Autor(es): Marco Bahe |
Época - 06/09/2010 |
Como um programa de microcrédito para jovens montado com R$ 10 mil no interior de Pernambuco transformou a vida de mais de 7 mil pessoas Em 2008, as irmãs alagoanas Rosilene e Eliete da Conceição chegaram à pequena Glória do Goitá com uma mão na frente e outra atrás, como elas mesmas dizem. A cidade de 28 mil habitantes a 80 quilômetros do Recife foi o destino escolhido para fugir da miséria. Rosilene e Eliete tinham estudado apenas o suficiente para juntar as letras de seus nomes numa assinatura trêmula. Hoje, são empreendedoras. A virada aconteceu quando as irmãs conseguiram um empréstimo com o Projeto Acreditar, uma organização de microcrédito rural voltada para jovens. Assim como na maioria dos municípios da Zona da Mata pernambucana, ter emprego com carteira assinada é um luxo em Glória do Goitá. Ali, o único trabalho oferecido em abundância é cortar cana-de-açúcar. A remuneração? Três reais por tonelada de cana cortada. Isso mesmo: R$ 3 por tonelada. Em lugares com esse padrão de renda, quantias muito pequenas de dinheiro podem transformar vidas. É isso que o Acreditar tem feito. Criado em 2001, o programa funciona quase como um banco, mas com algumas diferenças. A iniciativa foi da Serta, uma organização não governamental dedicada a criar condições de trabalho e renda para os jovens da região. Reunindo um grupo de 120 jovens de Glória do Goitá, a ONG montou um programa que os ajudasse a realizar seus sonhos. O capital inicial era de R$ 10 mil, boa parte conseguida por meio da venda de comida e bebida numa festa. O dinheiro deu origem a um fundo rotativo, que empresta recursos a quem quer montar um negócio. Quando Rosilene e Eliete procuraram o fundo, ele já contava com o apoio do Sebrae, do BNDES, do Itaú e de outras instituições, como a rede Ashoka. A carteira total ultrapassava R$ 200 mil e havia mais de 600 empreendedores se beneficiando do programa. As irmãs precisaram de apenas R$ 1.500 para montar uma fábrica de massa de mandioca caseira. Hoje, toda a família trabalha na fabriqueta, que tem três funcionários contratados e fornece seu produto para um supermercado no Recife. As microempresárias pagaram o empréstimo inicial em apenas seis meses e já tomaram um novo, de R$ 1.940. Nós vamos crescer muito ainda, afirma Rosilene. Para conseguir empréstimo não é preciso dar nada em garantia. Basta a palavra. Cada novo empreendimento inscrito no programa passa por um processo chamado de crédito assistido, que inclui uma orientação técnica no processo de amadurecimento da ideia, o levantamento socioeconômico dos futuros empreendedores, a avaliação do Comitê de Crédito do Acreditar e, por fim, a liberação do valor e o acompanhamento de como ele será gasto. As linhas de financiamento variam de R$ 200 a R$ 2 mil. A média é R$ 500. Cobrando juros de apenas 3% ao mês sobre o saldo devedor, o Acreditar apoia cerca de 400 empreendedores e uma carteira de créditos de R$ 250 mil. Já beneficiou mais de 7 mil pessoas. Mesmo cobrando apenas 3% de juros sobre o saldo devedor, o programa dá lucro, revertido em novos empréstimos. Uma das razões para esse sucesso é a baixíssima taxa de inadimplência: apenas 1,6%, ou um quinto da média dos empréstimos a pessoas físicas do sistema bancário convencional. A gente não apoia empreendimentos que usem agrotóxicos, trabalho infantil, jogos, bebidas alcoólicas e outros itens degradantes ao ambiente e às pessoas, diz a coordenadora do projeto, Lilian Prado, de 25 anos, que, antes de se tornar microbanqueira, ajudava os pais na roça. Ela ainda tem as mãos calejadas no cabo da enxada. Sua equipe é formada por jovens empreendedores que mantêm seus próprios negócios paralelamente ao trabalho no Acreditar. O projeto acabou se tornando também porta de saída para as aspirações da juventude local. Aqui na cidade só tem ensino médio e magistério, diz Lilian. Os jovens não têm uma formação profissionalizante que estimule o empreendedorismo. Como as escolas não oferecem essa ferramenta, o Acreditar faz sua parte. Almir Barbosa dos Santos, de 29 anos, cresceu trabalhando na casa de farinha da família. Nas horas vagas, encantava-se com o teatro de mamulengos do mestre José Lopes e apaixonou-se pela arte. Hoje, Almir tem sua própria companhia de entretenimento. Antes do Acreditar, procurei outro banco para montar uma oficina, mas eles não acreditaram na viabilidade do negócio, afirma Almir. Há nove anos ele se divide entre as atividades de artesão, educador e apresentador de teatro de mamulengo. Tudo isso com o crédito que recebeu. O Acreditar fez valer minhas ideias, diz Almir. Com a agenda de teatro cheia até o Carnaval do ano que vem, atarefado com a venda de bonecos e oficinas de criação, ele sonha em ampliar a empresa. Penso em abrir meu próprio ateliê depois do Carnaval. É o que está faltando. As irmãs Rosilene e Eliete e o artesão Almir são dois exemplos de como o Acreditar transforma sonhos em oportunidades. Eles não pensam mais em ir para a cidade grande. Querem ficar em Glória do Goitá, onde um passeio de poucos minutos parece um catálogo das ações do Acreditar. Há desde quem tenha aberto uma pequena loja de roupas usando o dinheiro do programa até quem tenha pedido empréstimo para comprar milho, assar e vender na feira. O Acreditar nunca foi um simples projeto, e sim um sonho, diz Lilian. Meu medo era que ele se tornasse mais um banco. Mas a lógica é diferente. O projeto contempla a história de vida de cada empreendedor. Emprestar dinheiro, no final, é apenas um detalhe. |
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
Um banco deles mesmos
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/9/6/um-banco-deles-mesmos
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