos. O crescimento rápido que muitos países em desenvolvimento registraram antes da crise foi em grande parte resultado do mesmo modelo. Países da África subssaariana, em especial, foram impulsionados pela crescente demanda de outros países por seus recursos naturais - entre eles, principalmente a China.
Mas esse modelo tem duas fragilidades fatais. Em primeiro lugar, ele depende fortemente do rápido crescimento da demanda externa. Quando essa demanda desaquece, os países em desenvolvimento sofrem com o colapso dos preços de suas exportações e, muitas vezes, com uma longa crise interna. Em segundo lugar, ele não estimula a diversificação económica. Economias ancoradas nesse modelo veem-se excessivamente especializadas em produtos primários que prometem pequeno crescimento da produtividade.
Na verdade, o desafio central do desenvolvimento econômico não é a demanda externa, porém mudanças estruturais internas. O problema, para os países pobres, é que eles não produzem o tipo apropriado de mercadorias. Eles precisam reestruturar (suas economias) distanciando-se dos tradicionais produtos primários e abraçando a atividades de alta produtividade, principalmente na indústria de transformação e de serviços modernos.
A taxa de câmbio real é de suma importância, pois determina a competitividade e rentabilidade das atividades comerciáveis. Quando os países em desenvolvimento são forçados a sobrevalorizar suas moeda, o resultado é que o empreendedorismo e os investimentos nessas atividades ficam deprimidos.
Dessa perspectiva, as atuais políticas monetárias chinesas não só minam a competitividade de setores econômicos africanos e de outras regiões pobres como também minam os motores fundamentais de crescimento nessas regiões. O que os países pobres obtêm do mercantilismo chinês é, na melhor das hipóteses, um crescimento temporário do tipo errado.
Para que não culpemos excessivamente a China, porém, devemos lembrar que pouco existe no sentido de impedir que os países em desenvolvimento repliquem os elementos essenciais do modelo chinês. Também eles poderiam ter usado suas taxas de câmbio mais ativamente para estimular industrialização e crescimento. É verdade que todos os países do mundo não podem, simultaneamente, depreciar suas moedas. Mas os países pobres poderiam ter transferido o "fardo" para os países ricos, onde, sugere a lógica econômica, deveria ser colocado.
Em vez disso, muitos países em desenvolvimento permitiram que suas moedas se tornassem supervalorizadas, permanecendo na dependência de grande demanda de commodities e de fluxos financeiros. E eles fizeram pouco uso sistemático de políticas industriais explícitas que poderiam atuar como substitutas para a desvalorização (da moeda). Diante disso, talvez não devêssemos culpar a China por cuidar de seus próprios interesses econômicos, mesmo que tenha, nesse processo, agravado os custos das políticas monetárias equivocadas de outros países.


O Brasil pode ter uma meta de crescimento

Autor(es): Tony Volpon
Valor Econômico - 15/09/2010
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/9/15/o-brasil-pode-ter-uma-meta-de-crescimento
Diz o ditado popular que "em time que está ganhando, não se mexe". O caso do crescimento recente da economia brasileira, beirando a "níveis chineses" de 9% ao ano, parece recomendar que não deveríamos mudar nada no atual gerenciamento da macroeconomia.
Infelizmente, o problema é que, em nosso no caso, diferentemente da China, esse nível de crescimento já provou ser insustentável. Nosso "Pibão" do início do ano deve sofrer forte redução de tamanho nos próximos trimestres, e isso sem ainda sentir-se os recentes aumentos da taxa Selic. Como já verificado na última ata do Comitê de Política Monetária (Copom), fica aparente que muito do crescimento acelerado que o Brasil acabou de ter foi devido a fatores transitórios. O fato é que, apesar do Brasil gozar do melhor ambiente mundial em mais de 30 anos, com sua economia fortemente estimulada pelo crescimento asiático e sua demanda insaciável por nossas matérias-primas, nosso crescimento sustentável não passa de 5% ao ano, na melhor das hipóteses.
O atual "tripé" macroeconômico tem ajudado o Brasil bastante. O sistema de metas de inflação, apesar de muito criticado por alguns, tem garantido estabilidade inflacionária, algo nada desprezível para um país com o nosso histórico. A política fiscal com meta de superávit primário tem garantido a solvência da nossa dívida, também algo nada desprezível, se pensarmos sobre a atual situação de muitos outros países e a crise que nos assolou nos anos 80. E o sistema de câmbio flutuante, também muito criticado, tem tido papel importante na ajuda para que a economia brasileira se ajuste a uma variedade de choques externos.
Apesar desse sucesso, nossa economia parece ainda estar fixada em um equilíbrio estável, mas ineficiente, com taxa de juros reais muito altas e uma taxa de câmbio apreciada, prejudicando nossas exportações e levando a uma incipiente desindustrialização, onde a demanda chinesa impõe uma crescente especialização na exportação de matéria-primas. Acreditamos que a situação atual é sustentada por uma variedade de fatores estruturais que podem e devem ser atacados.
Especificamente, vemos duas mudanças para iniciar o processo de transição para um novo equilíbrio com taxa real de juros menores e um nível do câmbio menos apreciado. A primeira seria uma maior coordenação entre as políticas fiscais e monetárias. Apesar de garantir solvência, a atual política fiscal tem caráter nitidamente pró-cíclico, já que, como estamos vendo agora, o aumento da receita em momentos de forte crescimento gera espaço para aumentar as despesas, pressionando a demanda agregada e forçando o Banco Central a ser mais duro com a política monetária.
O agressivo uso de instituições financeiras públicas via uma política de crédito com cunho para-fiscal aumenta ainda mais esse problema de coordenação. Além do mais, situações de excesso de demanda geram forte entrada de recursos externos dado nossa secular falta de poupança, apreciando a taxa de câmbio.
Nossa proposta é a de criar uma instância coordenadora, a que chamamos de "Conselho Econômico Nacional" ou CEN, para coordenar a execução da política fiscal e monetária, assim retirando da política monetária todo o ônus de garantir a estabilidade, muitas vezes tendo a infeliz tarefa de compensar exageros da política fiscal. O Banco Central ainda manteria sua independência operacional e teria meta de inflação decidida pelo governo, mas agora teria seu planejamento auxiliado por uma política fiscal realmente anticíclica.
A segunda proposta é abandonar o conceito de superávit primário como meta da política fiscal, adotando em seu lugar a meta de manter um superávit nominal "estrutural". O termo estrutural é usado para determinar uma situação de superávit quando a economia estiver com crescimento perto do seu potencial, abrindo espaço para déficits em casos de quedas no crescimento.
Tal regra teria dois efeitos importantes sobre o nível da taxa de juros e do câmbio. Primeiro, por ser anticíclica deve garantir uma queda no prêmio embutida na curva de juros já que o Banco Central teria que mudar menos a Selic. Segundo, por garantir que durante o ciclo econômico a política fiscal teria superávit nominal como meta, isso tornaria o setor público um gerador de poupança ao longo do ciclo econômico, uma condição necessária para aumentar de forma sustentável as taxas de investimento sem ter que usar a poupança externa intensivamente, como ocorre atualmente, causando perigoso crescimento dos déficits em conta corrente. Isso deve levar a uma menor apreciação do câmbio, sem a necessidade de artificialismos como defendido por muitos críticos da atual política econômica ou o elevadíssimo custo fiscal da atual política de acumulação de reservas do Banco Central.
Essas duas propostas no âmbito macroeconômico levariam, no nosso entender, a um fortalecimento no "tripé" macroeconômico, dando ao Brasil a possibilidade e número de instrumentos necessários para, de forma consistente e sustentável, trabalhar com uma meta de crescimento junto com uma meta de inflação, tendo como resultado uma taxa de juros menor e uma taxa de câmbio menos apreciado, possibilitando um desenvolvimento econômico realmente sustentado, mudando os atuais fatores estruturais que sustentam um equilíbrio perverso de juros altos e câmbio, sem artificialismo. Nesse novo arranjo institucional de coordenação entre as políticas fiscais, monetárias e cambiais, o Brasil teria uma mudança de regime equivalente ao visto na implementação do Plano Real.


Subsídios agrícolas de volta

Autor(es): André Meloni Nassar
O Estado de S. Paulo - 15/09/2010

Teve de sair nas páginas da revista britânica The Economist o desenterro de um tema que ficou esquecido no debate internacional nos últimos cinco anos: o fato inconteste de que o setor agrícola brasileiro é dos menos subsidiados entre as grandes nações produtoras e exportadoras de alimentos, fibras e biocombustíveis. Com o monopólio, no debate internacional, do tema da sustentabilidade em bicombustíveis, e a preferência nacional pelas preocupações com o desmatamento, o artigo dos ingleses é uma boa oportunidade para trazer o assunto dos subsídios para a pauta novamente.
Com um valor da produção na casa dos US$ 100 bilhões, o Brasil é o quinto maior produtor agrícola do mundo. Pela ordem, temos a China com US$ 600 bilhões, a União Europeia com US$ 420 bilhões, os Estados Unidos com US$ 287 bilhões e a Índia com US$ 140 bilhões. O Japão vem logo após o Brasil, com US$ 90 bilhões. Países como Canadá, Rússia e Argentina, também grandes produtores agrícolas, são todos menores que o Brasil. Vê-se pela lista que, agrupando os grandes exportadores, a agricultura brasileira sobe para terceiro lugar.
Outra forma interessante e ilustrativa de verificar o tipo de agricultura que predomina em cada país é ranquear o grupo acima citado pelo critério de número de estabelecimentos rurais. Dos seis primeiros, apenas Índia e China não fizeram por completo a transição para uma economia industrial e ainda têm um contingente grande de famílias vivendo da agricultura. Enquanto o Censo Agropecuário de 2006 indica que no Brasil existem cerca de 5 milhões de estabelecimentos rurais, as pesquisas equivalentes na Índia e na China indicam 108 milhões e 210 milhões, respectivamente. Os americanos são os que apresentam o menor número, com pouco mais de 2 milhões.
Uma conta rápida dá a dimensão das diferenças estruturais que existem entre as agriculturas das regiões citadas e deixa claro a que grupo o Brasil pertence. Enquanto aqui o valor da produção por estabelecimento é de US$ 19 mil por ano, esse valor é de US$ 130 mil nos EUA, US$ 83 mil na União Europeia e US$ 31,5 mil no Japão. Não há dúvida, portanto, de que os agricultores americanos, europeus e japoneses são muito mais ricos que os brasileiros. Mas o número que me choca é outro: o valor da produção por estabelecimento na China e na Índia é de apenas US$ 2,9 mil e US$ 1,3 mil, respectivamente. Ou seja, na média, os agricultores chineses e indianos são muito pobres. Esses dados mostram que grandes contingentes vivendo no campo são sinônimo de pobreza. Por isso fico incomodado quando assisto, no horário eleitoral, à pregação de alguns candidatos contra o modelo de agricultura do Brasil, argumentando que vão distribuir "democraticamente" a terra. Minha conclusão é de que eles querem espalhar a pobreza pelo País.
O Brasil é, portanto, um dos poucos países em desenvolvimento que têm agricultura de país desenvolvido. Ou quase. Os desenvolvidos subsidiam muito os seus agricultores. O Brasil subsidia pouco. Esse fato é o que diferencia estruturalmente a agricultura do Brasil, e ele não deveria ter sido esquecido por tanto tempo.
Classificamos os subsídios aos agricultores em dois grupos: (1) os que caem nas costas dos consumidores e (2) os que são bancados pelo Tesouro e, portanto, utilizam dinheiro dos contribuintes. 

(1) O consumidor subsidia o agricultor quando ele vive num mercado fechado. Neste caso, preços domésticos ficam mais altos que os preços internacionais e, assim, obrigam os consumidores a comprar a preços mais elevados. Os mestres em usar esse tipo de subsídios são europeus (20% do total de subsídios ainda é bancado pelo consumidor) e japoneses (70% bancado pelo consumidor).
(2) O subsídio pago pelo contribuinte é aquele em que existe um gasto do governo com o agricultor por meio de políticas dirigidas, como é o caso da política agrícola para agricultores comerciais e familiares no Brasil. Os americanos desenvolveram o mais complexo sistema de política agrícola com subsídios pagos pelos contribuintes (95% do total). Dentre os subsídios pagos pelos contribuintes, existem os mais perniciosos ao mercado, porque incentivam o produtor a produzir mais do que faria se não houvesse o subsídio, e os que são menos danosos porque não afetam os preços - embora todo subsídio deturpe o funcionamento do mercado.
Considerando todos os tipos de subsídios concedidos aos agricultores, sem diferenciar os pagos pelos consumidores dos bancados pelos contribuintes, e incluindo na conta os mais e menos perniciosos aos mercados, a diferenciação do Brasil com relação aos EUA, à União Europeia e ao Japão é gritante. Enquanto o estabelecimento rural norte-americano recebe, em média, US$ 56 mil por ano, o europeu, US$ 27 mil e o japonês, US$ 20 mil, o brasileiro recebe US$ 1,1 mil. Calculando o total de subsídios em relação à riqueza do setor (valor da produção), encontramos 63%, 43%, 33% para Japão, EUA e União Europeia e apenas 6% para o Brasil. [Mas e a dívida, que é sempre rolada? Seria possível afirmar que no Brasil funciona um subsídio indireto, que força o produtor a transferir renda para os bancos?]
No caso do subsídio por estabelecimento, os valores da China e da Índia (US$ 280 e US$ 238 por ano) são muito inferiores aos do Brasil, mas na relação subsídio total/valor da produção, chineses (9,6%) e indianos (18,2%) subsidiam mais que nosso país. Por unidade de faturamento gerado no setor agrícola, o Brasil tem o menor nível de subvenção entre os seis países analisados.
Enquanto nos demais países existe uma clara orientação de política de transferir renda das atividades urbanas para os agricultores - porque consumidor e contribuinte já moram nas cidades -, no Brasil ocorre o processo inverso. O consumidor brasileiro beneficia-se de produtos agrícolas a preços mundiais e o contribuinte não é chamado a pagar a conta dos problemas de renda do setor agrícola, como no caso dos países desenvolvidos. Não há como negar que o nosso é um modelo muito melhor. [Babaca. Põe o patrimonialismo na conta, que afeta a logística, os planos Safra e pronto: nunca houve estado de bem-estar no Brasil, o contribuinte paga, ou não recebe o retorno da alfândega ou da jogatina da IBOVESPA, assim como o abastecimento doméstico - supondo que, para ele, o contribuinte não componha a fração dos produtores, encontrando-se nas cidades desassistidas, realiza-se via PRONAF. Deficitariamente. A CNA classifica os produtores observando se enquadram-se no PRONAF (abastecimento) ou não (exportação). Se junta tudo no mesmo balaio, está falseando o cálculo. Por encomenda do governo, recado ao agronegócio, que teme a ingerência do Estado nos seus negócios. Outro "fato", para driblar a lei. Mais uma vez, faltou o conceito de sentido da colonização, que define estruturalmente os "mercados de produção".]


Com excedente, EUA exportam etanol

Autor(es): Fabiana Batista e Claudio Belli
Valor Econômico - 16/09/2010
"Os americanos encontraram o caminho para exportar", afirma Eduardo Correa, diretor da área de Etanol e Energia da trading sueca Kolmar, sobre a "janela"
Com excedentes em seu mercado interno, os Estados Unidos já exportaram neste ano, apenas entre janeiro e abril, mais de 450 milhões de litros de etanol feito de milho, segundo a Associação de Combustíveis Renováveis (RFA) daquele país - e uma pequena parte desses embarques, surpreendentemente, veio para o Brasil, conforme traders da área.
Há cerca de um mês, o litro do galão (3,78 litros) oscilava entre US$ 1,60 e US$ 1,80 no mercado americano, ante os atuais patamares de US$ 2,20 a US$ 2,30. Isso tornou o etanol de milho americano até mais competitivo do que o etanol de cana do Brasil na maior parte do primeiro semestre.
O resultado é que os Estados Unidos voltaram a exportar volumes mais expressivos de etanol, como em 2007 e 2008. Em 2008, quando as exportações americanas alcançaram seu recorde, foram embarcados mais de 600 milhões de litros. Pouquíssimo se comparado ao volume brasileiro, mas ainda assim suficiente para seduzir alguns clientes até então cativos.
"Os americanos encontraram o caminho para exportar", afirma Eduardo Correa, diretor da área de Etanol e Energia da trading sueca Kolmar, que atua também nos mercados de química, petroquímica e petróleo. A estimativa é de que em torno de 50 milhões de litros vieram para o Brasil.
Correa esclarece que, neste momento, as margens para exportação a partir dos EUA já não estão mais atrativas, pois nas últimas cinco semanas a disparada do milho puxou também as cotações do biocombustível. "No entanto, se os preços lá baixarem e os daqui continuarem firmes, outros mercados, como o europeu e o asiático, podem repetir o feito e preferir importar dos Estados Unidos do que do Brasil", diz
No ano passado, segundo ele, o etanol brasileiro foi responsável por 80% do que a União Europeia importou do produto. Neste ano, esse percentual recuou para 50%.
Neste ano-safra, o 2010/11, o Brasil deve embarcar 1,7 bilhão de litros de etanol, 2 bilhões de litros a menos do que na temporada anterior. Da diferença, 1,2 bilhão se referem a volumes que foram em 2009 para os Estados Unidos, mercado que neste ano se fechou. Os outros 800 milhões eram destinados a outros mercados e que foram abocanhados por "novos" ofertantes, sendo que os Estados Unidos ficaram com cerca de 500 milhões desse volume, segundo Tarcilo Rodrigues, da Bioagência. A fatia restante ficou dividida com outros pequenos produtores de etanol, como México, Paquistão e até Argentina, afirma Rodrigues.
No Brasil, a estimativa é que desde o fim de dezembro do ano passado em torno de sete navios tenham atracado com etanol americano, com um total de 50 milhões de litros, diz Renato Leite Bastos, diretor de exportação e logística da SCA, maior empresa de comercialização de etanol do Brasil.
O volume é, obviamente, irrisório se considerar que a produção somente do Centro-Sul será superior a 26 bilhões de litros. "As importações não ocorreram por problemas de abastecimento. Mas porque havia oportunidade econômica", diz Correa.
Apesar das especificações técnicas do etanol brasileiro serem diferentes das do produto americano, as cargas que chegaram foram produzidas sob medida dentro das normas brasileiras. "Temos notícias de apenas um navio que não descarregou porque as especificações estavam diferentes", diz Correa.
As compras foram feitas, segundo especialistas do setor, por distribuidoras e também por grandes usinas que viram oportunidades de negócios no baixo preço do etanol americano. E de fato havia, conta Correa. Isso por uma conjunção de fatores, a começar pelo câmbio no Brasil que torna o produto importado mais barato. Ainda, porque os preços domésticos do biocombustível estão mais estáveis e, pelo menos, 20% mais altos do que em 2009.
Corrêa explica que mesmo quando o galão do etanol (anidro) bateu US$ 2 nos Estados Unidos - na maior parte deste ano esse valor ficou entre US$ 1,60 e US$ 1,80 - ainda compensava importar para o Brasil, mesmo com frete e outras despesas portuárias. Isso porque o produto chegava aqui a R$ 1,05 mil o metro cúbico (1.000 litros), enquanto que, naquele momento, o anidro brasileiro estava na casa dos R$ 1,1 mil o metro cúbico, detalha Correa.



Até onde vão as reservas?

Celso Ming - Celso Ming
O Estado de S. Paulo - 15/09/2010
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/9/15/ate-onde-vao-as-reservas

O Banco Central não consegue apresentar uma justificativa consistente para a atual política de compra de dólares e formação de reservas.
Argumenta, com razão, que o alto volume de reservas foi um dos principais motivos pelos quais o Brasil passou com sobras pela maior crise do capitalismo global desde os anos 30. Foi a exibição dessa musculatura que desencorajou eventuais evasões de moeda estrangeira.
No entanto, se reservas de US$ 200 bilhões foram mais do que suficientes para que a crise não passasse de simples marolinha, boa pergunta consiste em saber por que, então, é preciso mais. Por que continuar amontoando reservas se uma eventual recaída na crise não vai exigir blindagem maior do que a que foi necessária para enfrentar o tsunami de 2008-09? As reservas estão hoje a US$ 263 bilhões (veja gráfico) e poderão saltar para perto dos US$ 300 bilhões até o final do ano, apenas levando em conta a entrada programada de moeda estrangeira nas próximas semanas.
Se a formação de reservas não tivesse um alto custo para o País, não haveria contraindicação. A maior parte das reservas do Brasil é aplicada em títulos de dívida de países ricos, especialmente dos Estados Unidos, e rendem alguma coisa em torno dos 2% ao ano. Mas essas compras de moeda estrangeira exigem uma operação de esterilização dos reais usados pelo Banco Central para pagamento dessas compras. Ou seja, exigem retirada desses reais do mercado por meio da venda de títulos do Tesouro do Brasil. E, no entanto, esses títulos pagam juros equivalentes aos da Selic, hoje de 10,75% ao ano. Isso significa que, numa conta rápida, reservas de US$ 263 bilhões custam em torno de US$ 18 bilhões ao ano para os cofres públicos. [Eis o mecanismo do Imperialismo do XXI, que financeiriza o próprio sistema financeiro.]
Mais do que isso, quanto maior a pilha de reservas em exibição, mais o Brasil tende a atrair dólares. Por isso, se o objetivo do momento é evitar essa inundação verde, melhor seria parar por aqui.
Os dirigentes do Banco Central seriam mais sinceros se admitissem que não compram moeda estrangeira apenas para evitar grande volatilidade no câmbio interno ou, então, para formar reservas que hoje não são mais necessárias para defender a economia contra as crises. O Banco Central continua comprando dólares porque pretende evitar uma excessiva valorização do real (queda do dólar no câmbio interno).
Não há nada de errado em que se aprofunde a intervenção do Banco Central no câmbio para essa finalidade. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, por exemplo, não esconde que pretende uma boa desvalorização do real diante do dólar. Para isso, não só avisa que apoiaria a atuação do Banco Central no mercado de derivativos com esse objetivo, como também anuncia que está preparando pacote destinado a criar condições para uma recuperação das cotações do câmbio.
Ainda assim, quando avisa que está estudando intervenção no mercado de derivativos (mercado futuro), o Banco Central acena com outro objetivo: o de evitar a derrubada das cotações no mercado à vista provocada pela forte venda no câmbio futuro.
Mas, nessas condições, estaria admitindo que tem em mente um piso para a cotação da moeda estrangeira.
CONFIRA
O dia do pânico
Dois anos após a quebra do Lehman Brothers e do terror avassalador que a ele se seguiu, ainda se pergunta por aí se não teria saído mais barato para as autoridades americanas resgatar de uma vez o banco e, assim, ter evitado que o Fed despejasse US$ 2 trilhões, para segurar o mercado, e o Tesouro americano outros US$ 700 bilhões.
Prejuízo incalculável
O Lehman era apenas o quarto banco de investimentos dos Estados Unidos e, no entanto, quando afundou produziu o estrago conhecido.
A chantagem dos bancos
Se o Lehman não tivesse quebrado, talvez não tivesse sido recuperada a noção de risco nem a de que os bancos estão, sim, sujeitos a desaparecer, tanto eles como o dinheiro dos aplicadores. Em compensação, foi tamanho o pânico produzido que os grandes bancos passaram a chantagear as autoridades, na base de ou vocês nos socorrem ou vamos todos para o buraco. A resposta à pergunta continua difícil e controversa.


Do consumo para o investimento

Autor(es): Maria Clara R.M. do Prado
Valor Econômico - 16/09/2010
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/9/16/do-consumo-para-o-investimento
Uma nova etapa deve marcar o comportamento da economia brasileira a partir de 2011. Independente de quem esteja no comando político do país, uma robusta etapa de investimentos no setor real da economia terá de ser engendrada daqui para frente como condição absolutamente necessária para a manutenção do crescimento da renda.

Seria a consolidação de um processo econômico que começou com a abertura econômica do início dos anos 90 e firmou o passo com a estabilização garantida pelo Plano Real, em 1994. De lá até o ano 2000, altos e baixos marcaram a trajetória do PIB brasileiro. A demanda por commodities no mercado internacional ajudou a impulsionar a economia a partir de então, mas não há dúvidas de que o grande sustentáculo veio da expansão do consumo interno. [Não se trata apenas de transferência de renda, mas de financiamento, do campo para a cidade, posto que ambos se encontram arranjados sob forma industrial. A expansão do terciário é conseqüência, entre nós, estrutural, que manifesta o subdesenvolvimento. O "grande sustentáculo" tem dois tentáculos, sem dualismo.]

Em verdade, não foi preciso fazer grandes malabarismos para colocar mais renda na mão dos brasileiros. Bastou vontade política e coragem para enfrentar as muitas vozes dissonantes. Calcula-se que na virada entre 2010 e 2011, a renda per capita no país alcance a marca dos US$ 10 mil. Isso significaria um aumento de 100% sobre a renda média de cada brasileiro em 1996. É isso que está puxando o país. Mas, até quando?

A questão do limite do aumento do consumo como principal indutor do aumento do PIB foi bem colocada pelo economista Ricardo Carneiro, economista e professor da Unicamp, no texto "O desenvolvimento brasileiro pós-crise financeira: oportunidades e riscos", por ele apresentado no 7º Fórum de Economia da FGV-SP.

"No que tange ao consumo, esse padrão de crescimento deverá perder o seu crescente dinamismo devido à estabilização do multiplicador da moeda, que ampliou-se consideravelmente nos últimos anos por conta da melhoria da distribuição (da renda)", afirma ele. Alguns poderiam levantar as mãos em protesto e indagar de que limites se fala, se a renda per capita do brasileiro - de US$ 8.220,00 em fins de 2009 - é típica de país subdesenvolvido quando comparada a de outros "emergentes", como a da Coreia do Sul, onde renda média é de US$ 27 mil?

Bem, é que até mesmo a vontade política só consegue os resultados esperados se as condições econômicas conseguirem acomodar sem maiores distorções as decisões de governo.

O multiplicador de renda mencionado por Ricardo Carneiro mede a quantidade de vezes que a moeda circula na economia gerando novas oportunidades de investimentos, de negócios e de empregos. Esse multiplicador está diretamente ligado à propensão marginal ao consumo. Corresponde à fatia de dada renda recebida destinada ao consumo por oposição àquela destinada à poupança. Trata-se, em suma, da opção entre consumir hoje ou consumir amanhã.

 No Brasil, é natural que seja grande a propensão ao consumo. Está proporcionalmente em linha com a enorme quantidade de gente que por muito tempo viveu sem condições de consumir e que agora está agregada à classe C. Fala-se, grosso modo, em 30 milhões de pessoas. É muita gente: dois Portugais e mais de dois Chiles.

Portanto, o consumo continuará crescendo - dadas as condições propícias para isso - até o limite em que a capacidade de absorção tenha sido atingida. É claro que ainda há pobres e miseráveis no Brasil, indicando uma ampla margem de expansão para o tamanho da classe C brasileira. [Ah, então o limite seria a sua fonte? Aqui o dualismo morde o próprio rabo.]

Ocorre que do ponto de vista do setor público, o maior indutor da expansão do mercado interno, e do setor bancário, que tem contribuído para financiar o consumo, principalmente das famílias, chegará o momento em que os recursos disponíveis tenderão a se reduzir. Seja pelo impacto no déficit público, ou pelo impacto no patrimônio dos bancos.

"Embora seja bastante provável que esse multiplicador (de renda) permaneça em patamar elevado, há também indícios de que esteja estabilizado, ou seja, que suas ampliações sofram apenas alterações marginais daqui por diante", avalia Ricardo.

Fato é que os próximos anos devem ser orientados ao investimento como opção inexorável para o país não voltar para trás. Na opinião de Ricardo Carneiro, a próxima etapa da recente jornada de crescimento será sustentada pela construção civil, aí incluídos os investimentos em casa própria, e obras de infraestrutura. Isso, sem considerar o efeito que a exploração do petróleo na camada do pré-sal terá sobre a economia, seja como fator de estímulo interno, seja como fator de equilíbrio das contas externas, por meio dos financiamentos externos.

Para que os investimentos na construção civil e na infraestrutura possam se viabilizar do ponto de vista das contas públicas, Ricardo sugere arranjos de parcerias entre os setores público e privado. É óbvio que muito vai depender do nível das taxas de juros, mas parece cada vez mais claro que no Brasil da próxima década os juros tendem a ser olhados mais como elemento propulsor do investimento do que como instrumento de política monetária. E isso, ressalte-se, em qualquer que seja o cenário político.


Oportunidades para empresas emergentes

Autor(es): Juan Quirós
O Estado de S. Paulo - 16/09/2010
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/9/16/oportunidades-para-empresas-emergentes

Foi grande o alarde que se fez ante a recente divulgação de que a remessa de lucros das multinacionais se constituiu na principal causa de o País ter registrado este ano o pior resultado, desde 1947, nas suas contas externas no primeiro semestre. Mais grave ainda é a estimativa do Banco Central de que os ganhos expatriados podem superar o Investimento Estrangeiro Direto (IED), alcançando US$ 32 bilhões no final do exercício. Isso significaria crescimento de 27% em 12 meses.

Alegaram-se pertinentes causas para o preocupante fenômeno, dentre as quais a lenta recuperação pós-crise das nações desenvolvidas, levando as matrizes das companhias a aumentar a "retirada" nas filiais. Porém, em meio ao burburinho em torno do tema, esqueceu-se de uma questão crucial: qual volume de recursos tem sido repatriado pelas multinacionais brasileiras que operam no exterior?

A pergunta provavelmente não foi feita porque não há resposta, pois esses dados certamente são irrisórios se comparados ao fluxo financeiro internacional. Acontece que apenas 14 brasileiras compõem a lista das 100 empresas das nações emergentes classificadas como potenciais concorrentes das multinacionais de países desenvolvidos, conforme divulgou o Boston Consulting Group no Fórum Econômico Mundial 2009, em Davos, na Suíça.

É muito pouco para a nona maior economia, a primeira a vencer a crise, uma das que mais têm crescido e que conseguiu, nesta década, incluir 30 milhões de pessoas na sociedade de consumo. Não se trata de fazer a ingênua ilação de que, de imediato, a repatriação de lucros das multinacionais brasileiras poderia compensar o fluxo inverso. Porém, em pouco tempo seria possível, sim, multiplicar o volume de ingresso de recursos provenientes dessa fonte.

Para isso, seria fundamental democratizar oportunidades. Muitas empresas brasileiras já alcançaram padrão mundial de eficiência, e estão aptas a investir, conquistar mercados e manter filiais ou subsidiárias em outros países. É muito importante para o Brasil, com o auxílio do BNDES, consolidar organizações globais. Mais significativo ainda é criar uma base mais ampla de grandes e médias empresas nacionais que também possam participar de maneira ativa desse processo. Uma nação como o Brasil não pode ter apenas 14 companhias representativas, e estas não devem inibir o crescimento de numerosas emergentes que pedem e querem igualdade de tratamento.

A concentração de contratos e financiamentos para poucos pode inibir o crescimento do Brasil. É bom lembrar que uma classe média forte equilibra socialmente um país. A mesma situação se apresenta para as empresas. As que têm talento querem seu espaço. Já é hora, portanto, de o mercado nacional - incluindo o setor público - lhes lançar um olhar mais congruente com o seu potencial.

Com o crescimento previsto para o País, de 4% a 5% ao ano, nos próximos exercícios, haverá auspiciosa demanda, principalmente nas seguintes áreas: varejo e venda de bens de consumo, na esteira da ascensão da classe C; infraestrutura, em decorrência do cronograma de obras para a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016; e no setor de petróleo e gás, com o início da exploração das jazidas do pré-sal. Cerca de R$ 500 bilhões deverão ser investidos na infraestrutura brasileira nos próximos quatro anos.

É óbvio que as grandes multinacionais brasileiras têm espaço garantido na divisão do suculento bolo de obras. Contudo, da mesma forma que políticas públicas e o ambiente de negócios permitiram que milhões de pessoas fossem incluídas na sociedade de consumo, é decisivo que às empresas emergentes sejam dadas oportunidades internas mais amplas e concretas, para que ganhem o mundo e contribuam para a definitiva e soberana inserção do País na economia globalizada.


Argentina quer dividir lucro por lei

Autor(es): Daniel Rittner
Valor Econômico - 16/09/2010
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/9/16/argentina-quer-dividir-lucro-por-lei
Entre hoje e segunda-feira, será apresentado no Congresso argentino um projeto de lei que está deixando as empresas brasileiras de cabelo em pé. De autoria do deputado peronista Héctor Recalde, advogado da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), aliada do casal Kirchner, o projeto estabelece a distribuição obrigatória de 10% dos lucros líquidos aos funcionários. Só serão excluídos funcionários que ocupam cargos gerenciais e de diretoria.
Empresa na Argentina pode ter de distribuir 10% do lucro
O governo relutou em apoiar abertamente a proposta. Mas, na semana passada, ela foi defendida por lideranças governistas no Congresso e pelo ex-presidente Néstor Kirchner. Sem se pronunciar publicamente, por temor de represálias, as filiais de empresas brasileiras já manifestaram preocupação às câmaras empresariais. Elas criticam a impossibilidade de se condicionar o benefício a metas ou por acordo sindical, como no Brasil. [O subimperialismo não vai acabar por causa disso. Mas se a moda pega...]
As empresas brasileiras instaladas na Argentina acenderam o sinal de alerta com a apresentação de um projeto de lei que estabelece a distribuição obrigatória de 10% dos lucros líquidos aos funcionários. O projeto é de autoria do deputado peronista Héctor Recalde, advogado da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), maior central sindical do país e aliada de primeira hora do casal Kirchner.
Funcionários do gabinete de Recalde confirmaram ao Valor que a proposta será apresentada entre hoje e segunda-feira. Ela prevê a cobrança de 10% do lucro anual, descontados os investimentos e o pagamento de tributos. De cada 100 pesos recolhidos, 80 serão embolsados pelos empregados da própria empresa, com base em critérios de antiguidade e nível salarial. Ficarão excluídos funcionários que ocupam cargos gerenciais e de diretoria. De acordo com o projeto, os 20 pesos restantes formarão um "fundo solidário", destinado a financiar programas de incentivo à formalização do trabalho sem carteira assinada.
Para o deputado peronista, a proposta beneficiará as próprias companhias, ao estimular o consumo. Ele argumentou que as empresas que decidam reinvestir todos os lucros do ano anterior ficarão livres de pagar a bonificação aos funcionários. "Essa iniciativa não prejudica os empresários. Pelo contrário, ela os beneficia, já que incentiva os empregados a fazer a empresa prosperar", afirmou Recalde.
O governo relutou em apoiar abertamente a proposta. Mas, na semana passada, ela foi defendida por líderes governistas no Congresso e pelo ex-presidente Néstor Kirchner, uma espécie de primeiro-ministro nos bastidores da Casa Rosada.
Coube à União Industrial Argentina (UIA), pelo lado empresarial, fazer o lobby contrário. A entidade considera o fatia a ser dívida, 10% do lucro líquido, excessiva.
O presidente da UIA, Héctor Mendez, criticou duramente o projeto e disse que "a Argentina vai se parecer com Cuba". A entidade protestou ainda contra a série de bloqueios dos sindicatos em cinco fábricas da Siderar, a maior siderúrgica do país, pertencente ao grupo Techint. Os piquetes ameaçaram a produção da Siderar e o abastecimento de aço às montadoras e fabricantes de eletrodomésticos. Ele cobrou que "se ponham limites" à CGT.
Sem pronunciar-se publicamente, por temor a represálias do governo e dos sindicatos, as subsidiárias de companhias brasileiras já manifestaram preocupação às câmaras empresariais e pediram avaliações jurídicas do projeto. A maior crítica é quanto à obrigatoriedade da distribuição de lucros, ao contrário do que ocorre no Brasil, onde o mecanismo costuma ser acertado como parte das negociações salariais com os sindicatos. No início do ano, o Ministério da Justiça brasileiro chegou a elaborar projeto de lei que estabelecia a divisão de 5% do lucro líquido.
Outra queixa dos brasileiros é que, pela proposta de Recalde, não se pode condicionar essa bonificação a metas para melhorar resultados. Se o lucro da empresa cair pela metade, de um ano para outro, ela continuará tendo que distribui-lo - independentemente de uma queda das vendas ou da produção.
"O que se vive aqui hoje é pior do que o sindicalismo mais duro dos anos 70 e 80 no ABC paulista", diz o presidente de uma indústria brasileira de calçados instalada na Argentina. "A pressão de custos está muito forte", acrescenta o diretor de outra empresa, líder em seu segmento, que fechou o primeiro semestre com nível de produção recorde e aumento do lucro em relação ao ano passado. O problema, segundo ele, é que houve reajustes salariais de até 29%. Na empresa calçadista, a negociação recém-fechada com o sindicato foi para uma alta de 39% nos salários.
Apesar das reclamações do setor privado, a distribuição obrigatória de lucros tem amparo constitucional, adverte o advogado Héctor Rossi, sócio do escritório portenho Rossi Camilion e Associados, que atende uma série de empresas brasileiras. A participação dos trabalhadores nos resultados das companhias foi incluída na Constituição da Argentina em 1957, durante o regime militar da época, dois anos após a queda do primeiro governo do general Juan Domingo Perón. "A questão é que, desde então, e já se passaram 53 anos, esse direito constitucional nunca foi regulamentado", disse Rossi ao Valor.
Segundo o advogado, no entanto, o projeto de Recalde pode colidir com o direito de propriedade, dependendo da abrangência do texto final e da metodologia de cálculo do lucro líquido. "É preciso haver muito equilíbrio entre o direito das empresas e o direito dos trabalhadores", diz Rossi. De qualquer forma, ele acredita que o projeto chega em um momento inoportuno. "Todos os analistas coincidem em que a economia vai bem, mas que faltam novos investimentos. Deveríamos analisar, em profundidade, se estamos na hora mais adequada de regulamentar esse direito."

Um copo pela metade

Autor(es): José Graziano da Silva
Valor Econômico - 16/09/2010
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/9/16/um-copo-pela-metade
Dados recém-divulgados sobre fome e pobreza na América Latina e Caribe autorizam um otimismo crítico em relação ao pós-crise na região, derivado do desempenho regional em relação ao objetivo número 1 das Metas do Milênio, que trata da redução de 50% da fome e da miséria até 2015, comparado aos níveis vigentes em 1990.
A Cepal estima que, entre 2002 e 2008, o contingente da pobreza extrema recuou de 22,5% para 12,9%. Em relação à segurança alimentar, a explosão dos preços agrícolas (2006/08) e a crise fizeram o contingente de subnutridos aumentar para 53,1 milhões de pessoas ao final de 2009, quase o mesmo nível de 1990, depois de haver se reduzido a 47,1 milhões no período 2005-2007.
Segundo as novas cifras da fome no mundo apresentadas há poucos dias pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO na sigla em inglês), as projeções para 2010 mostram uma inflexão positiva nesse universo, que agora reúne 52,5 milhões de pessoas. A diferença é pequena, da ordem de 1%. Mas o sinal é coerente com a reversão da linha da iniquidade, graças a uma inédita ênfase dos países nas políticas sociais.
Há obstáculos, porém, ao avanço desse guarda-chuva de inclusão. Seu alcance não terá maior contundência enquanto persistirem gargalos atávicos das sociedades locais, como a má distribuição da terra e a anêmica capacidade fiscal da grande maioria dos Estados nacionais.
Ademais, os resultados escondem assimetrias. Enquanto um punhado de países como Brasil, Chile e Peru - seguido por México, Equador e Costa Rica - percorreu ou está muito próximo de concluir a meta de reduzir a extrema pobreza pela metade, economias mais pobres, casos de Honduras, Bolívia e Paraguai, entre outras, encontram-se bem longe da meta.
A mesma disparidade ocorre em relação à luta contra a fome. No período 2005-2007, por exemplo, países como Nicarágua, Jamaica e Guiana já haviam reduzido pela metade a população subnutrida, enquanto Honduras, Brasil, Peru e Colômbia estavam próximos de fazê-lo. No entanto, cinco outros casos (República Dominicana, Haiti, Bolívia, Suriname e Trinidad e Tobago) praticamente não registravam avanços, ou, pior ainda, a Guatemala, mostrava um nível de subnutrição mais grave que no início da década de 90.
Não é por acaso que a erradicação da miséria e da fome figura como o primeiro Objetivo do Desenvolvimento do Milênio. Sem avanços substantivos nessa frente, os demais elos da justiça social não evoluem. Os riscos são tão maiores quando se sabe que a instável recuperação mundial não exclui uma recidiva da crise.
Apesar de algumas incertezas em relação à oferta, a FAO não vê, por ora, razões para uma nova alta dos preços, a exemplo da que elevou a cerca de 1 bilhão o total de famintos no planeta, em 2008. Outros flancos, todavia, emergem no vazio de governança pós-crise. Capitais especulativos ensaiam novas aventuras no mercado de commodities.
As ambiguidades desse cenário ocupam a pauta da FAO na reunião de setembro e outubro, em Roma, que vai consolidar a reforma do seu Comitê de Segurança Alimentar (CSA), emprestando-lhe maior abrangência para incorporar representantes da sociedade civil, tanto das organizações não governamentais, quanto do setor privado.
A recomposição dos estoques de segurança é uma prioridade para reduzir as incertezas atuais. A adoção de ajustes para que as Bolsas de futuros voltem a exercer seu papel de âncora do produtor, e não um espaço autônomo da especulação, é outra urgência. Reorientar a ajuda ao desenvolvimento também é uma preocupação que deverá estar presente na agenda do CSA.
Em maior ou menor grau, o desempenho regional durante a crise comprovou que a luta contra a pobreza e a fome ganha pontos quando deixa de ser encarada como responsabilidade subsidiária dos mercados para figurar como uma das balizas da ação pública que qualifica a abrangência e a direção do crescimento.
O Brasil emerge como principal referência dessa nova postura e uma das alavancas indutoras da evolução regional na consecução das metas para 2015. Convivem na América Latina e Caribe inúmeros programas de transferência de renda e combate a fome. Nenhum, porém, reúne como no caso do Fome Zero, um conjunto tão articulado de ações - entre elas, o Bolsa Família, a valorização do salário mínimo, o crédito popular e o fomento à agricultura familiar.
A síntese mais expressiva desse arcabouço, evidenciada na PNAD, é que pelo quinto ano consecutivo houve elevação do rendimento médio do trabalho permitindo que mais de dois milhões de brasileiros deixassem a pobreza entre 2008 e 2009 em pleno auge da crise mundial.
O consenso em relação às políticas sociais na atual campanha presidencial é outra evidencia de que um novo padrão de desenvolvimento caminha para nortear o crescimento do país, com reflexos inevitáveis nas demais economias da região. Seu bônus catalisador é a demonstração crescente, ancorada em resultados, de que mais justiça social redunda em maior legitimidade política. E isso amplia a margem de manobra para agregar reforma tributária e maior igualdade à mecânica do desenvolvimento sustentável.

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