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Entre queimadas, gado continua a pastar ilegalmente pela Flona do Jamanxim, área protegida no Pará. O problema não é novo, nem é restrito à unidade.
O resumo da ilegalidade: gado e queimada margeiam a floresta no Jamanxim. No mapa, a foto corresponde ao círculo amarelo com um ponto no meio. © Greenpeace/Rodrigo Baleia
Fogo usado na limpeza de terreno, para provável expansão da pecuária, na Flona do Jamanxim. A foto corresponde ao ponto amarelo, no mapa. © Greenpeace/Rodrigo Baleia
Às margens da BR-163 e nas beiradas do Arco do Desmatamento, a Floresta Nacional do Jamanxim, no Sul do Pará, está sob proteção oficial desde 2006. Mas, passados quatro anos, isso não impediu que a área de 1,3 milhão de hectares continuasse ameaçada. Em sobrevoo pela região na última semana, ativistas do Greenpeace constataram que os velhos problemas continuam por ali. E têm nome: gado, queimadas e ocupações irregulares de terra.
De acordo com monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a Flona de Jamanxim passou o mês de agosto liderando a lista de unidades de conservação com mais queimadas na Amazônia: foram mais de 800 focos registrados. A equipe cruzou as coordenadas dos incêndios com dados do Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia (Prodes) e percebeu uma clara associação entre fogo e áreas de expansão da pecuária.
Prática antiga na agricultura brasileira, as queimadas servem para renovar o pasto e limpar áreas recém-desmatadas a um custo baixo. “Encontramos grandes focos. Na região da BR-163, o fogo começou no pasto e já atingiu a floresta. E a mesma coisa acontece no Norte de Mato Grosso”, conta Paulo Adario, diretor da Campanha da Amazônia do Greenpeace.
Encravada numa das principais fronteiras de avanço do agronegócio, a Flona do Jamanxim foi criada para conter o desmatamento que avançava por suas bordas. A unidade é uma área de uso sustetável, sendo ilegais quaisquer atividades econômicas ou propriedades particulares em seu interior.
Em meados de 2009, o então ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, anunciou em altos brados a Operação Boi Pirata II, que iria coibir a criação de gado principalmente dentro de áreas protegidas. À época, mil cabeças de gado foram tiradas do Jamanxim. Mas hoje, segundo o Sindicato Rural do município de Novo Progresso – onde se encontra a Flona – pelo menos 100 mil cabeças continuam pisoteando a área, como mostram as imagens documentadas pelo Greenpeace.
Frigoríficos e supermercados
O problema não é novo, e nem é restrito à Floresta Nacional do Jamanxim. Com a falta de governança, a criação de gado em unidades de conservação e terras indígenas é coisa comum pela Amazônia. O setor da pecuária começou a se mexer apenas no final do ano passado, quando os três maiores frigoríficos do Brasil se comprometeram a não comprar mais boi de fazendas que criam os animais dentro de áreas protegidas ou recém-desmatadas.
No último mês de julho, JBS/Bertin, Marfrig e Minerva anunciaram ter deixado de comprar gado de 221 fazendas com essas características. Outras 1.787 propriedades estão em averiguação. As empresas afirmam, também, ter o ponto georreferenciado de mais de 12.500 fazendas, número que, segundo elas, representa 100% da cadeia de fornecedores diretos da região.
O movimento das gigantes da pecuária, no entanto, não resolve o problema por inteiro. Juntas, elas respondem por 36% dos abates feitos na Amazônia Legal. Deixando-as de lado, existem ainda 259 frigoríficos registrados atuando na região, entre pequenos, médios e grandes. Isso sem falar nos clandestinos. Até agora, eles não assumiram qualquer compromisso com o desmatamento zero, e continuam escoando seus produtos por meio de supermercados que ainda não limparam suas prateleiras dos passivos ambientais e sociais.
A Associação Brasileira de Supermercados, por sua vez, comprometeu-se, em 2009, a excluir fornecedores que têm ligação com a devastação da floresta tropical brasileira. O prazo definido pelas redes varejistas termina na próxima terça-feira, 31, mas os resultados não estão aparecendo. É o que diz o Instituto de Defesa do Consumidor. Segundo o Idec, o consumidor ainda não encontra informação disponível para saber se a carne que chega à sua mesa vem de fazendas com desmatamento ilegal ou uso de trabalho escravo.
Luz no fim do túnel
Conselho Nacional de Justiça decide anular mais de cinco mil registros ilegais de propriedades no Pará. A medida devolve ao estado terras que deveriam ser preservadas.
Sobrevoo pelo estado do Pará revela desmatamento ilegal. ©Daniel Beltra/Greenpeace
É o "início do fim da grilagem”, declarou Felício Pontes, procurador do Ministério Público do Pará, sobre recente decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de anular mais de cinco mil registros imobiliários e matrículas consideradas irregulares no Pará. A medida pode devolver para as mãos da União quase um Pará inteiro em terras.
Depois de três anos cruzando informações do período entre 1934 e 1988, uma comissão de combate à grilagem, força-tarefa criada para passar a limpo a situação fundiária do estado, constatou o tamanho da farra dos títulos ilegais. Somados, são mais de 110 milhões de hectares de terras griladas Grande parte delas existe somente no papel. Cerca de 20 milhões de hectares declarados como privados correspondem a regiões onde hoje há Unidades de Conservação – na Terra-do-Meio, Porto de Moz e no entorno da rodovia BR 163.
Nos hectares restantes, terras possivelmente do estado brasileiro, anos de fraude resultam nas imensas taxas de desmatamento no estado, que já perdeu quase toda a sua madeira de valor em extração ilegal, além de abrir caminho para graves conflitos sociais.
“A justiça deu um passo definitivo para acabar com a grilagem, chaga que fez do Pará um palco de violência humana e destruição florestal”, diz Nilo D´Avila, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace. “A medida vence a resistência de entidades de representação do agronegócio, sempre contrárias a ações de cadastramento efetivo”, complementa.
Com o cancelamento dos registros, os supostos donos ficam impedidos de vender ou utilizar a propriedade em transações bancárias até serem – se forem, capazes de comprovar o direito à posse. Desta vez, com papéis verdadeiros.
Quando a tendência vira fato
Governo anuncia queda no desmatamento da Amazônia antes de fechar análise anual. Ainda que o corte raso diminua, extração de madeira se mantém.
Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente: anunciados precocemente, dados parciais do desmatamento abrem espaço para constrovérsias. Foto: José Cruz/ABr
No fim da última semana, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, chamou a imprensa para divulgar "dados parciais" da taxa de desmatamento na Amazônia. Com números do sistema Deter (Detecção de Desmatamento em Tempo Real), ela afirmou que, entre agosto de 2009 e maio de 2010, o desmatamento na região caiu 47% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Na festa propagada pelo governo, no entanto, pouca voz foi dada a quem entende de monitoramento. Dalton Valeriano, chefe da Divisão de Sensoriamento Remoto do Inpe, foi categórico no jornal "Folha de S.Paulo": "Afirmar que o país está desmatando menos ainda é mera especulação".
Valeriano se refere à imprecisão do Deter em medir o tamanho das áreas devastadas. Criado em 2004 pelo Inpe, o sistema veio com o objetivo de, mensalmente, alertar os órgãos de fiscalização quando algo estivesse errado pela floresta. Usando imagens de satélite, o sensor Modis é capaz de "enxergar" cortes rasos e processos de degradação por extração de madeira, mas somente em áreas maiores que 25 hectares. As derrubadas menores que isso ficam de fora. O que não é pouca coisa. De acordo com o próprio pesquisador, hoje os desmatamentos menores representam 60% de toda a devastação.
"Quando o governo começou a usar o Deter e a mandar equipes de fiscalização para os locais que estavam sendo desmatados, os grandes desmatadores entenderam a lógica. Agora, em vez de desmatar uma extensão enorme, eles desmatam várias áreas menores, para que o Deter não pegue", explica André Muggiati, da Campanha da Amazônia do Greenpeace, acrescentando que a imprecisão também ocorre por conta das nuvens: quando o céu está coberto – o que não é incomum na região – nem todas as áreas são identificadas. "Qualquer dado que se refira à área desmatada é equivocado se for gerado por esse sistema. O Deter não foi feito para medir o tamanho do desmatamento".
Dados imprecisos
Por se tratarem de números falhos, o anúncio feito pelo MMA acaba gerando interpretações equivocadas, de que as estatísticas indicam que a agricultura e a pecuária seguem trilhas mais saudáveis, ao mesmo tempo em que a extração predatória de madeira mingua. Ledo engano.
Se o agronegócio está, aos poucos, diminuindo sua pressão sobre a floresta, não se pode falar o mesmo do setor madeireiro. Quem o diz é também o Inpe, com dados do sistema Degrad, criado há dois anos para medir, aí sim, o tamanho de áreas em processo de degradação por extração predatória de madeira.
O gráfico mostra a diferença entre os números do Deter e do Prodes. Os dados de 2010 do Deter ainda não estão completos, e o Prodes ainda não saiu.
Enquanto o desmatamento demonstra queda nos últimos anos, o Degrad mostra que a degradação na floresta seguiu o caminho inverso. Enquanto, em 2007, quase 16 mil quilômetros quadrados foram identificados em estágio de degradação, a taxa subiu para mais de 27 mil km2 no ano seguinte. Os números de 2009, que já deveriam ter ido para a rua, o MMA ainda não soltou.
Enquanto o desmatamento demonstra queda nos últimos anos, o Degrad mostra que a degradação na floresta seguiu o caminho inverso. Enquanto, em 2007, quase 16 mil quilômetros quadrados foram identificados em estágio de degradação, a taxa subiu para mais de 27 mil km2 no ano seguinte. Os números de 2009, que já deveriam ter ido para a rua, o MMA ainda não soltou.
Para calcular as áreas degradadas, o Inpe utiliza imagens do satélite Landsat, muito mais preciso que o usado pelo Deter. É a partir do que ele aponta que são geradas as taxas anuais de desmatamento na Amazônia. A metodologia adotada para se fazer essa análise ganhou o nome de Prodes (Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia). Muito mais refinado que o Deter, esse sistema consegue identificar desmatamentos a partir de 6,25 hectares, deixando de fora uma fatia muito menor da devastação.
Para exemplificar a diferença na precisão entre os dois sistemas, não é preciso ir muito longe. Em 2009, o Deter apontou cerca de 4 mil quilômetros quadrados de desmatamento na Amazônia. Pouco tempo depois, saíram os números do Prodes, que havia identificado muito mais: quase 7.500 quilômetros quadrados derrubados. Nesta terça-feira, a ONG Imazon também soltou seus números de monitoramento mensal. Contrapondo os dados do Deter, o instituto afirma que, de agosto de 2009 a junho de 2010 houve, não declínio, mas um aumento de 8% no desmatamento, em comparação com o mesmo período do ano anterior.
Portanto, todo cuidado é pouco na hora de falar de números, ainda mais se tratando de ano eleitoral. "Uma série de fatores levou à tendência de redução do desmatamento nos últimos anos. A moratória da soja e o compromisso público assumido pelos grandes frigoríficos de não comprar mais gado de áreas devastadas influenciaram bastante, assim como as ações de fiscalização", diz Marcio Astrini, da Campanha Amazônia do Greenpeace. "No ano passado, com crise financeira mundial, o que caiu foi a procura pelas commodities. Com menor demanda, os setores que produziam pressionando a floresta diminuíram o ritmo, e isso teve reflexo na queda do desmate."
Tendências à parte, a atenção deve ser redobrada. Julho é quando começa o período de seca e as motosserras são ligadas a todo vapor. Quantas árvores vão cair nos próximos meses, ainda não se sabe. Mas elas têm de entrar na conta antes que qualquer anúncio seja feito.
Um olha do espaço. O outro, do ar
Imazon solta novos dados do SAD, que serão confirmados no campo através de sobrevoos do Greenpeace. Parceria aperfeiçoa monitoramento da Amazônia.
Alerta confirmado: polígono de desmatamento em Novo Aripuanã, sul do Amazonas, registrado em sobrevoo. © Greenpeace/Bruno Kelly
Depois de mais um mês inteiro debruçado sobre mapas, imagens de satélite e equações matemáticas, o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) divulgou hoje os novos números do SAD, o Sistema de Alerta de Desmatamento, que monitora de forma independente a derrubada e a degradação da floresta. Agora, quem se apoia sobre os dados é o Greenpeace, que vai sobrevoar algumas áreas para conferir se os satélites estavam certos ao apontar mais de 300 quilômetros quadrados de derrubadas na Amazônia no último mês de julho.
A parceria entre as duas organizações promete refinar ainda mais o monitoramento da floresta amazônica. Em setembro, o Greenpeace fará o terceiro sobrevoo de verificação dos dados do SAD. A previsão é que ela ocorra a cada dois meses, mas que seja intensificada nos períodos em que o desmatamento dispara.
Para dar conta do recado, a organização construiu uma metodologia própria. Baseado em alguns critérios, como concentração dos pontos de derrubadas, áreas protegidas e autonomia do avião, são selecionadas cerca de 10% das áreas apontadas pelo SAD para amostragem.
Uma equipe de técnicos em geoprocessamento foi treinada especialmente para essa missão. Em maio de 2010, eles decolaram com GPS, fotógrafo e mapas do Imazon para confirmação de 108 polígonos de desmatamento e degradação indicados pelo sistema, entre os meses de janeiro e março deste ano. O sobrevôo indicou que 93% dos alertas estavam certos.
“Essa verificação é fundamental para sistemas de monitoramento como o SAD, pois as informações são baseadas em interpretação de imagens de satélite”, explica Edwin Keizer, coordenador do laboratório de Geoprocessamento (LabGeo) do Greenpeace. “Os dados reais, de campo, são complementares e confirmam se os alertas são verdadeiros.”
Em se tratando de Amazônia, porém, a função não é simples. Além da imensa extensão das áreas sobrevoadas, a verificação fica prejudicada em tempo de seca e queimadas. Nas últimas semanas, a fumaça resultante de incêndios para limpeza de terreno tornou os sobrevoos arriscados e impediu que alguns pontos fossem confirmados no sul do Amazonas, sudoeste do Pará e norte de Rondônia. “As condições de vôo são precárias. A visibilidade está muito reduzida”, avisava o piloto, pelo rádio.
Dificuldades à parte, a missão segue em frente. Além de tornar mais precisos os dados sobre a Amazônia, a ideia é que, aos poucos, esse monitoramento se torne mais abrangente e envolva mais atores. “O Greenpeace está na Amazônia, conhece a realidade da região e tem parceiros locais. Aos poucos, pretendemos envolver associações e pessoas daqui, formando uma rede de parceiros que vai tornar esse monitoramento ainda mais transparente”, diz Keizer.
Usado como alerta para os órgãos de fiscalização e a sociedade civil, o SAD cumpre função semelhante ao do Deter, o sistema de detecção de desmatamento em tempo real do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Os alertas, porém, estão cada vez mais difíceis de serem emitidos, já que a dinâmica do desmatamento mudou de alguns anos para cá. Hoje, quase 60% das derrubadas são menores do que 25 hectares, área mínima que os dois sistemas conseguem enxergar.
Daí a importância de se ter cada vez mais olhos voltados para o solo. “Uma pessoa que more numa região remota da Amazônia talvez não entenda de mapas, mas pode ser um importante agente para denunciar um desmatamento que está acontecendo ali, ao seu lado”, afirma o coordenador do LabGeo do Greenpeace. “É essa associação que vai tornar o monitoramento mais eficaz daqui para frente: um olho na tecnologia e outro no ‘mundo real’".
No meio da fumaça
No meio da fumaça