Autor(es): Marta Arretche |
Valor Econômico - 08/09/2010 |
O Estado brasileiro vem consolidando uma modalidade de distribuição de responsabilidades na área social muito semelhante àquela adotada por estados unitários descentralizados. O governo central é responsável pelas políticas de renda (previdência, compensação ao desemprego e combate à pobreza) ao passo que os governos locais são responsáveis pela execução das políticas sociais básicas (saúde básica, educação infantil e fundamental, desenvolvimento urbano, coleta de lixo, transporte municipal). Portanto, da perspectiva dos cidadãos, o acesso a serviços básicos e a qualidade da vida urbana dependem largamente do que fazem e gastam os governos municipais. São bastante desiguais, contudo, as receitas dos governos locais no Brasil. Em 2008, a receita orçamentária per capita média dos 20 municípios "mais ricos" foi de aproximadamente R$ 7 mil enquanto, para os 20 "mais pobres", equivaleu à cerca de R$ 546. A razão entre a receita per capita dos dois grupos é de quase 13 vezes. Apenas 4 do primeiro grupo estavam em regiões metropolitanas contra 12 do segundo. Entre os "mais pobres", 9 tinham mais de 100 mil habitantes contra apenas 2 entre os "mais ricos". Não é a preguiça fiscal que explica esse resultado. Ele só faria sentido se os governos locais fossem autônomos para taxar. Não são! Dados o regime de separação das fontes tributárias e a autoridade da União sobre as finanças dos governos subnacionais, são limitadas as fontes de tributação própria dos municípios. Sua principal fonte de receita são as transferências. Não há nada particular no caso brasileiro nesse aspecto. É assim também onde neva, na seleta amostra de países sobre os quais se afirma que a democracia e o Estado funcionam melhor. A crer na crônica política nacional, transferências intergovernamentais seriam o produto de negociações particularistas entre o presidente e voláteis bases de sustentação parlamentar, via emendas parlamentares. Contudo, as transferências negociadas da União representam cerca de 3% das receitas dos municípios. As emendas são uma fração desse montante. Não têm relevância para um modelo estatístico geral das finanças municipais. Em média, 75% das receitas municipais vêm de transferências regulamentadas pela legislação federal. Não estão sujeitas aos humores do presidente nem dos governadores. Moral da história: é mais relevante para a qualidade de vida nas cidades debater a legislação das transferências do que a liberação de emendas. As transferências, contudo, não podem ser tratadas em bloco, pois são distribuídas segundo regras muito distintas. O gráfico abaixo, elaborado em colaboração com Edgard Fusaro, toma cada município brasileiro como um indivíduo e mede o efeito de cada uma das principais transferências, somada à arrecadação própria, sobre a desigualdade horizontal de receita per capita, por meio do coeficiente de Gini.
A cota-parte do ICMS/IPVA, obrigação constitucional dos Estados, somada à arrecadação própria, é a medida mais próxima da efetiva desigualdade de riqueza entre os municípios brasileiros, pois a primeira opera como devolução tributária. Se apenas essas fossem as fontes de receita dos municípios brasileiros, o índice de Gini dessa "população" estaria em torno de 0,450. Se apenas o FPM se acrescentasse à tributação própria, a desigualdade horizontal seria da ordem de 0,300. As transferências estaduais e federais vinculadas ao Fundef/Fundeb e ao SUS tornaram-se crescentemente redistributivas ao longo do tempo. A partir de 2002, passaram a ter um impacto mais importante que o FPM para reduzir desigualdades horizontais de receita. As receitas dos royalties do petróleo, por sua vez (cuja informação desagregada está disponível no STN somente a partir de 2002) são responsáveis por alta desigualdade horizontal. Somadas à receita tributária, mantém o coeficiente de Gini em torno de um índice de 0,500. Em conjunto e isoladamente, o FPM, o SUS e o Fundef/Fundeb são as transferências com maior impacto na redução das desigualdades de receita. Não fossem essas fontes, a razão entre a receita per capita dos 20 "mais ricos" e dos 20 "mais pobres" seria muito superior a 13. Nos "mais pobres", seriam ainda mais reduzidos os recursos para as políticas de saúde e educação, dadas as vinculações constitucionais. Nos municípios grandes, o efeito de "crowding-out" para as políticas urbanas seria ainda maior. Essa legislação e seus efeitos são a resultante agregada de sucessivas camadas de legislação federal, aprovadas democraticamente sob diferentes governos. Não há nenhuma razão para que não sejam aperfeiçoadas. A trajetória do SUS e do Fundef/Fundeb, que se tornaram mais redistributivos ao longo do tempo, indicam que congelar regras de transferências tão complexas, amarrando por tempo indeterminado os governos futuros, impede de melhorá-las quando muda o contexto que lhes deu origem. Os efeitos do FPM sugerem que nem tudo é de curto prazo nas decisões pré-eleitorais. |
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
Transferências de verbas e a qualidade da vida nas cidades
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/9/8/transferencias-de-verbas-e-a-qualidade-da-vida-nas-cidades
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